Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Roberto Jefferson diz que estopim foi Furnas

A Folha publicou no sábado (23/9) reportagem que reproduz palavras de Roberto Jefferson segundo as quais a intermediação da relação de Furnas com prestadores de serviços e fornecedores foi o estopim da crise dita do mensalão. Ver ‘De volta à fita dos Correios‘.


Eis o trecho da reportagem (‘Em livro, Jefferson envolve Lula e Dirceu com dinheiro de Furnas’, por Sergio Torres, da sucursal do Rio) que interessa:


Em Nervos de Aço, livro que acaba de lançar, o ex-deputado federal Roberto Jefferson diz que contou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que o PT e o PTB tinham acertado partilhar R$ 3 milhões arrecadados de empresas prestadoras de serviço à estatal Furnas Centrais Elétricas. [….] Jefferson diz que o acordo fora firmado com o então ministro da Casa Civil, José Dirceu. Diante da surpresa que diz ter causado, Lula desconhecia o acordo, suspeita Jefferson, à época deputado federal pelo PTB. O diálogo com o presidente, na presença de Dirceu e do ministro do Turismo, Walfrido dos Mares Guias (PTB), é a principal novidade das 375 páginas de Nervos de Aço (editora Topbooks; R$ 39,90).


Jefferson conta que aquele foi seu último encontro oficial com o presidente. Era a manhã de 26 de abril de 2005. No Palácio do Planalto, Lula quis saber a razão de o então diretor de Engenharia e Planejamento de Furnas, Dimas Toledo, não ter ainda sido substituído por um indicado pelo PTB, como acertado anteriormente.


‘Roberto, por que está demorando tanto? Por que vocês não trocaram ainda, rapaz? Eu não quero manter esse cara lá. Por que ainda não saiu a nomeação do PTB? Vamos nomear o [Francisco] Spirandel?’, teria dito Lula a Jefferson, que escreve ter sugerido ao presidente que Toledo fosse mantido.
‘Lula não gostou: ‘Pô, como é que é? Mas por quê? Vocês já estão fazendo acordo?’ ‘Já.’ ‘Que acordo é esse?’, ele quis saber. ‘Qual foi o acordo que vocês fizeram, porra?’.’


Jefferson explicou o que era o acordo. Segundo ele, Dirceu defendia internamente a permanência de Dimas Toledo, que caíra em desgraça com Lula por transferir mais de R$ 1 milhão ao governo de Minas Gerais, de Aécio Neves, do PSDB.


Para não trocar Dimas por um petebista, Dirceu teria proposta a ele ‘um acerto direto entre o PT e o PTB’, pelo qual os partidos dividiriam ‘a arrecadação mensal’ de Furnas, ‘por meio de Dimas Toledo’. O dinheiro seria arrecadado ‘entre empresas interessadas em contratos com Furnas’.


Segundo Jefferson, Lula se irritou com a explicação e não a aceitou. ‘Aquele senhor está traindo o governo, está fazendo o jogo do governador de Minas Gerais, e eu não quero a permanência dele. Não quero esse cara lá. Se você não tirar eu tiro e ofereço a outro partido. Tem que tirar!’, teria dito o presidente, mandando, a seguir, Dirceu nomear Spirandel’.


Dimas Toledo, o beneficiário da fita


Leitor: se você não conferiu o tópico deste blog escrito em fevereiro e sugerido acima, facilito sua vida com a reprodução dos primeiros parágrafos:


Até hoje ninguém entendeu quem ganhou com a divulgação da famosa fita dos Correios, ponto de partida da crise do “mensalão”. Uma pessoa foi beneficiária imediata da armação contra o trambiqueiro confesso Maurício Marinho: Dimas Toledo, hoje acusado de ser o titular do ‘dimasduto’, na época diretor de Engenharia de Furnas Centrais Elétrica.


Para quem acredita em milagre, terá sido pura coincidência. Para quem não acredita, pode ter sido mais um episódio de manipulação da imprensa.


A Veja circulou no sábado, 14 de maio de 2005. Dimas Toledo deveria deixar a diretoria de Furnas em assembléia marcada para a segunda-feira seguinte, dia 16. O cargo havia sido prometido pelo presidente Lula para uma indicação de Roberto Jefferson, então deputado e presidente do PTB, no contexto de uma negociação com a base aliada no Congresso conduzida sob a batuta do então ministro da Casa Civil, José Dirceu.


Pouco antes, Dimas Toledo havia tentado negociar com Jefferson sua permanência no cargo, que ocupava havia 12 anos, desde o governo do presidente Itamar Franco.


Jefferson, como se sabe, foi golpeado pela declaração de Maurício Marinho de que desviava dinheiro dos Correios para o PTB.


Se Dimas Toledo não teve nada a ver com a divulgação da fita, que segundo a Veja fora gravada um mês antes, um anjo da guarda dele teve. Quem sabe um anjo da guarda empresarial, interessado na manutenção dos esquemas que agora, mais uma vez, vêm à tona. Com a bênção de arcanjos políticos.


Ao blog de Josias de Souza, Roberto Jefferson havia declarado:


‘- Quem era o padrinho de Dimas Toledo?


– O Dimas não tinha um controlador. Ele não trabalhava com grupo pequeno, só com grupo grande. Três, quatro governadores poderosos. Aquela cadeira era forte demais para um só. Ela foi o principal motivo para o Zé Dirceu botar a Abin no meu calcanhar.


– O José Dirceu herdou o esquema?


– Herdou. Eu já falei sobre isso à Folha e à CPI (dos Correios). Aquela era uma cadeira muito poderosa.


– O Dirceu chegou a propor uma partilha ao senhor?


Dava R$ 4 milhões – R$ 1 milhão ficaria para despesas de diretoria que o Dimas teria,  R$ 1,5 milhão iria para o PTB e R$ 1,5 milhão para o PT todo mês. Fora os grandes contratos que, sempre que assinados, teria uma parcela.


– O sr. chegou a conversar sobre isso com o próprio Dimas?


Sim. Ele esteve em minha casa entre meia noite e meia e uma da madrugada, em abril do ano passado, a pedido do Zé Dirceu.


– Ele queria o quê?


Formalizar o acordo da partilha. Me disse que ficaria para o PTB R$ 1,5 milhão por mês e para o PT R$ 1,5 milhão. Ele reforçou a conversa que o Zé Dirceu já havia acertado. Eu voltei ao Zé, contei os termos e perguntei: tá fechado? Ele disse: ‘Fechado’. Foi quando o Lula deu pra trás. Disse: não, esse cara é um traidor. Ele é tucano. Batamos R$ 1,5 milhão na Cemig, para fazer o Programa Luz para Todos nas favelas e ele só botou placa do governo do Aécio (Neves).  


– A proposta de partilha foi feita para que o sr. concordasse com a manutenção do Dimas?


Exato. Quem ficava com tudo naquela época era o Delúbio (Soares, ex-tesoureiro do PT). Tinha também um ‘grupo dos 12’, do PSDB, que ficava com R$ 600 mil por mês. Três eu sei com certeza: (Luiz) Pihayilino (PSDB-PE), Osmânio Pereira (hoje PTB-MG) e Salvador Zimbaud (PSDB-SP)’.


Furnas continua na penumbra


Até hoje não foi feita nenhuma reportagem sobre o que ocorreu ou deixou de ocorrer em Furnas Centrais Elétricas nos últimos anos. Não nos últimos três anos e nove meses. Mas nos últimos muitos anos. Furnas é um dos baluartes das ligações perigosas entre empresa estatal e empresas privadas no setor elétrico brasileiro.


* * *


Adendo em 25/9, 22h15.


Da entrevista de Renata Lo Prete com Roberto Jefferson publicada pela Folha de S. Paulo em 12 de junho de 2005 (a segunda entrevista famosa):


(….)


Folha – Após a primeira reportagem da ´Veja´ sobre os Correios, duas nomeações iminentes de petebistas foram abortadas: uma na empresa e outra em Furnas, certo?


Jefferson – O doutor Ezequiel Ferreira, indicado pelo senador do PTB Fernando Bezerra [líder do governo no Congresso], nunca chegou a ser diretor dos Correios. Iria para a Tecnologia, ocupada pelo doutor Eduardo Medeiros, indicado pelo Silvio Pereira. Era uma negociação que cortava um pedaço de poder do PT na carne.


Furnas foi o próprio presidente Lula que ofereceu ao PTB. Na diretoria de Engenharia, a mais poderosa do setor elétrico do país, está o doutor Dimas Toledo. Há 12 anos. É muito ligado ao governador Aécio Neves (PSDB-MG).


O presidente queria tirá-lo porque houve um programa em Minas, num repasse de recursos federais de mais de R$ 1 bilhão, o Luz para Todos. E quando houve a exploração política desse programa, o Aécio só botou na placa ‘governo de Minas Gerais’. E o presidente se sentiu traído.


Com a ajuda do então presidente da Eletronorte, meu companheiro Roberto Salmeron, eu cheguei ao nome de Francisco Pirandel, um técnico de altíssimo nível, que já trabalhou com o senador Delcídio [Amaral, líder do PT no Senado]. Levei o currículo ao presidente Lula, que mandou que eu despachasse de uma vez com o ministro José Dirceu e levasse uma cópia para a ministra Dilma Rousseff [Minas e Energia].


Ela disse: ´É um dos melhores nomes´. Aí começaram as pressões para que o Dimas não saísse. Do presidente Itamar Franco, lá em Roma, no enterro do papa. De grandes empreiteiras. Até o Zé Dirceu disse: ´A pressão está muito forte para não trocar´. Eu disse: ´O PTB não é problema. Nós não queremos gerar uma crise´.


Quando nós voltamos, Walfrido e eu, para conversar com o presidente, nós nos dispusemos a abrir mão. Ele falou: ´Não. Eu faço questão´. Ficou marcada a assembléia, se não me engano para 16 de maio. Dia 14 de maio saíram as primeiras denúncias da ´Veja´.


Na assembléia, a ministra mandou suspender a troca. Três dias depois, vem conversar comigo em casa o Arlindo Chinaglia [petista, líder do governo na Câmara]. Logo depois do meu discurso na Câmara, falando em nome pessoal, para pedir que eu matasse no peito, que o PTB puxasse a crise para si e esclarecesse rapidamente, e que depois as coisas caminhariam normalmente, que aconteceria a nomeação em Furnas. E eu disse: ´Mas por que você fala isso?´. Ele respondeu: ´Porque foi o governo que sustou´.


Quando saiu a matéria da ´Veja´, o Janene e o Severino Cavalcanti [presidente da Câmara, PP-PE] foram para cima do Zé Dirceu para impedir que houvesse essa troca. Eles adotaram o Dimas como indicação do PP. Pressão direta do Janene e do Severino para que eles não assinassem a CPI’.


Uma visita de Dimas Toledo


No dia 30 de junho de 2005, a repórter voltou ao assunto:


‘Na noite de terça-feira, antevéspera de seu depoimento à CPI dos Correios, Roberto Jefferson, presidente licenciado do PTB, relatou à Folha um esquema de desvio de dinheiro a partir de Furnas Centrais Elétricas que lhe teria sido descrito pelo diretor de Engenharia da estatal, Dimas Toledo.


´Ele explicou que sobram R$ 3 milhões por mês em Furnas´, diz. ´Desse total, R$ 1 milhão vai para o PT nacional, pelas mãos do Delúbio [Soares, tesoureiro do partido]. R$ 1 milhão vai para o PT de Minas Gerais, por meio do doutor Rodrigo [Botelho Campos, diretor de Administração, ex-dirigente da CUT-MG].´
Dimas não foi localizado ontem pela Folha para comentar as declarações de Jefferson. Sua secretária informou que ele está em férias, em local desconhecido.


No relato do deputado, o dinheiro restante, segundo lhe teria dito Dimas, era dividido meio a meio: ´R$ 500 mil ficam com a diretoria de Furnas´ e ´R$ 500 mil são repartidos entre um pequeno grupo de deputados´.


Pertencem ao grupo, segundo Jefferson, parlamentares que, no início do governo Lula, trocaram o PSDB por siglas da base aliada por influência da Casa Civil, à época chefiada por José Dirceu.


Jefferson nomeia três integrantes desse grupo de ex-tucanos: Luiz Piauhylino (PE), que passou pelo PTB e hoje está no PDT, Osmânio Pereira (PTB-MG) e Salvador Zimbaldi (PTB-SP).


´Esse grupo conseguiu nomear o diretor financeiro de Furnas´, diz Jefferson. Trata-se de José Roberto Cesaroni Cury, formado na Unicamp. Campinas é a base eleitoral de Salvador Zimbaldi.


Todos esses detalhes teriam sido apresentados a Jefferson numa visita que Dimas Toledo fez ao apartamento funcional do deputado, em Brasília, na noite de 13 de abril passado. O encontro faria parte do esforço do diretor de Engenharia de Furnas para reverter a decisão do presidente Lula de entregar o cargo ao PTB.


´O Dimas me disse tudo isso sentado aí nessa poltrona´, conta Jefferson, apontando para o local da sala de estar onde, anteontem, estava uma de suas assessoras.


Pressões


Jefferson diz que, mesmo antes da visita, já se dera conta das pressões contrárias à substituição em Furnas. Nesse ponto, repete os nomes citados em sua segunda entrevista à Folha, publicada em 12 de junho. Aécio Neves, Itamar Franco, Severino Cavalcanti e grandes empreiteiras seriam alguns dos defensores, segundo Jefferson diz ter ouvido de Dirceu, da permanência de Dimas.


Na noite da visita, Jefferson havia saído com sua mulher, Ana, para assistir a uma apresentação da cantora lírica Denise Tavares, que dá aulas ao deputado. Na volta, encontrou o diretor de Engenharia à sua espera.



´Tudo o que o Dimas me explicou eu relatei depois ao Zé Dirceu. Ele confirmou que era isso mesmo´, diz o deputado. ´Percebi claramente que o Zé Dirceu estava jogando contra a nomeação do Pirandel [Francisco Pirandel, nome que o PTB havia escolhido para o posto em Furnas].´


Na conversa posterior à visita de Dimas Toledo, Jefferson diz ter ouvido a seguinte proposta do então ministro da Casa Civil: ´Roberto, vamos resolver esse negócio por cima. Deixa o Dimas lá. A gente faz um acerto direto entre o PT e o PTB´. Jefferson teria respondido com uma frase então recorrente em suas tratativas com os petistas: ´Eu não sou problema´. Aceitou a proposta.


Lula


Até que, às 10h de 26 de abril, Jefferson esteve no Palácio do Planalto para o que foi, segundo ele, seu último encontro com Lula. Estavam presentes também Dirceu e o ministro do PTB, Walfrido dos Mares Guia (Turismo).


A dada altura da conversa, o presidente teria cobrado um desfecho para a novela de Furnas: ´Roberto, por que está demorando tanto?´. Jefferson diz ter mencionado as pressões, sem entrar nos detalhes discutidos com Dimas e Dirceu, e se declarado disposto a aceitar solução de compromisso. ´Nada disso´, teria rebatido Lula. ´O Dimas vai sair.´


Pouco mais de duas semanas depois, em 14 de maio, a revista ´Veja´ trouxe gravação em que Jefferson é acusado de comandar a corrupção nos Correios. Em seguida, a ministra Dilma Rousseff, então nas Minas e Energia e hoje na Casa Civil, mandou suspender o processo de substituição em Furnas. Dimas Toledo permanece como diretor de Engenharia.


Em seu depoimento de hoje à CPI dos Correios, Jefferson usará o caso de Furnas para ilustrar três pontos básicos do discurso que tem repetido desde que declarou guerra à cúpula petista.


Primeiro, a idéia de que, a despeito do carimbo fisiológico aplicado aos partidos aliados, é o PT que comanda os postos mais rentáveis da administração federal. Segundo, a caracterização de José Dirceu como responsável maior pelas irregularidades.


Por fim, Jefferson segue inocentando Lula de suas acusações. Ou, numa hipótese menos branda, tratando o presidente como alguém que desconhecia o que supostamente se passava em seu governo. ´Quando ele perguntou sobre a substituição do Dimas, ficou claro para mim que ele não estava sabendo de nada´.’


* * *


Quanta pauta esquecida. Quanta reportagem à espera de veículos e jornalistas interessados.


Notar que no livro Nervos de Aço Roberto Jefferson opera mais uma de suas reviravoltas e diz que o presidente Lula conhecia os esquemas que ele, Jefferson, diz terem sido montados pelo PT com partidos da base aliada.