Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

A divulgação científica precisa ser luz sobre as mulheres

Faça um teste: entre agora em uma sala de aula ou em um grupo de discussão e peça para alguém citar uma cientista mulher. Aliás, peça que seja mulher e brasileira. Parece difícil que surjam muitas respostas. Embora o Índice Anual da Situação da Ciência (divulgado pela 3M no início de 2018) constate que 83% dos brasileiros acreditam que a ciência é muito importante para a sociedade, a quarta edição da pesquisa de “Percepção Pública da Ciência e Tecnologia no Brasil”, revelou que 94% dos entrevistados não souberam dizer o nome de um cientista brasileiro, que dirá uma mulher cientista.

Por que é tão difícil que a população conheça, ou reconheça, seus cientistas e principalmente, as mulheres que fazem ciência? Simplesmente porque, mesmo no século XXI, ainda é mais difícil trilhar esse caminho para as meninas e isso foi mostrado no relatório da ONU Mulheres para Igualdade de Gênero, publicado em 2017. No documento, 74% das mulheres se interessam por ciência, tecnologia, engenharia e matemática, no entanto, apenas 30% se tornam pesquisadoras nestas áreas. Para as que ingressam no mercado de trabalho, 27% sentem que não estão evoluindo em suas carreiras.

Uma tese da australiana Inoaka Amarasekara constatou que entre canais de ciência no YouTube, os comandados por mulheres recebem 14% mais comentários maldosos de toda espécie. Por isso talvez, tenhamos mais vloggers e youtubers homens nesse campo.

Não é uma coincidência. Ao entrar na área acadêmica, principalmente a chamada STEM (sigla em inglês para Science, Technology, Engineering and Mathematics, ou Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática em bom português), as mulheres relatam um ambiente menos amistoso e mais difícil. Sem falar das que relatam comentários dos colegas do tipo “volte para a cozinha e me faça um sanduíche duplo”. Isso ocorre porque ainda há brinquedos de meninas e brinquedos de meninos que perpetuam crenças e reproduzem tradições culturais. Não é raro que meninas brinquem com coisas que retratam a vida de dona de casa e mãe, e para os meninos, sejam destinadas atividades de construção, montagem de objetos e atividades mais intelectualizadas. O que parece claro é que as famílias e escolas não incentivam as meninas a serem desbravadoras e curiosas.

Estamos apenas reproduzindo repetidamente fórmulas do passado. Em 1965 a revista Science publicou um artigo intitulado “Mulheres na Ciência: Por Que Tão Poucas?”. As respostas da época foram: incompatibilidade da maternidade e casamento com a carreira, habilidade intelectual, influências familiares entre outras parecidas. Hoje vemos, por diversos setores da sociedade, a perpetuação destas respostas, mesmo que não sejam verdadeiras, mas sim, arbitradas para a maioria das mulheres.

O CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, órgão ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações) registrou em 2017 que 34% de suas bolsas de fomento à pesquisa foram destinadas às mulheres. E (apenas) 24% dos pesquisadores seniores do órgão federal são mulheres. Importante salientar que o CNPq lançou a sétima edição do “Pioneiras da Ciência”, publicação que ressalta, a cada ano, o trabalho e contribuição de mulheres em diferentes áreas de estudo. Segundo a diretora da instituição Adriana Tonini “…a publicação visa atribuir visibilidade às mulheres…principalmente como figuras exemplares e modelos para meninas…”. Onde parece que o órgão federal concorda que meninas precisam de mais do que uma fantasia de princesa!

Buscar ídolos pode ser uma inspiração e um bom pontapé. No mesmo questionário realizado pela 3M em 2017 (divulgado no ano passado) foram apresentadas duas personalidades – uma ligada à ciência e outra pessoa pública – e foi perguntado com quem os entrevistados preferiam jantar um dia. Na batalha que contrapôs nosso novo Ministro da Ciência Marcos Pontes (note-se que ele ainda não era cogitado para o cargo quando realizadas as entrevistas) ao jogador Neymar, quase houve um empate. Sinal de que os brasileiros querem, sim, ouvir sobre engenharia e espaço.

Entre as mulheres, a epidemiologista Celina Turchi, que descobriu a relação entre a infecção por Zika e a microcefalia, também teve um desempenho expressivo: 42% dos entrevistados prefeririam jantar com ela ao invés de passar um tempo com a cantora Ivete Sangalo. E talvez não seja tão palatável, para um jantar, uma conversa sobre as mazelas da Zika e de outros vírus.

Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, foi criado o projeto de extensão Meninas na Ciência e na Universidade de São Paulo (USP) o Meninas Com Ciência. Ambos miram na constatação de que, ainda nos primeiros anos escolares, as meninas perdem o interesse pelas ciências. Será que nosso formato educacional não está voltado para apoiar as meninas a seguir esta carreira? Das que perseguem as carreiras do STEM, 32% desistem após um ano de concluída a graduação. Esse sim é um grande desafio para o Ministério da Educação, já alijado de ideologias ou partidos.

Uma questão de gosto

Se olharmos do outro lado do balcão, do lado da divulgação de ciência, as mulheres estão mais à frente: considerando uma análise rápida das redações de revistas científicas e na seção de ciência dos jornais e revistas do país, o público feminino é maioria. Também é maior o número de assessoras de imprensa atuando em áreas de saúde, medicina, ciência e tecnologia. Parece que a competência da mulher em comunicar é reconhecida pela sociedade. E não é falta de “gosto” pelo assunto. Nesse aspecto, a qualidade da divulgação da Ciência feita por mulheres mostra que elas entendem e lidam bem com temas científicos.

Em novembro do ano passado, o festival “Mulheres do Mundo” (WOW – Women of the World) chegou ao Brasil após ter sido realizado em 23 países, em oito anos. É um festival com música e arte, mas com o principal objetivo de discutir feminismo, assédio, empreendedorismo, cultura, história, educação e o futuro das mulheres em todos esses campos.
Apesar de ter atraído quase 30 mil pessoas, incluindo estudantes e pesquisadoras atuantes na ciência e que tiveram o papel de cobrir e mapear iniciativas e projetos que precisam de impulso, pouco foi discutido efetivamente sobre aumentar a participação das mulheres nas STEM. Das 134 atividades propostas, cerca de 20 tinham ligação direta ou indireta com ciências “duras” ou medicina.

Mulheres para cobrir o evento estavam lá. E não faltam mulheres que se sintam à vontade para fazer parte da Ciência. No entanto, falta maturidade a muitos colegas e chefes que insistem em fazer piadas e assediar colegas. E, de modo geral, falta que a sociedade não banalize a necessidade de manter o equilíbrio.

Felizmente, as mulheres jornalistas estão a postos para cobrir esse avanço quando ele finalmente acontecer. E nasce, a cada dia, mais divulgadoras científicas que se apoderam da internet para fazer jus ao seu trabalho. Precisamos jogar luz sobre as cientistas para que elas se tornem exemplos e ídolos. Só assim teremos mais meninas na ciência.

**

Criada em 2018, a Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência (RBJCC) visa aproximar os profissionais que trabalham nessa área, chamar a atenção para a importância de divulgar conteúdos relacionados à ciência e, de maneira geral, melhorar cada vez mais a qualidade do que é produzido e publicado sobre saúde, meio ambiente, física, astronomia, agronomia e demais temas dentro dessa editoria.