Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Filme em Berlim, poderia também ter João de Deus

O Festival Internacional de Cinema de Berlim será do 7 ao 17 de fevereiro. Nesta semana, foram anunciados os seis primeiros filmes selecionados para a Competição Internacional. Entre eles, destacamos hoje o filme do cineasta francês François Ozon, Graças a Deus.

A hipocrisia de religiosos que se aproveitam da proteção dada pelas igrejas e se servem da crença em Deus de tantos devotos, ou ainda pior, da inocência infantil vai ser um dos temas no próximo Festival Internacional de Cinema de Berlim, com a projeção do novo filme do conhecido cineasta francês François Ozon, cujo título foi inspirado numa frase do cardeal Barbarin, arcebispo de Lyon, Graças a Deus.

O ator principal poderia ser o milagroso curandeiro João de Deus, denunciado por mais de quarenta mulheres por atos de abuso sexual, havendo também acusações de pedofilia. Um dos importantes filmes do Festival de Berlin em 2015 foi O Clube, do realizador Pablo Larrain, recompensado com o Prêmio do Júri. Tratava de padres pedófilos reunidos numa cidade do sul do Chile. Essas denúncias coincidem com uma nova política do Vaticano, relacionada com os padres pedófilos, nem sempre satisfatória como ocorreu na cidade francesa de Lyon.

O filme de François Ozon trata da pedofilia cometida por um padre católico na França, acobertada por seus superiores. Não se trata de um documentário, embora Ozon nisso tivesse pensado, porém de uma reconstituição com base em depoimentos de três homens, hoje adultos e com família, vítimas de abusos sexuais quando meninos escoteiros, na versão católica do movimento de Baden Poweel, pelo padre Bernard Freynat.

O caso e depois processo Freynat começou quando Alexandre, 40 anos, pai de cinco crianças, católico praticante, viu numa igreja de Lyon o padre Freynat, do qual fora vítima. Revoltado por saber que ele ainda trabalhava com crianças do escotismo, decidiu alertar o bispo de Lyon sobre os riscos vividos pelos meninos. Mas o cardeal arcebispo de Lyon, Barbarin, utilizava sempre desculpas para justificar sua falta de iniciativas contra o padre pedófilo, isso levando Alexandre a apresentar queixa na Polícia. Porém, os abusos estavam prescritos, garantindo ao padre Freynat, protegido por sua corporação, poder praticar novos abusos.

Diante da cumplicidade da Igreja, Alexandre decidiu criar a associação A palavra liberada, e com isso isso surgiram outras vítimas do padre Freynat, quando escoteiros católicos. Sua queixa na Polícia deu origem à abertura de um processo judiciário, que hoje se beneficia de uma nova lei tornando prescritos abusos pedófilos só depois de 30 anos de sua ocorrência.

Numa primeira fase, o caso foi arquivado, mas dez das 70 vítimas conhecidas, decidiram abrir um novo processo contra o bispo por não ter denunciado e nem punido o padre Bernard Freynat por abuso sexual. Depois de 2016, data do primeiro processo, soube-se que o arcebispo de Lyon havia excluído quatro padres também por denúncias de pedofilia. Isso não impediu que o novo processo, no qual é citado igualmente o Vaticano, sem prescrição dos fatos, prosseguisse, devendo haver um pronunciamento da justiça, em janeiro, pouco antes do Festival de Berlim. Quebrando uma velha regra que exige filmes inéditos na competição, o filme Graças a Deus, foi exibido, faz alguns dias, num cinema da cidade de Orleans.

Embora o jornal francês online Mediapart tenha encarregado três jornalistas de investigação do “Caso Freynat”, o cineasta François Ozon não quis fazer um versão francesa de Spotlight, limitando-se a reconstituir os fatos sob a visão dos três homens vítimas de pedofilia.

O título do filme baseia-se numa frase do cardeal Barbarin numa entrevista para a imprensa francesa, há dois anos, na cidade de Lourdes. O cardeal disse textualmente e isso está gravado na Internet, “Graças a Deus, eles (os crimes de pedofilia) estão prescritos…” , manifestando indiretamente seu alívio pela não possibilidade de processo, naquela época, contra o padre Freynat.

François Ozon é um dos maiores cineastas franceses da atualidade.

Além de Graças a Deus, de François Ozon, o Festival Internacional de Cinema de Berlim anunciou outros cinco filmes na principal Competição:

The Ground Beneath My Feet (Áustria), de Marie Kreutzer

The Golden Glove (Alemanha/França), de Fatih Akin

I Was At Home, But (Alemanha/Sérvia), de Angela Schanelec

A Tale of Three Sisters (Turquia/Alemanha/Holanda/Grécia), de Emin Alper

Ghost Town Anthology (Canadá), de Denis .

A presidente do Júri será a conhecida atriz francesa Juliette Binoche.

O Festival Internacional de Cinema de Berlim exibirá seus filmes do 7 ao 17 de fevereiro. Esse será o último Festival organizado pelo Dieter Kosslick, que se aposenta. Em 2020, assumirá a direção da Berlinale ou Festival Internacional de Cinema de Berlim, o italiano Carlo Chatrian, que deixou o Festival Internacional de Cinema de Locarno.

**

Rui Martins, convidado para o Festival Internacional de Cinema de Berlim, do 7 ao 17 de fevereiro fará a cobertura do Festival Internacional de Cinema de Berlim para o Observatório da Imprensa.