Monday, 30 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Pandemia impõe nova prática jornalística

(Foto: Divulgação)

Diariamente, recebemos uma enxurrada de notícias, análises e atualizações sobre a pandemia da covid-19. Para não faltar informação para a população, boa parte dela em isolamento, um exército de jornalistas trabalha incansavelmente nas redações, ruas e hospitais, expondo-se ao risco de ser contaminado.

No dia 19 de março, os piauienses receberam a notícia de que o repórter Marcelo Magno, âncora da TV Clube, afiliada da TV Globo no Piauí, testou positivo para o covid-19. Além dele, outros dois colegas da mesma empresa foram diagnosticados com o novo coronavírus, colocando a filial em regime de quarentena, que passou a exibir os telejornais produzidos pela TV Globo de Pernambuco.

“Os jornalistas, principalmente da radiodifusão, TV e rádio, são os que mais se expõem mesmo correndo riscos e adotando critérios para se prevenir e orientar a população de como evitar o coronavírus”, declara Luiz Carlos de Oliveira, presidente do Sindicato dos Jornalistas Piauienses e diretor de cultura da Federação Nacional dos jornalistas.

A TV ainda depende grandemente de repórteres nas ruas entrevistando personagens, captando tomadas das cidades, centros de pesquisa e hospitais que, potencialmente, os deixam mais expostos ao covid-19 do que colegas que podem trabalhar em home office redigindo textos ou gravando podcasts.

A prática, no entanto, mudou para garantir maior segurança aos profissionais de comunicação, equipes e entrevistados. Juliana de Paula, repórter da VTV, afiliada do SBT em Campinas (SP), conta via WhatsApp que os jornalistas que, como ela, continuam trabalhando nas ruas, estão adotando medidas de segurança, que se repetem em outras emissoras: higienizar as mãos com álcool gel antes e depois das entrevistas; usar dois microfones (para o repórter e o entrevistado); manter distância segura recomendada de 1,5 a 2 metros do entrevistado. Juliana detalha que a higienização de microfones e equipamentos tem sido feita com álcool etílico e spray antes e depois das entrevistas. “Estamos evitando fazer o ‘povo fala’, aquela entrevista que a gente chega e aborda [as pessoas na rua]. ‘Oi você, que está andando de ônibus, conhece tal coisa?’. Neste caso, como é muito próximo e tem risco, estamos evitando colocar em nossas reportagens”, observa.

A Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj) publicou, no último dia 18, uma série de orientações para empresas, profissionais e sindicatos de jornalistas que trazem mais segurança para a categoria e envolvem desde o afastamento de profissionais que estejam em grupos de risco até a proteção de salários e a suspensão de coletivas de imprensa presenciais, entre outras (acesse aqui).

Jornalismo é serviço essencial

De acordo com Valter Sena, editor da TV Band Campinas, do Grupo Bandeirantes de Televisão, dentre os maiores desafios de trabalhar no momento está “manter toda a equipe calma e focada, para informar a população da melhor maneira possível, sem perder de vista o fato de que todos precisam se proteger, já que cada profissional também tem que cuidar da sua saúde e dos seus familiares”.

Outro importante desafio enfrentado “é desmontar a enorme rede de fake news que invade redes sociais e confunde o público num momento tão crítico como o atual”, enfatizou Valter, por email. Para fortalecer os esforços de comunicação dos jornalistas, surgem iniciativas para monitorar fake news, como tem feito o Ministério da Saúde, analisá-las e combatê-las, caso de um grupo de pesquisa ligado ao Instituto de Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O grupo já recebeu, por WhatsApp (+55 19 99327-8829), milhares de informações via foto, texto e vídeos que, muitas vezes, recebem mais visibilidade e são mais rapidamente compartilhados do que as notícias jornalísticas apuradas e com fontes de informação.

Além das fake news, jornalistas enfrentam ataques do governo federal, que, na semana passada, tentou emplacar a campanha #OBrasilNãoPodeParar, contrária a políticas de isolamento social recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), governadores e pelo próprio Ministério da Saúde.

Mais agilidade na comunicação

Dentre as principais fontes de informação de jornalistas em tempos de pandemia estão os especialistas de universidades, institutos de pesquisa e hospitais. A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a primeira universidade a suspender as aulas presenciais no país, mudou a prática de comunicação.

(Foto: Reprodução Facebook Unicamp)

Ronei Thezolin, assessor de imprensa da Unicamp, agora trabalhando em home office, cita que entrevistas e contatos com fontes e imprensa têm sido feitos via WhatsApp, telefone e redes sociais. As entrevistas coletivas com o reitor, em conjunto com a Área de Saúde da universidade, migraram do formato presencial para o formato online via streaming (ao vivo), como ocorreu em 16 de março. “As pautas foram focadas na pandemia do novo coronavírus tanto nas ações e medidas tomadas pela reitoria como também nas várias áreas de estudos e de pesquisas da universidade”, descreve. A universidade publica notícias diárias e atualiza o número de casos suspeitos da doença no seu Hospital de Clínicas. Fato é que a covid-19 aproximou a universidade de sua comunidade e da sociedade.

O esforço de cobertura conta também com mais colaboração das fontes de informação. A jornalista Apoliana Oliveira, editora de política do portal de notícias piauiense 180 Graus, cita o trabalho virtual da Câmara de Vereadores e a maior atividade de políticos nas redes sociais. “Sem jornalistas na Câmara, Assembleia, palácio do governo e prefeitura, os políticos têm tomado a iniciativa de realizar lives, postar com mais frequência. O ambiente tem sido colaborativo e acho que, após a crise em saúde, teremos uma boa evolução neste contato por mediação tecnológica”, concluiu.

A jornalista de política Apoliana Oliveira do Portal de notícias piauiense 180 graus em coletiva online com o Governador do Piauí Wellinton Dias. (Crédito: Instagram de @apolianajorn)

Sem a facilidade de acesso à internet, aplicativos e redes sociais, o trabalho remoto e a cobertura jornalística estariam bastante prejudicados. Em momento onde a informação e a imprensa são chave para divulgar e combater a pandemia do covid-19, Moez Chakchouk, diretor-geral assistente de comunicação e informação da Unesco, reforça no site da entidade que a segurança física e psicológica dos jornalistas deve estar em primeiro lugar e as organizações de mídia devem garantir que trabalhem em segurança.

No último dia 27, o jornalista piauiense Marcelo Magno recebeu alta. No entanto, sua rotina e a de tantos profissionais da comunicação ainda está longe de voltar ao normal. Certamente a pandemia marcará mudanças permanentes na cobertura jornalística.

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Germana Barata é jornalista de ciência, pesquisadora e coordenadora do curso de jornalismo científico do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Letícia Pereira é mestranda da Unicamp no curso de Divulgação Científica e Cultural, relações-públicas na Universidade Federal do Piauí e foi repórter da TV.