Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Lei de Imprensa bate à sua porta

Leio, via internet, nota da assessoria de imprensa do senador Roberto Requião, de 18 de setembro, sobre a aprovação no Senado Federal da PL 141, “que trata do direito de resposta ou retificação do ofendido por matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social”. Segundo o relator da PL 141, senador Pedro Taques, a iniciativa de Requião “é histórica”.

A nota também atribui a Requião as seguintes palavras: “Desde abril de 2009, quando, em boa hora, o Supremo Tribunal Federal extinguiu a chamada ‘Lei de Imprensa’, uma das últimas ‘heranças’ da ditadura militar (1964-1985), o país não contava com uma legislação que disciplinasse o assunto.” Completa a nota: “Agora, o seu projeto (de Requião) preenche este vazio.”

O senador Requião e seus pares do Senado estão a justificar e a celebrar a possível volta de um dispositivo da própria Lei de Imprensa, considerada por eles mesmos e por qualquer brasileiro comum como “herança da ditadura militar”. Qual a lógica da PL 141, afinal?! Em quê consistia o Capítulo IV da Lei de Imprensa (Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967) e o que traz de novo e tão importante a PL 141, a ponto de os senadores estarem cogitando de que a proposta seja agora discutida na Câmara Federal em regime de urgência?

Dois parágrafos chamam a atenção

Para tentar responder a essas inquietantes perguntas de torcer o bigode não há outra maneira senão colocar as barbas de molho e fazer uma visitinha à lei outorgada pela Constituição. Está tudo lá no Capítulo IV, Do Direito de Resposta. São oito artigos, do 29 ao 36, provavelmente paridos por militares linha dura, agentes de comunicação doutrinados pelo “bruxo”, general Golbery do Couto e Silva. O Capítulo IV da Lei de Imprensa e a PL 141 são quase idênticos. Têm o mesmo teor, o que não chega a ser ruim.

Pelo menos o Senado acaba de aprovar um dispositivo atualizado em relação àquele dos anos de chumbo. Não tínhamos internet nem computadores pessoais naquela época. É óbvio que hoje temos muito mais canais e veículos de comunicação social a serem disciplinados no democrático direito de resposta. Porém, dois parágrafos chamam a atenção, um na PL 141 e o outro na vetusta Lei de Imprensa. Estou falando do terceiro parágrafo do artigo segundo da PL 141, resultado da emenda 9 proposta pelo senador Randolfe Rodrigues, e do terceiro parágrafo do artigo 29 da Lei de Imprensa.

Diz o texto da PL 141: § 3º A retratação ou retificação espontânea, ainda que sejam conferidos os mesmos destaques, publicidade, periodicidade e dimensão do agravo, não impede o exercício do direito de resposta pelo ofendido e nem prejudica a ação de reparação por dano moral (o grifo está na PL, não é meu).

Diz o texto do parágrafo terceiro do artigo 29 da extinta Lei de Imprensa: § 3 Extingue-se ainda o direito de resposta com o exercício de ação penal ou civil contra o jornal, periódico, emissora ou agência de notícias, com fundamento na publicação ou transmissão incriminada (o grifo é meu).

“Cidadãos de primeira classe”

A menos que eu esteja sendo pessimista demais, não consigo enxergar o mérito do por que ressuscitar a Lei de Imprensa e, pior ainda, ter o cuidado de torná-la possivelmente ainda mais antidemocrática. A PL 141 assinada pelo senador Roberto Requião, e emendada pelo senador Randolfe Rodrigues, endureceu artigo inspirado na Lei de Imprensa. Infelizmente, esta frase poderia ser uma indagação, mas é uma afirmação. A Lei de Imprensa tinha uma lógica simples e efetiva: olho por olho, dente por dente. Ofendeu. Retratou-se. Tudo esclarecido. Ou caso contrário: que a questão fosse levada diretamente aos tribunais para os togados decidirem quem tem a prova da verdade. Está bastante claro que enxertaram no parágrafo escrito há 45 anos um apêndice no mínimo polêmico. Por ele, a indústria da criminalização da opinião vai continuar.

Segundo a vontade política e o poder discricionário de qualquer autoridade democraticamente eleita, pode ser considerada evidência de crime de opinião qualquer suposta acusação de corrupção que se leia ou se escute em qualquer lugar, seja em jornais, revistas, rádios, muros ou na internet. Basta que se identifique o acusado/réu, o acusador se compreenda como autor da ação/vítima e deduza, com apoio de advogados, que há possibilidade real de recorrer à Justiça pinçando uma frase considerada ofensiva. Na internet, por causa disso, o campo para escritórios de advocacia está escancarado e pujante. Eis a “pegadinha” do parágrafo terceiro do artigo segundo da PL 141.

Entendo que essa PL possa agilizar somente a reparação de danos às imagens de políticos e outros “cidadãos de primeira classe”, que costumam ser alvo da parcialidade do “jornalismo investigativo” da velha mídia. Para o cidadão comum, usuário das redes sociais, por exemplo, a PL 141 não traz nenhuma vantagem clara em relação ao estado atual das coisas.

Instrumento de defesa

É bastante vaga quando diz no artigo segundo: “§ 2º Ficam excluídos da definição de matéria estabelecida no § 1º deste artigo os meros comentários realizados por usuários de internet nas páginas eletrônicas dos veículos de comunicação social.”

Afinal, o que são “meros comentários”? Quem são os “usuários de internet”? Posso dizer impunemente, como fez um governador, que o ex-presidente Lula é “o maior canalha” e isso ser multiplicado aos milhões na internet? Posso compartilhar no Facebook ofensas à presidente Dilma como vejo acontecer exponencialmente por meio de perfis que se identificam como “de direita”? As “páginas dos veículos de comunicação” serão consideradas espaços próprios à inclusão de toda sorte de ofensas, sem a possibilidade de gerar processos criminais e cíveis?

A PL 141 apresenta, sim, sério risco de piorar uma Lei de Imprensa que foi banida, enquanto o Brasil deveria avançar na democratização da comunicação e na defesa dos direitos humanos, onde se deveria incluir com a máxima urgência a defesa veemente da liberdade de expressão e da livre manifestação do pensamento, além da criação de lei que regulamente o setor de comunicação de forma favorável ao interesse público.

Desejo sorte ao ex-governador Roberto Requião, que a PL 141 seja aprovada na Câmara Federal e pelo menos ele e outros políticos que foram ou são verdadeiramente ofendidos por veículos de comunicação tenham um instrumento rápido para se defender. Por favor, só não se esqueçam de que o povo brasileiro vai continuar alienado, indefeso, sob ameaça e sem voz, ofegante por mais democracia nos meios de comunicação públicos e privados.

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Fernando F. Ferreira é jornalista e autor de Urgência Urgentíssima – Manifesto pela Gestão Democrática de Meios de Comunicação Públicos