Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Pessimismo político e otimismo econômico

Com o País atolado na maior recessão em 25 anos, o mercado de ações teve o melhor desempenho desde 2008, na primeira semana de março, e o dólar caiu como se o Brasil fosse o destino mais atraente e mais confiável para os investimentos. A economia brasileira encolheu 3,8% no ano passado, a indústria produziu em janeiro 13,8% menos que um ano antes e a fabricação de veículos caiu mais 12,5% em fevereiro, mas a crise econômica foi em parte ofuscada, na cobertura jornalística, pelas manchetes políticas.

O grande assunto em toda redação, na quinta-feira, 3/3, foi a delação do senador Delcídio Amaral, vazada pela revista IstoÉ. As acusações do senador à presidente Dilma Rousseff e ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foram manchetes obrigatórias nos jornais do dia seguinte.

Mas a manhã de sexta-feira já começou com outra grande história, a 24ª fase da Operação Lava Jato, com a condução coercitiva de Lula para depor. O dia mal havia clareado e já estava definido o tema principal do novo noticiário.

Para os jornais foi um desafio incomum. As pautas da política e da economia cruzaram-se nos mercados financeiro e de capitais. Houve euforia no mercado de ações e o dólar se desvalorizou, como se houvessem surgido novidades muito positivas.

Na maior parte do mundo, notícias com potencial para deixar o governo em xeque e intensificar a crise política teriam derrubado as bolsas de valores e provocado a depreciação da moeda. No Brasil ocorreu o contrário. Na quinta-feira, o índice Bovespa, da bolsa paulista, subiu 5,12%, enquanto o dólar se desvalorizou 2,07%. Até a ação preferencial da Petrobras, uma empresa em mau estado financeiro e com redução do programa de investimentos, acompanhou a alta geral e subiu 16,28%. na quinta. Na sexta o índice Bovespa saltou mais 4,01% e dólar desceu mais 1,12%.

A combinação incomum dos fatos – crise política e otimismo nos mercados –foi destacada em títulos, mas cada grande jornal administrou o noticiário à sua maneira.

No Estado de S. Paulo e no Valor as duas notícias foram vinculadas, na edição de sexta-feira, no final das chamadas  de primeira página, mas as matérias política e financeira saíram separadas, num caso, no caderno de Economia, no outro, no de Finanças. A Folha de S. Paulo usou o mesmo chapéu, “Brasil em crise”, para as duas coberturas, publicadas integralmente no primeiro caderno.  No Globo, o material sobre as ações e o dólar foi confinado no caderno econômico: “Com delação de Delcídio, Bolsa tem maior alta desde 2009: 5,12%”.

As matérias do Estadão e do Valor destacaram, já no começo, as duas notícias mais importantes do dia, a contração econômica e a delação de Delcídio, mostrando o efeito dominante da segunda nas decisões dos investidores. “A principal notícia econômica de ontem foi bastante negativa: uma queda de 3,8% no produto interno bruto em 2015. Mas o mercado financeiro não deu a mínima para isso”, informou o Estadão, apresentando em seguida os números da bolsa e do câmbio.

As consequências econômicas de uma mudança de governo

A condução de Lula para depor à Polícia Federal foi obviamente a manchete dos jornais de sábado, mas desta vez o noticiário econômico explorou mais a fundo as possíveis implicações da Lava Jato. Estadão e Globo foram além do registro do movimento nas bolsas e no mercado de câmbio.

Ao explorar visões essencialmente econômicas da crise política, os dois jornais ampliaram a cobertura de forma significativa. “Ruptura poderia antecipar a retomada” foi título usado pelo Estadão. O subtítulo tornou a ideia mais clara: “Segundo analistas, eventual saída da presidente Dilma pode aprofundar a recessão este ano, mas trazer crescimento de volta em 2017”. Com isso, segundo os mesmos analistas, a reativação poderia começar mais cedo.

Nenhum dos economistas citados aposta em uma solução simples e indolor. Mas, embora reconhecendo as dificuldades, todos admitem a mudança de governo como possível solução para os impasses econômicos. “No quadro atual”, disse um deles, “é difícil ter um horizonte para investimento. Seja qual for a solução para o impasse político, haverá uma melhora”.

A matéria do Globo explora, com base em várias entrevistas, a mesma perspectiva: o impeachment poderia destravar a política econômica, embora seu objetivo e sua justificativa fossem de outra ordem. “O país está hoje em situação de paralisia total, com uma dívida bruta crescente. É preciso fazer as reformas, como a da Previdência, e cortar gastos. O mercado financeiro acredita que Dilma não vai conseguir aprovar essas medidas. E, com um novo comando, poderia haver mais chances de a economia voltar ao eixo”.

Nenhum dos entrevistados defende um golpe. Todos falam sobre a hipótese de uma solução legal, o impeachment, e exploram a possibilidade de um novo governo destravar a economia. Para eles, como para uns tantos operadores do mercado, o agravamento da crise política pode facilitar a retomada do crescimento, mesmo com o custo de uma piora das condições econômicas no curto prazo.

Ninguém, no fim de semana, podia falar com um mínimo de segurança sobre o comportamento dos mercados nos dias seguintes. Também esse detalhe foi mostrado nas páginas de economia. Mas o avanço numa discussão franca sobre a visão econômica da crise sem dúvida enriqueceu a cobertura. Como sempre, um esforço maior de articulação do noticiário poderia ter facilitado, para o leitor, a exploração do material.