Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Desenvolvimento e consolidação de um eixo interdisciplinar

A aproximação da Economia Política com a Comunicação ocorre nos anos 1960, quando teóricos consanguíneos das Ciências Sociais identificam a necessidade de esclarecer, a partir de uma ciência não reducionista e não enaltecedora do determinismo tecnológico, questões originadas com o surgimento das indústrias da cultura e da mídia. Portanto, a Economia Política da Comunicação (EPC) pode ser compreendida como o recorte epistêmico de um campo-matriz, dotado de tradição e respaldo científico, cujo conhecimento foi apropriado, direcionado e ampliado, no sentido de elucidar uma nova dimensão comunicacional e fundar um modelo analítico.

Assim, a EPC não chega a ser considerada um método ou teoria de pesquisa na área da Comunicação, mas sim uma abordagem, uma linha de análise. É dirigida, sobretudo, ao estudo do jornalismo e da mídia como negócio em suas relações com o poder econômico e político, da produção de notícias com as estruturas de poder, dos processos de trabalho na produção, distribuição e consumo de comunicação. De outro modo, é possível explicar que a base analítica da EPC é constituída pelo papel dos meios no processo acumulativo, pelas questões relativas às diferenças entre as classes sociais, pelos meios e legitimação da estratificação destas, e pelas relações entre a produção material e intelectual.

Processos de consolidação

Desde os anos 1960 até os dias atuais, os estudos da EPC sofreram diversas transformações, seja por tradições de pesquisas diversificadas ou pelas mudanças históricas. Antes de comentá-las, porém, realiza-se um resgate sobre o desenvolvimento do modo de produção capitalista, a fim de dar mais clareza aos fenômenos que o compõem, e para detalhar os episódios e contextos que definem este complexo sistema econômico, social e cultural. Em atualização epistemológica constante, a renovação da EPC ocorre simultaneamente aos fenômenos que se propõe a investigar, seja através da internacionalização das mídias, de suas privatizações, seja através surgimento de novas tecnologias para a conquista da atenção (audiência). Portanto, seus teóricos se encontram em pleno afinamento com os problemas fundamentais da sociedade contemporânea.

O emblemático livro The political economy of communication: rethinking and renewal, de Vincent Mosco, enfatiza que dois fatores teriam sido decisivos para o desenvolvimento da EPC. Em primeiro lugar, a grande transformação provocada pela estagnação da década de 1970, culminante para a crise internacional do capitalismo, e que gerou um ambiente complexo de produção em declínio, aumento de custos, salários em decréscimo e aumento das desigualdades. O segundo são as transformações estruturais deste período, como a fortificação das empresas, através da especialização e transnacionalização, o enfraquecimento dos governos como reguladores e a expansão das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs).

Suzy dos Santos, no estudo “Get back to where you once belonged: alvorada, ocaso e renascimento da economia política da comunicação”, complementa que, ao longo dos anos, a disciplina se dividiu entre estudos variáveis de acordo com momentos históricos ou questões regionais. Alguns exemplos foram investigações latino-americanas relacionadas ao imperialismo cultural no então chamado Terceiro Mundo; ou pesquisas acerca da mercantilização das relações sociais nos Estados Unidos; ou ainda, o debate britânico sobre as formas de organização alternativa da esfera pública.

Estudos contemporâneos

É perceptível a necessidade do poder analítico da EPC para a compreensão dos fenômenos midiáticos da contemporaneidade. Dan Schiller sintetiza no livro A globalização e as novas tecnologias que o objetivo principal dos arquitetos do capitalismo digital era criar uma rede econômica capaz de apoiar o leque de projetos no interior das empresas e no relacionamento entre elas. Esta afirmação não apenas se concretiza como ganha outra dimensão, a partir da introdução das novas tecnologias ao consumidor doméstico, começando pelo microcomputador e seguida por transmissores de sinais de áudio, vídeo e dados, requerendo a total alteração da regulamentação e das estruturas de telecomunicações em diversos países. A internet, por exemplo, que em seu início chegou a ser proclamada como instrumento de democratização, devido ao seu alto grau de possibilidade para o discurso não hegemônico, rapidamente tem sua lógica apropriada pelas grandes organizações mundiais, submetendo-se – não surpreendentemente – às lógicas do capitalismo.

Resumidamente, as vias de interesse dos economistas políticos da comunicação contemporâneos podem ser classificadas nas seguintes abordagens: as lutas de emancipação social, através do papel do Estado enquanto formulador de políticas públicas; a concentração das indústrias culturais e a oligopolização dos mercados, a partir da relação da mídia com o espaço público; as dinâmicas de valorização; e o papel, organização e deslocamentos do trabalho, questões que, embora pouco trabalhadas, encontram-se no âmago da própria interdisciplina. Neste século, a EPC não carece de fenômenos desafiadores, uma vez que as indústrias culturais interligam-se cada vez mais, com um mesmo bem simbólico ou ideia ganhando novas oportunidades de rentabilização.

Leia também

O pensamento crítico da realidade midiática – R.B. e A.K.

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[Andres Kalikoske e Roger Bundt são professores de Comunicação na Unisinos]