Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Título defasado e citação atual de um repórter lendário

Esquecido, talvez, de que a Albânia não é mais aquela, o coordenador da sucursal da Folha no Rio de Janeiro, Plínio Fraga, publicou na página 2 da edição de hoje um artigo com o título anacrônico “À moda albanesa”. Ainda bem que o conteúdo é uma abordagem original de um tema que jamais sai de pauta – as relações entre governos e imprensa.


O gancho, como se diz nas redações, foram as declarações do presidente do PT, Ricardo Berzoini, comentadas ontem aqui sob o título “Franklin já respondeu a Berzoini”, reforçadas pelo seu antecessor José Genoino, defendendo a fiscalização da Justiça Eleitoral sobre a imprensa em anos de eleição.


Esqueça-se, pois, o título – e as alusões, no texto, que fazem o finado regime totalitário albanês parecer vivo e gozando de boa saúde – e fique-se com todo o instrutivo restante.


Até porque não é toda hora, infelizmente, que algum jornalista brasileiro cita, como ocorreu a Fraga, o lendário repórter americano Isidor Feinstein Stone, o I. F. Stone, falecido em 1989, em quem caíam perfeitamente bem dois adjetivos: corajoso e radical. Só por isso o artigo já vale a pena:


“Com a greve de transportes públicos convocada pelas centrais sindicais para defender os direitos dos trabalhadores, o jovem jornalista trabalhador, sem dinheiro para o táxi, chegou muito tarde, mas muito tarde mesmo, à redação. Os jornais hoje fecham suas edições cedo, e pouco depois da meia-noite só havia meia dúzia de repórteres e redatores – e também algumas almas penadas.


O jovem jornalista se assustou. Mais com os repórteres e redatores do que com as almas penadas; com estas até conversou. Tarso de Castro aconselhou o jovem jornalista a ir para o bar, porque notícia não havia mais. Atordoado, o jovem jornalista pôs-se a caminho, mas deparou com I.F. Stone -outra alma que andava por ali, sabe-se lá por quê.


Astuto, o jovem repórter pediu ao jornalista americano, morto em 1989, conselho que lhe fosse valioso por toda a carreira. ‘Os governos mentem’, respondeu Stone, evanescente. ‘E os governantes que querem se perpetuar -que são todos eles- mentem muito mais.’


Esses são parágrafos de ficção. Seria sorte de principiante um jovem jornalista, se encontrasse, reconhecer e dar ouvidos a Isador Feinstein Stone, formado em filosofia e ‘jornalista radical’.


Se santa Clara é a padroeira da televisão, I.F. Stone tem de ser elevado a padroeiro dos blogueiros. Em 1953, criou seu próprio jornal político, ‘I.F. Stone´s Weekly’, um panfleto solitário, como um blog, que chegou a ter 70 mil assinaturas e com o qual desafiou presidentes durante 18 anos, até fechá-lo, em 1971. Só deixou de escrever ao morrer, em 1989, mas sem precisar ter se corrigido: os governos continuavam mentindo.


Anteontem, o presidente do PT, Ricardo Berzoini, defendeu que é preciso controlar o ‘poder dos meios de comunicação no processo eleitoral’. Teve o apoio do deputado federal José Genoino, também ex-presidente do PT, que alegou que ‘algumas instituições encarnam o bem e fazem um julgamento preconceituoso e elitista do que consideram o mal, numa tentativa de tirar-lhe a legitimidade política’.


Berzoini e Genoino reavivam assim o fantasma do ‘controle social da mídia’. Para os dois, imprensa boa deve ser a da Albânia. Como se sabe, jornalismo à moda albanesa, sutilmente apregoado pelos petistas, tem lado e mesmo lado – outro, só no paredão.


No fundo, são pífios seguidores do general Costa e Silva (outro fantasma), que ao menos tinha a virtude da sinceridade ao se dirigir a uma nobre dona de jornal: ‘Não é crítica construtiva o que quero. É elogio mesmo’.


Os fantasmas, como provam Berzoini e Genoino, estão à solta e ainda se divertem.”


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