Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Maio-68 em dezembro-18?

(Foto: Reprodução)

Eles usam um colete amarelo e convulsionaram no sábado a cidade de Paris, transformada em diversas ruas e principalmente na região da avenida Champs Elysées e no próprio Arco do Triunfo, numa praça de guerra. O contingente policial, o máximo do qual o governo poderia dispor, não foi capaz de conter a indignação popular.

O governo francês, depois de ter negado qualquer concessão, anunciou enfim tímidas concessões consideradas insuficientes pelos Coletes Amarelos, que prometem nova manifestação em Paris, dia 8, sábado.

Os principais ataques com coquetéis molotov, quebrando vitrines das grandes lojas em plena venda de Natal, incendiando carros, apedrejando policiais, tomando o Arco do Triunfo e quebrando o que encontravam pelo caminho até chegarem ao topo, foram praticados por grupos violentos infiltrados entre os manifestantes.

Porém, o descontrole dos policiais diante da tática de guerrilha desses grupos e o uso excessivo de bombas de gás lacrimogêneo, logo na manhã de sábado, acabou por irritar os próprios manifestantes pacíficos que, se não aderiam ao quebra-quebra, davam seu apoio, esperando que diante da rebelião incontrolável, na qual mais de cem pessoas ficaram feridas e mais de 400 foram detidas, o presidente Emmanuel Macron aceitasse retroceder nas últimas medidas que encarecem os combustíveis e reduzem os salários dos franceses.

Eles não perdoam a Macron, no qual a maioria dos coletes amarelos votaram para presidente, ter diminuído os impostos para os ricos (ISF, Imposto sobre as fortunas), medida responsável pela perda de alguns bilhões de euros para a França, e ter criado impostos para os pobres e a classe média, alguns diretos mesmo nas magras aposentadorias, outros indiretos como os incluídos no preço do combustível, detonador do movimento Coletes Amarelos.

Tudo lembra Maio-68, a diferença é que, desta vez, o movimento não começou com estudantes mas com a população dependente do carro para trabalhar e numa fagulha se espalhou conseguindo o apoio da maioria da população, mesmo porque os franceses têm se empobrecido.

No sábado, quando Paris parecia viver um princípio de revolução, o presidente Macron estava ausente de Paris, participando do Encontro do G-20. De Buenos Aires, de onde poderia ter enviado uma mensagem conciliatória, dispondo-se a rever a política tarifária dos combustíveis, que preveem novo aumento no começo de janeiro, apenas condenou as violências sem demonstrar qualquer iniciativa em favor da reivindicação principal dos revoltados.

O resultado foi a multiplicação de reivindicações, mais de cinquenta, que agora incluem aumento dos salários, aumento do salário mínimo e até demissão do presidente Macron, que parece insensível à pobreza crescente no país e ignora estar perdendo o que restava do capital de simpatia com o qual se elegera.

Um início pacífico

O movimento popular dos Coletes Amarelos de indignação popular começou há três semanas da maneira mais pacífica imaginável, com a criação de barreiras nas estradas contra as taxas incluídas no preço da gasolina e do diesel, que tornam o combustível ainda mais caro. Os portadores dos coletes amarelos eram famílias com dificuldades para fechar as contas no fim do mês, já acostumadas com refeições simples, nunca podendo ir a restaurantes e tendo como diversão única a televisão.

A esperança do lançamento do movimento, logo assumindo dimensão nacional, era o de comover e convencer o presidente da necessidade de poupar seu povo empobrecido de novos impostos. Expectativa frustrada, o sentimento de indignação assumiu no sábado feições de revolta e levou os franceses de mais idade a se lembrarem do mês de maio de 1968, quando a França foi paralisada por um revolução reunindo jovens e trabalhadores.

Emmanuel Macron, um jovem presidente de formação tecnocrata, ex-banqueiro, se tornou mudo para a imprensa desde seu retorno de Buenos Aires. Talvez tenha consciência de sua inabilidade inicial no tratamento das primeiras manifestações pacíficas de barragens de carros nas autoestradas, negando-se a reestudar os impostos criados pelo governo, na transição francesa para as energias alternativas e do respeito às decisões de menos poluição decorrentes do Acordo de Paris.

Depois do primeiro-ministro ter convocado todos os partidos, na busca de uma solução para a crise, que os principais jornais franceses Le Monde, Liberation, Le Figaro consideram grave, nesta quarta-feira Emmanuel Macron deverá sair de sua mudez. A violência da revolta popular no sábado, que deixou vestígios nas ruas, terá ensinado ao tecnocrata a necessidade de ceder ao povo para evitar uma prorrogação e agravação da crise?

A verdade é que a intransigência de Macron exacerbou os ânimos e, na expectativa do pronunciamento do presidente, ninguém pode prever qual será a sequência do movimento dos coletes amarelos e suas repercussões na política francesa. O anúncio feito pelo primeiro-ministro Edouard Philippe, na terça-feira, de uma moratória de seis meses para entrarem em vigor os impostos que aumentarão o preço dos combustíveis e outras pequenas medidas, não é considerado suficiente pelos coletes amarelos para suspenderem as barragens nas estradas e anularem uma nova manifestação, no sábado, em Paris. Essa tentativa de conciliação teria sido bem recebida há três semanas, nesta altura, o movimento exige verdadeiras concessões.

O movimento foi espontâneo, cidadão, do qual participa o chamado francês médio de salário apertado no fim do mês. A ideia original era apenas a de chamar a atenção do presidente para a perda salarial em favor de uma diminuição dos impostos anexados no custo do combustível.

A maneira como Macron rejeitou fazer concessões, no início do movimento, ampliou o descontentamento popular e o movimento passou a ter o apoio político das extremas direita e esquerda, entre os quais estariam os chamados agitadores responsáveis pelas depredações de sábado em Paris. No momento, o movimento dos Coletes Amarelos conta com o apoio do povo, 72%, mesmo depois das depredações e violências de sábado. Tem também o apoio dos socialistas e da direita convencional.

A concessão anunciada pelo governo Macron de simplesmente adiar por seis meses a entrada em vigor dos novos impostos sobre os combustíveis e de não anulá-los é julgada insuficiente e poderá provocar uma união das diversas categorias de trabalhadores ao movimento independente de cidadania Coletes Amarelos. Mais de quarenta escolas entraram em greve contra a nova lei para o diploma do colégio e já declararam seu apoio aos coletes amarelos. Isso pode criar um efeito de bola de neve.

Se até dia 14 os coletes não se considerarem atendidos pelo governo, as centrais sindicais francesas, que se reúnem neste dia,  poderão decidir uma adesão oficial aos coletes amarelos, pois a solidariedade já existe. Na segunda-feira, as pequenas empresas que servem aos hospitais com ambulâncias congestionaram a praça da Concorde para protestar contra uma lei que entregará esse serviço a grandes empresas, numa uberização do setor. No caso de manutenção do movimento, eles provavelmente se unirão aos Coletes Amarelos.

Enquanto isso, os supermercados estão sem mantimentos e começam a ter falta de produtos nas prateleiras, justamente num momento onde se fazem as compras de Natal. Quase uma centena de postos de gasolina não podem mais se abastecer e fecharam. Esse número vai aumentar, pois os coletes amarelos impedem a chegada dos caminhões tanques.

Se a crise continuar mais uma semana, ninguém se arrisca a pensar no que será Paris no próximo sábado. Caso Macron insista em oferecer o mínimo anunciado aos manifestantes, a crise poderá realmente se transformar numa inesperada revolução e reeditar e mesmo ultrapassar Maio-68 com consequências imprevisíveis.

Não podemos esquecer que a França sempre foi pioneira em termos de movimentos sociais e de que hoje o capitalismo vive um momento de crise.

Numa tentativa desesperada, o governo Macron quis se reunir, na terça-feira, com os representantes dos Coletes Amarelos, porém isso não foi possível – não há líderes e nem representantes autorizados, o movimento é espontâneo, coletivo e nacional.

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro Sujo da Corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A Rebelião Romântica da Jovem Guarda, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil, e RFI.