Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Negócios milionários de delator revelados por jornal inglês

Uma investigação feita pelo Guardian descobriu que um empresário brasileiro – que reconheceu ter lavado milhões de dólares em suborno – promoveu uma orgia de compras de propriedades nas cidades britânicas de Londres e Leeds. Expedito Machado Neto – filho do ex-senador Sérgio Machado, implicado no enorme escândalo de corrupção na Petrobras – gastou 21 milhões de libras esterlinas [cerca de R$ 90 milhões] em imóveis no Reino Unido, durante os anos de 2014 e 2015, comprando prédios comerciais no centro de Londres (City e Fleet Street), um apartamento no bairro nobre de Mayfair, em Londres, e um terreno junto ao canal que beira as docas de Leeds.

Potencialmente, o caso vincula a indústria imobiliária de Londres a uma das maiores investigações de fraude do mundo, a Operação Lava Jato. A investigação já revelou uma malversação de fundos calculada em 2 bilhões de dólares [cerca de R$ 6,6 bilhões] para políticos e seus aliados. O suborno teria sido pago por empresas que queriam contratos de trabalho com a gigante estatal de petróleo e gás Petróleo Brasileiro AS, a Petrobras. No centro do inquérito está Sérgio Machado, que optou pela delação premiada depois que, em 2014, saiu da distribuidora da Petrobras, a Transpetro.

Sérgio Machado foi acusado de ser responsável por um esquema de suborno que funcionava havia muito tempo e as provas que apresentou aos promotores, que incluem gravações secretas de fitas, já derrubaram três ministros. Agora, suas acusações podem implicar o presidente interino, Michel Temer, que assumiu após a abertura do processo de impeachment de Dilma Rousseff, em maio.

Depondo como testemunhas, Sérgio Machado e seus filhos, que começaram a cooperar com os promotores em maio, depois de negociarem delações premiadas, descreveram em detalhe como contas bancárias na Suíça, em Andorra e nas Ilhas Virgens britânicas, assim como empresas laranja e fundos secretos eram usados para coletar o dinheiro do suborno.

Agora, o Guardian pode revelar como Expedito Machado Neto usou outro conjunto de estruturas no exterior para transferir dinheiro para o Reino Unido. As descobertas levantaram questões sobre se o dinheiro usado para comprar as propriedades vinha de subornos. O depoimento de Expedito como testemunha sugere que esse era o caso. Seus advogados destacam que nenhuma das propriedades britânicas constava da lista de ativos de origem supostamente ilegal que estariam sendo sendo devolvidos ao governo brasileiro. Segundo eles, os imóveis foram adquiridos depois de Expedito ter vendido uma de suas empresas.

Inquilinos desconhecem identidade de usufrutuários

Listas das empresas no exterior de propriedade da família foram vazadas para a imprensa em junho, assim como seus depoimentos como testemunhas. A checagem feita no Registro de Terras mostra quatro entidades criadas por Expedito Machado Neto nas Ilhas Virgens que atualmente têm propriedades na Inglaterra.

O empresário e gestor financeiro, de 31 anos, mudou-se para Londres em 2012. Começando em outubro de 2014, ele gastou 6 milhões de libras esterlinas [cerca de R$ 26 milhões] pelo domínio absoluto de uma área próxima às antigas docas de Leeds. Seguiram-se mais três investimentos – utilizando veículos no exterior vinculados a múltiplas contas bancárias no Santander:

– Em abril de 2015, a empresa GTD Properties Limited pagou 7,2 milhões de libras (cerca de R$ 31 milhões) pelo domínio absoluto de um prédio comercial na Great Winchester Street. Localizado no centro da cidade de Londres, atualmente está alugado a um banco.

– Em junho de 2015, a empresa CDP Properties Limited, de propriedade do fundo The Noronha Trust, comprou o arrendamento de um apartamento na Lowndes Square, em Mayfair, por 1,8 milhões de libras (cerca de R$ 7,7 milhões).

– Em outubro de 2015, a empresa PDB Properties Limited, pertencente ao fundo The Boldro Trust, pagou 6,2 milhões de libras [cerca de R$ 26,5 milhões] pelo domínio absoluto de um imóvel em Bell Yard, na esquina com a Fleet Street. O endereço, 9-12 Bell Yard, é de um escritório de advocacia especializado em casos de fraude.

Um porta-voz do Santander disse que o banco não pode discutir informações do cliente por motivos confidenciais.

Acredita-se que as empresas de Expedito Machado Neto recolham milhares de libras por ano em aluguéis a seus inquilinos comerciais. Supõe-se que estes inquilinos não tivessem conhecimento da identidade dos usufrutuários ou da fonte dos fundos das empresas no exterior.

A trilha do dinheiro

Próximo a seu pai e interessado em acompanhá-lo na política, Expedito passou a agir como intermediário em 2007, ajudando a coletar o suborno que as empreiteiras pagavam. Em seu depoimento como testemunha ele disse que depois de perder a cadeira do Senado em 2003, quando assumiu o cargo da Transpetro, seu pai “foi pressionado para obter fundos ilegais por políticos que o haviam apoiado”.

A maior parte do dinheiro foi entregue a políticos que se elegeram pelo Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB), pelo qual Sérgio Machado se elegera para o Senado. Mas parte do dinheiro foi separada para financiar sua futura campanha a governador. Segundo seu filho, esse era o “seu sonho”.

Nos cinco anos que se seguiram, a família arrecadou R$ 72 milhões em pagamentos depositados numa conta do HSBC em Zurique. Aberta em 2007, a conta era controlada por um fundo criado pelo banco, denunciou Expedito. Em 2013, o dinheiro foi transferido para outro banco suíço, o Julius Baer. Ali, foi aplicado como fundos de investimento.

No ano seguinte, Expedito resolveu transformar os rendimentos em propriedades. “No final de 2014, decidiu começar a fazer investimentos em imóveis na Europa e foi aconselhado por advogados que a melhor a melhor estrutura tributária seria através de um fundo”, diz o depoimento de Expedito como testemunha. O filho do senador já havia mudado para Londres, depois da venda de um negócio de educação que havia fundado no Brasil. “Com a conclusão da venda em 2012”, diz o depoimento, ele “mudou sua residência para Londres para encontrar uma solução para o dinheiro do suborno, que havia sido depositado na Suíça. A ideia de guardar os recursos num fundo foi… para ter plena flexibilidade na inclusão de novos beneficiários indicados por meu pai. Nosso pai até podia ser incluído como um dos beneficiários”.

Supostamente, o dinheiro veio de seis empresas, citadas no depoimento da testemunha, especializadas em construção civil, engenharia naval e engenharia civil. Na época, Sérgio Machado era supervisor da modernização das frotas de navios da Transpetro, um programa que custava bilhões de reais.

Expedito deu um jeito de se encontrar com executivos das empreiteiras em cafés, escritórios e restaurantes, em São Paulo e em outros lugares. Era durante esses encontros que eram decididas as maneiras de fazer as transferências ilegais. Ele disse que em determinada ocasião viajou para Paris para se encontrar com um armador grego no luxuoso Hôtel de Crillon, onde supostamente teria dado detalhes da conta suíça que a família mantinha no HSBC.

Em outra ocasião, uma empresa de construção supostamente teria pago 9 milhões de reais usando uma empresa laranja chamada Desarollo Lanzarote AS e contas bancárias no paraíso fiscal de Andorra.

Expedito disse que seu pai lhe tinha garantido que os pagamentos não iriam influenciar a escolha da empreiteira e seriam descontados de suas margens de lucro. O sistema “iria manter uma boa administração” na Transpetro, que opera uma grande frota naval, terminais e milhares de quilômetros de dutos de gás. “Hoje, eu acho que isso é incompatível”, reconheceu Expedito em seu depoimento, “mas naquela época não pensava assim.”

Ofuscado pela política

Embora Expedito tenha confessado que lavou dinheiro obtido ilegalmente por seu pai, seus advogados enfatizam que ele não foi acusado por crime algum. “Vale ressaltar que, enquanto parte do acordo assinado pelo Advogado Geral da União e ratificado pela Supremo Tribunal de Justiça, o sr. Expedito Machado Neto não responde por quaisquer atividades criminais e nenhuma acusação foi feita contra ele pelos promotores federais brasileiros”, disse sua advogada Flávia Lofti.

Ela recusou-se a dizer se o dinheiro arrecadado do suborno foi usado nos investimentos que Expedito Machado Neto fez no Reino Unido. Ela frisou que a propriedade foi adquirida depois de Expedito ter vendido suas empresas, em 2012, por R$ 44 milhões. “Todos os ativos que supostamente tiveram origem ilegal já foram identificados e estão sendo devolvidos ao governo brasileiro, num valor total de R$ 75 milhões”, acrescentou ela. “Portanto, todos os restantes ativos de Expedito Machado Neto foram reconhecidos pelas autoridades brasileiras como propriedade legal e até foram aceitos pela promotoria e pelo juiz como garantia dos pagamentos que ele deverá fazer, devido à delação premiada.”

No entanto, os promotores foram evasivos. O gabinete do Advogado Geral da União disse que fora necessário trabalhar apressado e, portanto, a recuperação dos fundos dependia dos ativos que foram declarados pelos colaboradores em sua delação premiada. “É preciso saber se estes ativos foram declarados no Reino Unido”, disse na declaração feita ao Guardian. “De qualquer maneira, qualquer inconsistência que seja detectada será analisada.”

Atualmente, a legislação britânica permite que locadores aluguem suas propriedades através de empresas laranja, sem ter que declarar sua verdadeira identidade às autoridades. Antes de renunciar como primeiro-ministro, David Cameron prometeu combater a corrupção acabando com o anonimato dos locadores de imóveis, mas a minuta da legislação ainda tem que ser aprovada antes de ser publicada.

No Brasil, a questão vem sendo obscurecida pela política e por uma controvérsia legal, pois grande parte do depoimento foi conseguido através de delações premiadas. O uso desta ferramenta para garantir os depoimentos de testemunhas é relativamente novo no país, mas foi adotado com entusiasmo pelos promotores envolvidos na Operação Lava Jato, que, decididamente, é a investigação política mais explosiva da história brasileira.

Os promotores foram acusados por réus – inclusive o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o assessor legal do principal executivo do conglomerado Odebrecht – de táticas eticamente dúbias, tais como manter suspeitos presos por longos períodos de tempo, envolver suas famílias e oferecer acordos generosos em troca de denunciar suspeitos importantes. Os promotores dizem que seus métodos são necessários para garantir que a justiça seja feita contra personalidades poderosas da economia e da política.

Poucas pessoas que adotaram a delação premiada tiveram tanto impacto quanto Sérgio Machado, que sigilosamente gravou conversas que levaram à derrubada de três ministros e ainda pode resultar na queda de outros políticos importantes. Seus sócios dizem que ele cooperou com a investigação em troca de um acordo generoso para seus filhos.

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Juliette Garside e Jonathan Watts, do Guardian, são, respectivamente, repórter de economia e correspondente para a América Latina