O jornal O Globo havia revelado uma trama entre o ministro brasileiro da Justiça com o ministro italiano das Relações Exterior, para se fazer uma extradição surpresa e relâmpago de Cesare Battisti. Diante dessa ameaça, Battisti teria decidido fugir para a Bolívia, mas acabou sendo preso no caminho, em Corumbá. Cesare Battisti nega essa versão, numa reportagem ao jornal Folha de S.Paulo.
Em todo caso, essa prisão que deveria favorecer sua rápida extradição, acabou sendo benéfica, pois confirmou haver uma conspiração para se extraditar Battisti sem respeito às leis. Na falta de provas justificativas da prisão, os advogados de Battisti conseguiram um habeas corpus, libertando-o e abortando a manobra para levá-lo diretamente de Corumbá para a Itália.
Outro pedido de habeas corpus, contra a extradição foi concedido no fim de semana pelo ministro Luís Fux do STF, como liminar, devendo ser mantido ou negado pelo STF no próximo dia 24. Esse habeas corpus foi uma séria derrota para o ministro da Justiça Torquato Jardim, cujas negociações em favor de uma próxima extradição de Battisti com o ministro italiano das Relações Exteriores e com o embaixador italiano em Brasília, voltaram ao ponto morto e dependem agora de uma decisão do STF dentro de uma semana.
Seria interessante contar que, apesar de meu engajamento na luta em favor de Battisti, não o conheço pessoalmente, mas vivia ainda em Paris quando começaram os infortúnios desse italiano, militante, na juventude, da extrema esquerda. Foi um dos beneficiados com o refúgio concedido pelo presidente Mitterrand aos italianos, tinha uma profissão humilde, como aconteceu com os brasileiros que viveram, como eu, o exílio.
Em 1990, era zelador de um prédio em Paris e escrevia romances policiais. Criou uma família, teve duas filhas, até de repente colocarem em questão seu refúgio, com o fim da era Mitterrand e o retorno da direita.
Depois de 14 anos de vida normal em Paris, o ministro italiano da Justiça Clemente Mastela formulou à Justiça francesa, daquela época, um pedido de extradição e, em 2004, Battisti fugiu de Paris para o Brasil. O debate criado com o pedido de extradição reuniu personalidades da época em favor de Battisti, como os escritores Fred Vargas, Bernard-Henri Levy, o humorista Guy Bedos, o l’abbé Pierre, Bertrand Delanoë, que seria o prefeito de Paris.
Em março de 2007, Battisti foi preso no Rio de Janeiro e quatro dias depois, eu escrevia meu primeiro artigo sobre Battisti, editado no Direto da Redação, ainda editado pelo jornalista Eliakim Araújo. Por que?
Por uma questão de humanidade. Naquele dia, não procurei saber se Battisti era ou não culpado, bastava-me saber ser um fugitivo – da Itália para o México, do México para a França e da França para o Brasil. Perdendo tudo a cada vez em que era obrigado a recomeçar a fugir. Já eram mais de 30 anos. Mesmo os condenados a prisão perpétua da Brigada Vermelha acabaram sendo libertados depois de 20 anos de prisão. Battisti continuava fugindo sendo preso, fugindo e sendo preso.
Em Paris, Fred Vargas, escritora de sucesso se interessou pelo caso e quis saber se Battisti era mesmo o bandido descrito pela Itália e repetido pela mídia. Chegou à conclusão de sua inocência, escreveu um livro a respeito, foi à imprensa francesa, e com o grande sucesso de seus livros decidiu apoiar seu colega escritor, isso quer dizer pagar bons advogados.
Quando escrevi o primeiro artigo em favor de Battisti, o caso era desconhecido no Brasil mas vi também que Eduardo Suplicy e Fernando Gabeira saíram em defesa do italiano. Porém a revista Carta Capital, de Mino Carta, orientadora de uma parte do pensamento de esquerda no Brasil, era pela extradição de Battisti, fazendo demorar um movimento de apoio a Battisti.
Tivemos umas discussões graves mas, enfim, a esquerda lutou contra a extradição de Battisti, com juristas importantes como Dalmo Dallari e teve o apoio do ministro da Justiça Tarso Genro. Um livro significativo, escrito por um professor da Unicamp, Carlos Lungarzo, contou os Bastidores do Caso Cesare Battisti, mostrando que nem tudo é tão simples para se concluir ser infundada a comparação de Battisti com os refugiados políticos brasileiros e se criticar o ex-ministro da Justiça Tarso Genro por lhe ter concedido refúgio no Brasil.
As palavras que escrevemos, seja onde for, num jornal muito lido ou pouco lido, num online imaterial ou numa folha de papel jogada ao vento, são muito importantes. E jamais eu, com meus pouco leitores, me atreveria a engrossar o coro do que pedem para Temer assinar sua extradição para ir apodrecer numa prisão italiana, onde seus tantos inimigos talvez encurtem sua prisão perpétua. Porque não quero ser cúmplice da maldade e da miséria humana.
Quarenta anos depois, seria ainda útil, humano, justo se querer massacrar um homem provavelmente vítima de uma justiça desejosa de encontrar culpados, mesmo que não fossem?
A Itália daqueles anos não sei se poderia se chamar de exemplo, infiltrada por neofascistas e mafiosos. Não poria minha mão no fogo pelo sistema judiciário italiano daqueles anos, no qual o próprio partido comunista não suportava a extrema esquerda, daí o ódio da Carta Capital a Battisti, um dos únicos, com Maria Petrella a escapar da vingança final. Maria Petrella professora universitária em Paris, mãe de duas adolescentes, ia ser extraditada, com prisão perpétua, trinta anos depois de sua participação na Brigada Vermelha. Essa seria uma solução?
Hoje mesmo, tenho aqui diante de mim, o jornal suíço Le Temps contando o absurdo da prisão na Itália de um imigrante da Eritréia, já durante 17 meses, sem provas e por um confusão jurídica, que o procurador de Palermo, Calógero Ferrara não desfaz para não perder seu posto.
Coincidência – o ministro do Interior da época da prisão do inocente, era Angelino Alfano, o atual ministro das Relações Exteriores que conspira com o embaixador brasileiro em Roma e o embaixador italiano em Brasília com o ministro Torquato Jardim, a extradição de Battisti.
Como se vê, a Justiça pode errar, as vezes por interesses mesmo pessoais. Eu não condenaria um ser humano me baseando em resumos de noticiários sobre julgamentos que, como conta Lungarzo, foram montagem e armação.
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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro Sujo da Corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A Rebelião Romântica da Jovem Guarda, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil, e RFI.