Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Replay: versão supera fato – e gera repercussões, editoriais, análises…


A impressão é de um filme já visto – e foi mesmo. As personagens são as mesmas, muda apenas o jornalista. Em 13 de janeiro deste ano, O Estado de S.Paulo trouxe em sua manchete principal que ‘Furlan ataca câmbio e meta de inflação’, resultado de uma entrevista com o colunista Celso Ming. O ministro do Desenvolvimento desmentiu o teor das declarações que lhe foram atribuídas, mas pouco adiantou.


Ontem, o jornal trouxe ‘Governo está sem objetivos, diz Furlan’, e, como em janeiro, o ministro desmente a crítica oo governo que serve e o novo disparo ‘fogo amigo’ que, apesar de desmentido, ganha ampla repercussão nos demais jornais e meios de informação de hoje.


O ministro desmentiu, é verdade, mas não o suficientemente claro para evita que colunistas, manchetes principais e até editoriais deitem comentários e análises sobre o que ele afirma não ter dito.


No centro da controvérsia, uma coincidência: o site com as notícias do Estado de do hoje não reproduz a carta de Furlan negando o que lhe foi atribuído. Aos leitores do meio eletrônico, restou apenas a leitura do texto do ‘enviado especial’ a Hong Kong, Jamil Chade. Apesar do título ‘Ministro diz que não criticou governo’, Chade não assume seus erros, como pode ser lido abaixo na comparação da carta do ministro (repita-se: que a versão da Internet não traz) e o desmentido assinado pelo mês Jamil Chade.




Reportagem sobre o desmentido



Ministro diz que não criticou governo


Jamil Chade


ENVIADO ESPECIAL HONG KONG


O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, contestou por escrito e por sua assessoria informações publicadas ontem pelo Estado em que afirmou que o governo não traçava objetivos e cenários para 2006.


Na noite de segunda-feira, porém, o ministro falava no lobby de seu hotel, ao jornal Valor Econômico, quando a reportagem do Estado chegou e passou a fazer parte da entrevista. Furlan falou sobre a taxa de juros, exportações e câmbio. Ao final, jornalistas das agências EFE, BBC Brasil e Rádiobras obtiveram dele declarações sobre as exportações e logo deixaram o local. Um funcionário do governo e Mario Mugnaini, da Camex, aproximaram-se e ficaram com o grupo até o final da entrevista. Foi nesse momento que Furlan iniciou sua avaliação política e citou questões como o desânimo e a falta de objetivos e sinalizações no governo para 2006.


Furlan afirma que não usou a palavra ‘metas’, e de fato não o fez. Usou, porém, palavras como ‘sinalizações’, ‘objetivos’ e ‘cenários’.


Na carta ele não questiona a seguinte frase publicada: ‘O governo não faz sinalizações, não traça cenários, objetivos nem estabelece meios para atingi-los’. Diz não ter falado sobre uma ‘sensação geral de desânimo’. De fato, a frase pronunciada foi apenas ‘sensação de desânimo’.


Por fim, o ministro não cita a paralisia administrativa do governo, como ele se queixa em sua carta – mas a matéria tampouco diz que usou esses termos. Em várias ocasiões, porém, Furlan apontou que faltavam cenários e que isso seria importante para fazer mover a máquina estatal. ‘São como balizas para trazer avanços’, disse. E avisou,descontraído, que iria parar de falar, pois senão teria de se explicar depois.





O que diz a carta do ministro



‘A respeito da matéria publicada hoje (ontem) pelo jornal O Estado de S.Paulo com o título ‘Governo está sem objetivos, diz Furlan’, gostaria de esclarecer os seguintes pontos. Frases como ‘sensação geral de desânimo’, ‘falta de metas para 2006’, ‘paralisia administrativa’ e ‘falta de objetivos e cenários’ foram interpretadas livremente pelo repórter. Basta ler as matérias publicadas em outros jornais no dia de ontem (hoje) para saber que o que falei durante a entrevista, concedida simultaneamente para vários repórteres, foi colocado no contexto desejado pelo jornalista e não pelo contexto da minha fala.’


‘Em nenhum momento da entrevista eu afirmei que o governo não tem metas ou objetivos para 2006. Perguntado se o governo estabeleceria metas para o próximo ano, disse que na reunião de 19 de dezembro seriam apresentados os números para 2006, mas que se dependesse somente de mim, haveria também uma meta de crescimento. Disse ainda que nós (o governo) trabalhamos com as sinalizações do mercado, ao invés de traçarmos os cenários que estimulem as empresas e a sociedade, o que é nossa obrigação. Afirmei que era preciso que fossem sinalizados os objetivos e os instrumentos para alcançá-los.’


‘Ao ser questionado pelo repórter se o Brasil vem enfrentando um período de desânimo e se o setor produtivo compartilhava dessa decepção, afirmei que muitas empresas fizeram cenários negativos de câmbio e juros, provocando uma sensação que desânimo que afetava as iniciativas, novos investimentos no país e o consumo. Complementei que, apesar disso continuava o ministro mais otimista da Esplanada. E em nenhum momento descrevi quais seriam as duas ondas de desânimo anteriores, conforme cita o repórter.’


‘Aproveito para esclarecer que tenho grande respeito pelos repórteres deste jornal, que sempre foram prontamente atendidos por mim e por seus milhares de leitores. Justamente por esse motivo, gostaria que fosse publicado esse meu esclarecimento a respeito da matéria, uma vez que ela leva a interpretações equivocadas e sensacionalistas.’


Atenciosamente, Luiz Fernando Furlan, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior


Uma pergunta insiste: Valeu de alguma coisa a correção do ministro? Quase nada é a resposta, como mostram alguns dos títulos impressos nas edições de hoje:


O Estado de S.Paulo
Coluna Dora Kramer



Água fria ‘mui’ amiga
(…)
O problema de Lula no presente momento não é como ganhar a eleição, mas como levar a termo seu atual mandato. E, nisso, tem sofrido golpes. Não da oposição, cuja obsessão – senão unânime, pelo menos majoritária – tem sido posar de ‘responsável’ e cuidar para que a casa não caia, a fim de não estragar seus planos de voltar o quanto antes ao governo federal.


As contusões presidenciais são produto, primeiro, dos atos e palavras do personagem principal, ‘difícil’, como aponta José Dirceu; ao segundo escalão da tropa de golpeadores – para não dizer golpistas – até então integrada por petistas e companhia, junta-se o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Luiz Fernando Furlan.


Ganha destaque no grupo não pelas críticas que fez à taxa de juros e ao porcentual do superávit primário; nestas, de tão corriqueiras, ninguém presta mais atenção. Furlan ganhou patente de oficial na tropa pelo diagnóstico que fez na reunião da Organização Mundial do Comércio: ‘O governo não faz sinalizações, não traça cenários, não tem objetivos nem estabelece meios para atingi-los.’


Ou seja, não governa.


Até então, Furlan havia sido um crítico pontual como tantos outros. Mas agora formulou um conceito que define o governo como um todo, fez uma avaliação avassaladora e não deixou margem para recuos.


Tudo bem que a oposição diga isso todos os dias. Tudo bem que seja verdade, mas quando quem emite essa opinião é um ministro de uma das áreas mais bem-sucedidas do governo, o setor de exportações, trata-se da chancela oficial à constatação de que a crise não é só política.


É, sobretudo, uma crise de gestão das políticas governamentais e é também uma crise de autoridade. E, no caso de Furlan, poder-se-ia também falar em crise de identidade, pois sendo o governo a nau sem rumo que aponta, ele se inclui como um dos navegantes à deriva e não sente desconforto com a situação.


Ao silenciar a respeito, o presidente da República torna verdadeira uma de duas hipóteses: ou concorda, ou não está na posse plena de suas faculdades governamentais para reagir.


O ministro tem todo o direito, senão o dever, de dizer o que pensa. Mas, seria de se esperar que seu chefe o contraditasse no sentido de fazer ver à Nação que há comando.


Lula tem facilidade para construir uma realidade paralela quando o assunto são as denúncias de corrupção. Diz, convicto, que nada houve, não cooptou parlamentares sob o compromisso de lhes financiar as campanhas, seus auxiliares não têm culpa no cartório, ninguém pecou, ninguém prevaricou, no máximo foi a oposição quem conspirou.


Seria de esperar que o presidente exibisse a mesma habilidade para desmontar o retrato de sua administração exibido em Hong Kong pelo ministro Luiz Fernando Furlan. Se não o faz é porque não quer, não pode ou não sabe que argumentos usar para desmentir o ministro.






Valor Econômico – Editorial



Furlan expressa desânimo do país com a ortodoxia


Não se deve colocar na ampla categoria do fogo amigo as críticas feitas pelo ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, à paralisia do governo do qual faz parte. Antes que se cometa essa generalização, é preciso lembrar que o ministro não é do PT, não tem ambições políticas e, na formação do ministério do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi escolhido como um representante do setor produtivo – mais especificamente, como alguém da poderosa Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Feita a ressalva, é possível vislumbrar nas afirmações de Furlan a inquietação do setor produtivo, que ele representa, com uma política de governo exclusivamente centrada em gestão monetária e fiscal.


Ao contrário da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, que foi agressiva em suas críticas à equipe econômica, Furlan foi suave, embora claro. Ele afirmou que a ‘sensação de desânimo’ que toma conta do país ‘está afetando as iniciativas da sociedade e decisões de cidadãos ou empresas’. Constatou que a falta de cenário e objetivos por parte do governo, e uma postura de deixar que o mercado defina o caminho, resulta na paralisia que, em última instância, é a causa do desânimo que afeta decisões de investimentos.


Furlan não atacou diretamente a combinação explosiva de juros altos e câmbio valorizado, mas constatou que isso resultará num ritmo menor de crescimento das exportações e, o que é pior, numa mudança de perfil da pauta de vendas ao exterior. Este ano, o país atingiu a meta de exportações de US$ 117 milhões, com 56% da pauta de exportações composta por produtos industrializados. No próximo ano, prevê Furlan, haverá queda na exportação de produtos com maior valor agregado e aumento da participação dos produtos agrícolas e de mineração. Isso quer dizer que o câmbio tem inviabilizado a exportação de produtos que demandam mais mão-de-obra, resultando em fechamento de postos de trabalho. Da mesma forma, as altas taxas de juros inibem a demanda interna de produtos industrializados.


Nada do que foi dito por Furlan pode ser contestado, nem mesmo pela equipe econômica. Aliás, é possível até juntar as duas pontas de suas críticas – à paralisia do governo e à gestão monetária – e estabelecer relações de causalidade. O ano de 2005, é certo, foi tomado por uma grave crise política, mas é difícil jogar nas suas costas a culpa pela inação da administração pública. Os anos anteriores de governo Lula tiveram pouca coisa diferente em relação a esse. Não foram alinhavados planos estratégicos para viabilizar uma política de crescimento; não foram feitos investimentos que pudessem dar um mínimo de sustentabilidade a um desenvolvimento sustentável. Pode-se atribuir isso a falhas de ministros ou até da própria coordenação de governo, a cargo do próprio presidente da República, mas é inegável que a grande responsabilidade da paralisia foi da ditadura da política monetária, imposta pela equipe econômica.


(…)






O Globo


Manchete principal:



Críticas à política econômica dividem o Ministério de Lula
Ministros reagem de forma diferente ao desânimo relatado por Furlan


Título da reportagem



Cada ministro atira para um lado
Aguinaldo Novo, Adauri Antunes Barbosa, Gerson Camarotti e Cristiane JunglutSÃO PAULO Aguinaldo Novo, Adauri Antunes Barbosa, Gerson Camarotti e Cristiane Junglut
SÃO PAULO e BRASÍLIA.



Acusado de manter uma política econômica recessiva, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, disse ontem que ficou preocupado com as críticas do colega do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, e que vai telefonar para ele pedindo para ‘não perder o ânimo’. Em Hong Kong, onde participa de reuniões da Organização Mundial do Comércio (OMC), Furlan disse que o governo não tem objetivos nem metas e reclamou de uma ‘sensação geral de desânimo’. Já o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, não apenas apoiou Furlan como também a decisão do diretório nacional do PT, que no fim de semana cobrou mudanças na política econômica. É mais uma rodada de ataques que expõe divergências no ministério de Lula sobre a economia.


— Fiquei preocupado de o ministro Furlan se confessar um pouco desanimado. Vou pedir para não perder o ânimo, porque ele é um grande incentivador dos projetos que fizemos este ano — disse Palocci, atribuindo ao trabalho do colega e de sua equipe o aumento das exportações. — Ele é um ás de ouro deste governo.


Já o presidente do BNDES, Guido Mantega, reagiu dizendo que não faltam metas para o governo:


— Não concordo (com Furlan). Existem as metas. Essas metas já estão estabelecidas. É o planejamento de longo prazo que está sendo posto em prática. Basta ver os resultados. A indústria brasileira não crescia há quase dez anos. Nos últimos dois anos está crescendo a um ritmo ímpar, crescendo e gerando produtividade. Talvez o ministro Furlan esteja, digamos, um pouco decepcionado com o câmbio, porque para ele (o câmbio) é o motor do superávit comercial, uma tarefa dele. Mesmo assim ele está tendo êxito porque vamos superar US$ 40 bilhões este ano — disse Mantega, subordinado a Furlan.


Depois de Furlan disparar críticas de Hong Kong, ontem o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, no Palácio do Planalto, disse que o PT e a sociedade esperam um ritmo maior de crescimento da economia. E, para isso, acrescentou Marinho, o Comitê de Política Monetária (Copom) e o Conselho Monetário Nacional (CMN) precisam anunciar esta semana a queda da taxa básica de juros, a Selic, e a TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo).


O presidente Lula, tentando aparentar bom humor, antes mesmo de ouvir perguntas sobre as declarações de Furlan, perguntou:


— Qual a fofoca do dia?


(…)






Folha de S.Paulo



Governo e Fiesp minimizam crítica de Furlan


FABIANA FUTEMA
CLARICE SPITZ
DA FOLHA ONLINE


Governo e empresários minimizaram as críticas feitas anteontem, em Hong Kong, pelo ministro Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento). O ministro disse que há uma ‘sensação geral de desânimo no país’. Segundo Furlan, essa situação está afetando as iniciativas dos empresários.


O ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, afirmou que não entendeu como críticas as declarações de Furlan. ‘Ele mostrou preocupações, que são justas’, disse Palocci, ontem, em São Paulo após reunião com representantes da indústria automobilística.


‘Fiquei preocupado porque ele se manifestou um pouco desanimado. Vou ligar para ele e falar para não perder o ânimo, pois o ministro Furlan é um grande incentivador dos projetos feitos neste ano. O resultado das contas externas é muito em função do trabalho pessoal e da equipe do ministro’, acrescentou.


Palocci também negou que Furlan tenha manifestado disposição de sair do governo. ‘De forma alguma, o Furlan é um grande ministro, jamais manifestou indisposição em relação a continuar seu trabalho’, afirmou.


Já o presidente do BNDES, Guido Mantega, atribuiu o ‘cansaço’ de Furlan à persistente valorização do real. ‘Talvez o ministro Furlan estivesse um pouco decepcionado com o câmbio, que para ele é o motor do superávit comercial. Mas à medida que os juros caírem, vamos ter melhorias no câmbio’, afirmou, após participar de seminário em São Paulo.


(…)


Já o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, disse, em almoço em São Paulo, que não está ‘pessimista’ nem ‘desanimado’ em relação à condução da política econômica no próximo ano. ‘Respeito a opinião do ministro Furlan, mas não se pode dizer que [o país] esteja desanimado. Há necessidade de reparos e ajustes na política econômica’, afirmou Skaf.


(…)


Para o diretor do Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Fiesp, Roberto Giannetti da Fonseca, Furlan ‘está revelando o verdadeiro sentimento do empresário’. ‘Ele está frustrado como nós.’






Jornal do Brasil
Não traz reportagem sobre o assunto.






Gazeta Mercantil



Para Palocci, Furlan está ‘desanimado, mas não sai do governo’
Viviane Monteiro, Simone Cavalcanti e Sandra Nascimento



O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, disse ontem que o seu colega de governo Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento) pode estar um pouco desanimado. Palocci referiu-se às recentes declarações de Furlan sobre a falta de rumo do governo. ‘Vou ligar para ele e animá-lo um pouco, pois ele é o incentivador de grandes projetos no governo’, disse.
Segundo o ministro Palocci, grande parte do momento extremamente positivo das contas externas brasileiras é graças ao trabalho do ministro Furlan, que é, diz, o ‘o ‘Ás de Ouro’ do governo’. Sobre a possibilidade de Furlan ter dado estas declarações como um sinal de que estaria disposto a deixar o governo, Palocci foi enfático: ‘Furlan é um grande ministro e já mais colocou sua pasta à disposição’.