Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Secretário diz que divisão interna prejudica a Polícia e que ação preventiva teria reduzido ataques do crime no Rio

O secretário de Direitos Humanos do Estado do Rio, sociólogo Paulo Baía, afirma que da resistência às indicações feitas para a área de segurança pública pelo governador eleito, Sérgio Cabral Filho, decorreu uma ação retardada e insuficiente das Polícias na atual onda de violência criminosa no Rio de Janeiro. Afirma que uma ação preventiva deixou a situação dentro dos presídios sob controle e que a própria ação policial depois da madrugada de quinta-feira foi eficaz, o que mostra que há meios de impedir sortidas de bandidos.


O secretário vê com esperança os planos anunciados e as escolhas feitas pelo governador eleito. Mas quem tem memória sabe que essa expectativa se repete praticamente a cada nova eleição. E a situação não parou de piorar ao longo de décadas. A análise de Baía, entretanto, sai do terreno das generalidades e aborda temas concretos, como a reintrodução da disciplina e do controle nas polícias, e o combate à corrupção em todas as suas formas.


Para que a mídia ajude, diz ele, é preciso “independência e coragem dos órgãos de imprensa e dos jornalistas”. Baía opina que uma melhor formação dos jornalistas poderia evitar que eles sejam canais para versões oficiais das autoridades. Ele também questiona a memória curta das redações, que prejudica o encadeamento lógico das reportagens ao longo do tempo. Para o secretário, o papel da imprensa é fundamental na democracia, porque ela é o principal veículo de controle externo das instituições públicas.


Paulo Baía sucedeu na Secretaria de Direitos Humanos do governo de Rosinha Garotinho o coronel PM da reserva Jorge da Silva, ex-coordenador de Segurança Pública (governo Anthony Garotinho). Baía fica no cargo até o dia 31. No dia 1, será sucedido pela ex-governadora Benedita da Silva. Voltará a ser professor de sociologia política da UFRJ.


Eis a entrevista que ele deu nesta manhã ao Observatório da Imprensa.


A Polícia diz que, nesta crise, agiu.


Paulo Bahia – Ela reagiu.


Se tivesse agido com competência, não teria havido 18 mortes, ou 11, se não incluirmos os sete assassinados no ônibus incendiado, porque é difícil impedir alguém de colocar fogo num ônibus com pessoas indefesas.


P.B. – Se as medidas preventivas tivessem sido tomadas, medidas de prontidão, de reforço, como foram tomadas na Secretaria de Administração Penitenciária, não é que não teriam acontecido casos, mas se minimizaria muito a situação. Por exemplo, a contenção das favelas.


Eu não estou especulando após o fato, mas a partir de informações já conhecidas há dois meses, e, com grande precisão, dois dias atrás. Este é o ponto principal: por que uma área prisional tomou as providências e a segurança pública não tomou.


No noticiário desta sexta-feira (29/1) não há menção a essas providências nos presídios. Os jornais falam em isolamento de chefões e em transferências de ex-policiais, mas em pequena escala.


P.B. – Mais de 3 mil presos foram movimentados em dois dias.


Mas a questão não é isolar o chefão preso. É isolar quem está fora.


P.B. – É preciso fazer as transferências, providenciar a supersegurança dentro dos presídios, mas fora também, sobretudo porque todas as áreas já foram mapeadas. Se se faz a contenção de todas essas áreas, os “bondes” de bandidos não saem. Foi o que aconteceu ontem (28/12): eles fizeram o cerco a todas as áreas onde estão esses pontos e os bandidos não saíram.


Só depois dos acontecimentos da madrugada.


P.B. – Depois da porta ter sido arrombada.


No noticiário sobre a composição da área de segurança do governo de Sérgio Cabral Filho (7 de dezembro, no Globo, por exemplo) registra-se que os chefes escolhidos não fazem parte de grupos dentro de suas corporações. Não se chega a dizer que eles sofrem resistência dentro das polícias. Só que a grande explicação para a inação diante das informações sobre os ataques de ontem…


P.B. – … é a insatisfação generalizada na PM e na Polícia Civil.


Este contexto indica o grau de dificuldade para se administrar a segurança pública, as penitenciárias. Mas vai assumir um novo governo, que está dando sinais positivos.


P.B. – Está dando sinais de que vai jogar pesado no controle das forças de segurança e vai dar continuidade ao controle do sistema penitenciário.


Até porque, se ele não fizer isso, ainda mais no ano do Pan…


P.B. – … ele cai. Pode não cair, mas sai desmoralizado. A questão da segurança pública já elegeu e derrotou todos os governadores, do primeiro governo Chagas Freitas (1971-75) para cá. Moreira Franco foi eleito porque disse que acabava com a violência em seis meses. Saiu [Leonel Brizola voltou ao governo em 1990] sem ter mais nenhum controle. Marcelo Alencar [1995-1998], a mesma coisa. Todos.


O que o senhor acha que pode acontecer de positivo na Polícia que ajude este novo governo a fazer o que é necessário?


P.B. – Acredito que a escolha para o comando da PM e da Polícia Civil de pessoas comprometidas com gestão eficiente, disciplina e controle dos maus policiais vai ajudar muito as instituições públicas fluminenses e cariocas. E uma integração com todas as forças policiais federais, indicada na escolha do novo secretário de Segurança [José Mariano Beltrame]. E ainda uma disposição do novo governador de agir de maneira integrada não apenas com o governo federal, mas também com os estados que fazem fronteira com o Rio – São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo. O Dr. Beltrame tem muita competência para isso, porque ele é o responsável pela inteligência da Polícia Federal. Ao fazer isso se dá um salto de qualidade e aquilo que o governador [eleito] Sérgio Cabral tem chamado de choque de gestão na área.


Mas é preciso enfrentar com dureza a questão da corrupção. O que estou chamando de corrupção é, além da corrupção propriamente dita, a privatização dos serviços públicos, a venda de segurança privada com toda a estrutura do Estado. É preciso enfrentar as “milícias” – aliás, já disseram que vão fazer isso. As chamadas milícias reúnem policiais da ativa, da reserva, expulsos.


Existe alguma maneira de melhorar a seleção dos quadros policiais?


P.B. – O problema não é a seleção. São os controles internos e externos. Tem-se uma boa seleção e um bom treinamento. Mas quando se entra na rotina policial, esse homem e essa mulher que foram selecionados acabam caindo na cultura do desmando, da corrupção, da advocacia administrativa, da extorsão. Para isso, os mecanismos de controle interno, das corregedorias, e de controle externo são fundamentais.


A mídia, para corresponder a esse esforço e colaborar, o que ela certamente quer fazer, para ver melhorar este quadro, deveria também se reaparelhar?


P.B. – Deveria. E mudar sua cultura. A mídia deixa de fazer as perguntas que eu chamo de “subsolo dos sentimentos” e fica no nível das intrigas das versões oficiais. Quando não é porta-voz da versão oficial.


Para melhorar o trabalho da imprensa, o que, a seu ver, é necessário?


P.B. – Independência e coragem dos órgãos de imprensa e dos jornalistas.


Mas não seria necessária também um melhoria da formação?


P.B. – Seria interessante, sim, porque os jornalistas, hoje – vejo muitos que vêm me entrevistar –, têm uma pauta e desconhecem o conteúdo dessa pauta. Não fazem uma pesquisa prévia. Vêm fazer perguntas sobre assuntos dos quais não sabem nada. O que acontece? Acabam ficando com a versão das autoridades.


Mas não existem jornalistas que conhecem o assunto?


P.B. – Sim. Quando saem matérias desses jornalistas, elas são boas. Por exemplo, o jornal O Globo tem um bons jornalistas nessa área, que fizeram várias matérias sobre “milícias” [Vera Araújo e Sérgio Ramalho]. Há vários jornalistas especializados que não são porta-vozes das autoridades de segurança pública. Não são manipulados pelas versões oficiais. E não só das autoridades de segurança. Têm cuidado em dar tratamento e buscar a informação de forma mais precisa, checar a informação, não ficar com a primeira versão.


Para fazer sua tese de doutorado (“A Tradição Reconfigurada: Mandonismo, Municipalismo e Poder Local no Município de Nilópolis e no Bairro da Rocinha na Região Metropolitana do Rio de Janeiro”; clique aqui para ter acesso ao arquivo em pdf), o senhor consultou a imprensa da época?


P.B. – Consultei os arquivos da Agência Globo, do jornal O Dia, do Jornal do Brasil, tive acesso a todos os arquivos da área de segurança pública, administração penitenciária, Exército, Poder Legislativo, Poder Judiciário. Tive muita facilidade onde outros encontram dificuldades, até porque eu exercia a função de subsecretário de Direitos Humanos.


E o que lhe parece: a cobertura ao longo dos anos melhorou, piorou ou está igual?


P.B. – Está igual. A crítica que eu faço é que a imprensa não realiza um trabalho de reflexão sobre o que ela mesma escreve. Você tem uma notícia lá atrás, três, quatro meses depois o jornalista dá uma versão inteiramente diferente, sem consultar o que o jornal escreveu antes. Isso acontece em larga escala.


Não se tem a memória.


P.B. – E as empresas jornalísticas têm bons arquivos. Na Agência Globo, na Agência Estado, na Agência Folha se tem material muito bom para pesquisa. Os jornalistas têm acesso direto a isso, para organizar sua pauta e estruturar suas entrevistas.


Por exemplo, ao longo desses dois últimos anos saíram várias matérias sobre “milícias”, algumas muito boas. Hoje o assunto aparece como se fosse uma grande novidade. Fica-se sem um encadeamento lógico que daria mais consistência a cada matéria que vai saindo.


E é evidente que esse papel da imprensa é fundamental, sobretudo num Estado democrático de direito, porque a imprensa é o principal veículo de controle externo. Na linha clássica da sociologia trabalha-se com a idéia de que o escândalo é um mecanismo de controle social. E quem provoca isso é uma reportagem sólida, precisa.