Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Traduções viciosas

É quase cotidiano, na imprensa brasileira, o erro de traduzir o inglês “ability” automaticamente por “habilidade”. Na imensa maioria dos casos a tradução correta seria capacidade. No Jornal do Brasil de hoje, para dar um exemplo, reportagem da revista Newsweek sobre censura à internet na China foi traduzida assim: “Os comissários da web de Pequim otimizaram seus esforços para domesticar a internet. Muito tem sido escrito sobre a habilidade [capacidade] dos censores chineses de monitorar textos na Rede, de bloquear ou deletar conteúdo indesejável e de prender internautas considerados prejudiciais”. É bem verdade que se trata de tradução macarrônica, mas mesmo em textos bem cuidados o equívoco é freqüente.


Com assustadora freqüência encontra-se também ‘oficiais’ por ‘funcionários’ (officials).


Escreve o leitor Antivan Mendes, tradutor:


Bem lembrado. É um caso típico de ‘falso amigo’, embora, algumas poucas vezes, o termo comporte a tradução consignada. O jornalismo econômico é o que mais sofre com esse tipo de tradução. Se hoje, por exemplo, usa-se “corporativo” quando, na verdade, a tradução correta seria “societário”, ou algo como “relativo à companhia, à sociedade tal”, é porque o inglês “corporate”, de “corporation” (que, diga-se de passagem, deve-se traduzir por “sociedade anônima”, observado criteriosamente o contexto), impôs-se de tal forma que a ninguém mais ocorre dispensar o equivocado “corporativo”, tanto que já foi até dicionarizado com essa acepção (v. Dicionário Houaiss). Outra célebre representante desse tipo de descuido é a famigerada “governança corporativa” (corporate governance), ou simplesmente “gestão, administração da empresa”, que acaba adquirindo status de grande novidade em razão da tradução calcada literalmente no termo em inglês. Os “Business cycles”, ou “ciclos econômicos”, associados ao economista e estatístico russo Kondratieff, que se dedicou sobretudo ao estudo dos ciclos econômicos longos, ou seculares, de quarenta a sessenta anos, e que são por isso mesmo conhecidos como “Ciclos de Kondratieff”, convertem-se, em boa parte das traduções, em “ciclos de negócios”, induzindo o leitor menos avisado a crer que se trata de um período qualquer de determinada atividade empresarial, e não de um fenômeno econômico. E por aí vai.