Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Uma voz contra a treva – na Veja

Diz um aforismo religioso que há mais júbilo no Céu por um pecador que se arrepende do que por cem homens justos que nunca pecaram.


Lembrei-me disso por causa da Veja que foi hoje para as bancas. Nela, na página 48, sob o título ‘Eles não passarão’ – reminiscente da resistência antifascista na Guerra Civil Espanhola de 1936 a 1939 – o colunista André Petry escreveu um texto fora de série.


As suas palavras merecem ser lidas em voz alta de todos os púlpitos e tribunas, laicos e religiosos, onde o compromisso elementar com a decência humana ainda resiste ao assalto continuado da barbárie dos dias de hoje.


O artigo:


A Comissão de Direitos Humanos da prefeitura de São Paulo, nos dias que se seguiram à saraivada de atentados do crime organizado, recebeu mais de 200 e-mails e mais de 100 telefonemas com ameaças, desaforos e xingamentos. O presidente da comissão, o ex-ministro José Gregori, chegou a receber ligação em sua residência. No insulto mais leve, chamaram-no de ‘defensor de bandido’. Sua assessora, Celia Whitaker, também recebeu ofensas e ameaças na comissão, na sua casa e até em seu celular. Em alguns telefonemas, houve promessas de perseguição, com a sugestão velada de que coisas piores poderiam acontecer. E tudo porque eles – como defensores dos direitos humanos – estariam entre os culpados pela onda de atentados que parou São Paulo.


É uma estupidez himalaica culpar defensores dos direitos humanos pelos atentados. É uma soma de estupidez e burrice, porque acontece exatamente o contrário: atentados, rebeliões e revoltas, ameaças de matança e chacinas, comandadas ou executadas por presos, acontecem exatamente porque, entre outros motivos, falta respeito aos direitos humanos. Porque falta, e não porque há excesso. Porque, entre outras coisas, essa gente bandida vive como bicho enjaulado.


O espantoso é que uma parcela ponderável da sociedade – a mesma que se calou diante do massacre de 111 presos no Carandiru – ainda não conseguiu entender que bicho enjaulado age e reage como bicho enjaulado, e não como preso disciplinado. O espantoso é que essa parte da sociedade – a mesma que acha lindo o deputado paulista Conte Lopes bradar seus assassinatos de bandidos – ainda se pergunte: por que respeitar os direitos humanos do homicida se ele não respeitou os direitos humanos de sua vítima? A resposta é simples: o homicida viola os direitos humanos porque é bandido, criminoso, mas o Estado respeita os direitos humanos porque não é (ou não deveria ser) nada disso.


Os covardes que ameaçam e insultam anonimamente os membros da Comissão de Direitos Humanos de São Paulo precisam entender que o que realmente ajuda a combater a criminalidade não é tratar os criminosos como lixo humano. É dar-lhes a certeza da punição. Não é preciso torturá-los, arrancar-lhes os olhos, deixá-los dormir entre excrementos… Basta puni-los, com justiça e com rigor. Só isso. Esses covardes são os mesmos que, diante de um assassinato de maior repercussão ou coisa parecida, saem logo pedindo para ampliar a lista de crimes hediondos, aumentar as penas de prisão, aprovar a cadeira elétrica… É tudo enganação. Pena maior não resolve nada, pena de morte não resolve nada. O que resolve é a certeza da punição, rigorosa, justa e humanamente decente.


Os defensores dos direitos humanos – de negros, de mulheres, de crianças, de todos, inclusive de presidiários – são a consciência civilizatória do homem. Eles nos dão a esperança de um horizonte moral. De minha parte, meus aplausos ao ex-ministro Gregori e sua assessora Whitaker, que não se intimidam diante da estupidez, da burrice e dos bandidos. Eles não passarão.’


De minha parte, meus aplausos comovidos ao jornalista André Petry. Ele nos dá a esperança de um horizonte moral – mesmo neste país onde mal chega a 3 em 10, segundo as enquetes, a proporção de pessoas que não aplaudem a polícia pela eliminação sumária de dezenas de ‘suspeitos’ de ligações com o PCC.


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