Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Sorte da repórter, azar do juiz

Como a beleza de que falava Vinicius, sorte, na vida, é fundamental. A sorte de estar no lugar certo na hora certa permitiu à repórter Vera Magalhães, da sucursal da Folha em Brasília, ouvir palavras que renderam a manchete da edição de hoje no jornal:

“Supremo votou com a faca no pescoço, diz Lewandowski”.

Lewandowski, o quinto ministro nomeado por Lula para o STF, foi flagrado trocando e-mails de duvidosa adequação com a colega Cármen Lúcia, no primeiro dia do julgamento preliminar do mensalão.

Ele insinuou que o colega Eros Grau iria votar contra a abertura do processo pedido pelo procurador-geral da República, em troca da indicacão, afinal consumada, do juiz Carlos Alberto Direito para a vaga aberta com a aposentadoria antecipada do ministro Sepúlveda Pertence.

Nos dias seguintes, Lewandowski foi quem mais divergiu do relator Joaquim Barbosa, o qual, salvo numa ocasião, fechava com o procurador. Dois dos seus 12 votos contrários se referiram ao acusado José Dirceu. Se dependesse do dissidente, por exemplo, o ex-ministro não seria processado por formação de quadrilha, como decidiram os outros nove julgadores.

Lewandowski é um juiz azarado – ou descuidado, como se queira. Na sala de sessões do Supremo, não se deu conta de que a câmara do repórter fotográfico Roberto Stuckert Filho, do Globo, focalizava a tela de seu notebook enquanto digitava.

Num restaurante de Brasília, anteontem à noite, horas depois da última sessão do STF dedicada ao mensalão nessa fase inicial, não se deu conta de que um – no caso, uma – jornalista ouvia o que ele descuidadamente dizia ao celular a um certo Marcelo, numa conversa de cerca de 10 minutos, enquanto passeava perto das mesas na área externa do restaurante. Numa delas estava a repórter da Folha.

Várias vezes ele disse ao interlocutor que não tivesse dúvida de que o desfecho do julgamento foi influenciado pela divulgação da troca de e-mails.

Segundo a jornalista, ele assegurou que “a tendência era amaciar para o Dirceu”. [O verbo, que não se imaginaria ouvir da boca de um membro da mais alta corte de Justiça do país, é tão revelador quanto o tom impróprio dos seus e-mails com a ministra Cármen.]

Depois do flagra do Globo – esse o raciocínio do ministro -, “a imprensa acuou o Supremo”, que votou “com a faca no pescoço”.

Na matéria de Vera Magalhães, lê-se ainda que Lewandowski afirmou que, para ele, “não ficou tão mal, todo mundo sabe que eu sou independente”.

Mas a atenta repórter não deixou de registrar que a alegada independência não seria ilimitada. Ele “deu a entender” que poderia ter contrariado o relator em outros pontos, não fosse a pressão da mídia. “Eu estava tinindo nos cascos”, declarou, para quem quisesse ouvir.

O leitor interessado na inside story do julgamento deveria cotejar as avaliações de Lewandowski com as que o repórter Leonêncio Nossa garimpou no Supremo de fontes que quase sempre pediram anonimato, para a matéria “Racha no STF só foi superado no 2º dia”, com o sub-título “No início, ministros se dividiam em 3 grupos; consistência da denúncia e trabalho do relator produziram convergência”, no Estado de hoje.

O trecho mais importante [apesar das imprecisões]:

“O problema não era o clamor popular, ponderou um ministro, que atribuiu mais [o quê?] à envergadura do episódio do mensalão, que, segundo ele, expôs diante dos holofotes a posição de cada ministro. Um assessor lembrou, ainda, que no episódio ficou evidenciada a força da TV Justiça, assistida por setores ‘sensíveis’, como estudantes de direito e jueizes de primeira instância. Para ele, os ministros não estariam preocupados com a imagem do Supremo, mas com a própria biografia – e por isso foram bem além [do quê?] nas considerações jurídicas. ‘Alguns votos foram proferidos com tintas fortes’, afirmou abertamente o ministro Marco Aurélio [de Mello].”

O mesmo repórter descobriu que o ministro Eros Grau confirmou a colegas que vai interpelar Lewandowski pela suspeita que levantou contra ele nos e-mails. “Segundo um ministro”, diz o texto, “ontem ele voltou a criticar Lewandowski e deixou claro que exige mais que uma retração pública, embora ainda estude a forma de interpelação.”

Os jornalistas mais familiarizados com o temperamento de Eros Grau sabem que ele não é de falar à toa.

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