Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

A (des)construção da identidade

A forma como divulgamos e absorvemos cultura começou a se modificar com a criação da escrita, quando foi possível “armazenar” conhecimento. Com o aperfeiçoamento da escrita e a consequente criação dos livros, foi possível condensar grande quantidade de informação, geralmente referente a um assunto específico, num único lugar, mas devido a pouca alfabetização, o “conhecimento” era uma dádiva destinada a poucos. Pouco depois, com o surgimento dos jornais e revistas, utilizando uma linguagem mais “popular”, iniciou a divulgação de informação para uma maior quantidade de pessoas, mas o empecilho do analfabetismo, apesar de reduzido, ainda era gritante.

O problema do analfabetismo como ferramenta de desinformação começou a ter um fim em 1906, quando ocorreu a primeira transmissão de rádio do mundo. A partir daí, saber ler não era mais um pré-requisito para absorver informação e cultura. Isso só se ampliou com a criação da televisão, que transformou totalmente a forma de entretenimento e comportamento de todas as famílias do mundo, criando assim, a cultura midiática.

Mas a evolução na forma de transmitir cultura não parou com a popularização da televisão. No fim da década de 80, com a criação e consequente popularização do computador pessoal, juntamente com a internet, se iniciou mais uma transformação no comportamento da população. Nasceu nessa época o que chamamos hoje de cibercultura, “conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço” (LÉVY, 1999, p. 17).

Neste trabalho, apresento as principais características do ciberespaço e da cibercultura e as principais influências que essa nova forma de comunicação e interação social causa na personalidade e identidade dos habitantes do ciberespaço.

Internet e ciberespaço

Desde a chegada da televisão no Brasil, em 1950, a cultura brasileira tem sido influenciada pela cultura midiática. Mas as maiores mudanças ocorreram nas três ultimas décadas, onde começaram a surgir novas tecnologias de informação e em seguida, de comunicação, alterando os paradigmas socioculturais, provocando grande impacto social, cultural e econômico no cotidiano (LIMA, 2009).

Na época de sua concepção, a internet possuía a função primária de um banco de dados gigante, ou seja, uma enorme rede de informações. Mas devido a sua evolução e consequente convergência de mídias, a internet vem sendo usada cada vez mais como substituta das mídias “tradicionais” (TV, rádio, revista, jornal impresso, etc). Mas sua maior função, principalmente entre os jovens é de aproximação pessoal, ou seja, socialização (MOREIRA; RODRIGUES, 2010).

A forma com que usamos a internet teve inicio na década de 80, quando a informática deixou de ser algo técnico e foi se tornando um instrumento popular, fundindo-se com as demais mídias. No fim da década de 80 e início da década de 90, com a criação e popularização do computador pessoal pôde ser percebido um boom entre os jovens, e a internet começou a se tornar algo realmente popular, dando inicio ao ciberespaço e consequentemente à cibercultura (LÉVY, 1999).

Para entendermos a cibercultura é necessário saber o que é ciberespaço. Segundo Lévy, ciberespaço é “o espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores” (LÉVY, 1999, p. 92), além dos vários tipos de computadores, também estão inclusos nessa definição os telefones e todo e qualquer aparelho que transmita informações provindas de fontes digitais.

Com os avanços na microeletrônica a capacidade de armazenamento de dados e a velocidade com que as informações circulam aumentaram imensamente, facilitando cada vez mais a divulgação da cultura local globalmente. E para expor toda essa informação foi desenvolvido o hipertexto, que compõe as páginas da internet. Mais importante que o hipertexto, a internet é composta pela multimídia, ou seja, uma mistura de várias formas de transmissão e recepção de informação pelos usuários. Mas o que torna o ciberespaço tão atraente é o fato de o usuário não ser obrigado a percorrer uma linha reta, como num livro, revista ou mesmo num programa de TV, no ciberespaço, o usuário é livre para escolher o caminho que lhe convir, ele não possui um começo, meio e fim, mas sim uma infinidade de páginas que são acessíveis a qualquer momento e circunstância (AMARAL; MARTINS, 2011). Com essa facilidade e velocidade para acessar e divulgar informações pode-se observar uma efemeridade do tempo, provocando certa necessidade de velocidade e agilidade nos tramites realizados no ciberespaço e refletindo essa sensação não só no virtual, mas também no real (SCHMIDLIN; SOUZA, 2010).

Mas como consequência de toda essa liberdade de receber, enviar e criar informação, o ciberespaço se tornou o sistema do caos. Impossibilitando a centralização de informações, fazendo com que o usuário, muitas vezes, se perca num labirinto sem saída. É nesse ambiente de caos, desordem e excesso de informações que a cibercultura nasce e se propaga (LÉVY, 1999).

Cibercultura e comunidades virtuais

“Se por um lado a televisão é o símbolo da cultura massificada, por outro, o computador conectado à rede parece ser a essência da cibercultura” (LIMA, 2009, p. 4), mas, ao contrário da televisão, que coloca os indivíduos em posição de passividade, a internet, mais dinâmica, retira essa classificação passiva do indivíduo, modificando, assim, a forma como os produtos midiáticos são distribuídos e consumidos.

Assim, pode se dizer que a internet é uma ferramenta que rompe com as formas tradicionais de comunicação. Tornando possível, devido a capacidade da internet de mesclar todos os tipos de mídia em um único lugar, aumentar as condições de produção e circulação de variados discursos, também os tornando mais acessíveis a uma maior variedade de pessoas, e essas pessoas transmitem a informação, de forma quase instantânea, para mais e mais pessoas. A cibercultura permite ao individuo ser o protagonista, e não apenas ver o protagonista agindo sem que possamos fazer nada para alterar o rumo da história (LIMA, 2009).

Segundo Lévy (1999), apesar de todo o caos gerado pelo livre acesso a internet e a fácil distribuição de informação, causando, como citado anteriormente, um sistema de caos e desordem, os “habitantes” do ciberespaço, massivamente os jovens, tem aumentado dia após dia. A explicação para isso é, de certa forma, simples: o ciberespaço proporciona uma relação interpessoal que, a sua maneira, quebra a barreira da solidão, o ciberespaço, como prática de comunicação interativa, recíproca, comunitária e intercomunitária, o ciberespaço como horizonte de mundo virtual vivo, heterogêneo e intotalizável no qual cada ser humano pode participar e contribuir (LÉVY, 1999, p. 126).

Assim surgem as comunidades virtuais (fóruns online, blogs, grupos em redes sociais etc.), que são construídas sobre interesses em comum, de forma cooperativa, independentemente de que parte do globo terrestre um integrante possa ser. Essas comunidades tratam de diversos assuntos, basta ser de interesse comum a todo o grupo, discutem desde assuntos “sérios” como politica ou economia, até assuntos mais leves como programas de televisão (LÉVY, 1999).

Dentre todas as comunidades virtuais que estão espalhadas pelo ciberespaço, as mais populares, sem sombra de duvida, são as redes sociais. E o que as torna tão desejadas, é, obviamente, a possibilidade e facilidade de aumentar seu circulo de relacionamento, mesmo os usuários possuindo plena consciência de que a maioria das pessoas com quem elas têm contato através dessas redes nunca serão conhecidas pessoalmente (MOREIRA; RODRIGUES, 2010).

São exemplos dessas redes sociais sites de relacionamento como o Orkut e o Facebook e também programas de conversação eletrônica como o ICQ e Messenger. Como dito antes, além de ferramenta para comunicação no ciberespaço, essas redes são a oportunidade que muitos jovens acreditam ter para inseri-los em um meio social. Nesse contexto, o ciberespaço se transforma em um instrumento de troca de experiências de vida, imagens, textos, e até sentimentos (LIMA, 2009). Podemos dizer que o ciberespaço, através das redes sociais, é um instrumento de simulação que altera a concepção do espaço-tempo que as pessoas tem, criando novas tendências e hábitos como armazenamento de filmes e músicas, e-commerce, trabalho em home-office, entre outros vícios que não existiam antes do surgimento e popularização da internet (MONTARDO, 2005).

Imersão no ciberespaço

Com a fácil utilização das redes sociais, sua gama de possibilidades proporciona às pessoas várias maneiras de agir e se apresentar no ciberespaço:

Seja nas comunidades virtuais, em salas de bate-papo ou em weblogs pessoais, os indivíduos se apresentam e interagem no ciberespaço forjando uma determinada identidade, ainda que seja anônima. Essa construção das identidades no ciberespaço se processa de modo complexo, fragmentado e muitas das vezes dissociado do mundo ‘real’, ainda que mantenha diálogos com este (LIMA, 2009, p. 8).

Mesclada à possibilidade do anonimato está a capacidade de criar várias personalidades na rede, o ciberespaço está permeado de ferramentas que possibilitam ao usuário a criação de um discurso próprio, uma representação narrativa das várias visões de si mesmo, através de textos, fotos e vídeos. Criando outra personalidade a partir de referências que estão na mídia, nos círculos de amizade e, obviamente, no ciberespaço. O que está exposto no ciberespaço pode ser apenas uma parte (ou até mesmo uma identidade totalmente nova, classificada como fake), moldada com base no que é popular, da verdadeira e complexa personalidade do usuário da rede. Mas apesar da descrição e da criação de um ou mais personagens, o ciberespaço não é um outro mundo e sim uma extensão da realidade, onde podemos encontrar os mesmo problemas encontrados no mundo “real” (LIMA, 2009).

O exemplo mais claro da narração do “eu” no ciberespaço pode ser visto nos weblogs, neles os usuários criam espécies de diários digitais criando uma narrativa intima especialmente para ser publicada. Essa prática pode ser observada de duas formas, numa como forma de autorreflexão, na outra uma forma de expor algo que seria inviável de outra forma (LIMA, 2009).

Mas nem só de fuga da “realidade” vive o ciberespaço. Com o avanço da tecnologia, os jovens de hoje possuem uma poderosa arma de aprendizado, novas oportunidades para criatividade e comunidade. O ciberespaço, através da internet, leva à criança e ao adolescente uma nova consciência que ultrapassa a ideia dos pais e professores, criando uma autenticidade regada por independência de pensamento, honestidade (mesmo que apenas “online”), uma maior confiança nos outros e principalmente em si mesmo. Toda essa liberdade, fuga das regras e da realidade, excesso de comunicação e informação são algo que a maioria dos adultos nem sequer sonharam quando jovens (BUCKINGHAM, 2000). E pelo fato de não compreenderem e, principalmente, não compartilharem das mesmas ambições e prazeres dos jovens, a maioria dos pais se assusta com a grande imersão de seus filhos no ciberespaço, classificando a internet e tudo que a envolva como algo extremamente perigoso para a educação, o que, em muitos casos, gera apenas transtornos e discussões com os filhos (MOREIRA; RODRIGUES, 2010).

Conclusão

Da criação da palavra escrita, passando pelos livros, jornais, rádio, televisão, internet discada, internet 3G, até a novíssima internet 4G, o ser humano, utilizando dessas ferramentas para a comunicação e, principalmente socialização, se reinventou, ou, melhor dizendo, foi reinventado por essas ferramentas que ele mesmo criou.

Utilizando a escrita, começamos a nos comunicar através de cartas; com os jornais e revistas, estamos sempre a par dos acontecimentos mais importantes que ocorrem ao nosso redor e em todo o globo; na televisão e no rádio, apesar de também vincular notícias, podemos ver nossas novelas e seriados preferidos, e relaxar ouvindo nossa musica preferida; mas existe uma ferramenta que nos possibilita fazer tudo isso em um só lugar, a internet.

Na internet enviamos e-mails; acessamos sites especializados em noticias e podemos saber o que está acontecendo por todo o mundo em tempo real; ouvimos rádios em que nós podemos escolher a programação; assistimos às novelas, seriados e inclusive filmes que ainda estão em exibição apenas no cinema; podemos fazer tudo isso e muito mais de forma dinâmica e ativa, num único espaço, chamado de ciberespaço.

Apesar de todas essas funcionalidades, os habitantes do ciberespaço utilizam todas as ferramentas disponíveis na rede para uma única finalidade: a socialização. Com o surgimento do ciberespaço, o mundo que as pessoas podem ver e tocar se tornou insuficiente para a felicidade, principalmente dos jovens. Os amigos que moram na mesma cidade que o usuário da rede não são suficientes, ele deseja se incluir, se informar, se adaptar ao maior número de pessoas possível para se sentir, de fato, em uma comunidade.

Por esse motivo o número de pessoas que possui um perfil numa rede social aumenta imensamente a cada ano. O ciberespaço, por ser de certa forma infinito devido à quantidade de informação que é propagada a cada instante, força o jovem a criar infinitas versões de si para as diferentes comunidades que ele habita no ciberespaço.

Essa multiplicidade do usuário da rede acaba criando, muitas vezes, pessoas sem uma verdadeira personalidade, pois, ao criar os vários “eus” habitantes do ciberespaço, ele utiliza a opinião das pessoas a quem ele quer se aproximar, se tornando apenas uma sombra da opinião de outros e por ser, até certo ponto, uma tática funcional de interação, o usuário simplesmente não se preocupa com sua própria opinião, desde que seja aceito. O ciberespaço está criando comunidades inteiras de identidades sem profundidade e/ou conteúdo próprio.

Referências

AMARAL, Marcela Carvalho Martins; MARTINS, Guilherme Paiva de Carvalho. Industria cultural, mídia e cibercultura. Desenredos, Teresina, n. 9, p. 1-17, abr/jun., 2011.

BUCKINGHAM, David (2000). Crescer na era das mídias eletrônicas. Trad. Sob a direção de Carlos A. Barbaro. São Paulo: Edições Loyola, 2007.

LÉVY, Pierre (1999). Cibercultura. Trad. Sob a direção de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 2000.

LIMA, Aline Soares. Da Cultura da mídia à cibercultura: as representações do eu nas tramas do ciberespaço. In: III ENCONTRO DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO E CIDADANIA, 2009. Anais… Goiânia: Mestrado em Comunicação da UFG; Núcleo de Pesquisa em Comunicação e Cidadania – PUC/GO, 2009, p. 1-12.

MONTARDO, Sandra Portella. Comunicação como forma social: proposta de interseção entre a comunicação e a cibercultura. In: XXVIII INTERCOM, 2005. Anais… Rio de Janeiro: Núcleo de Pesquisa 08 – Tecnologia da Informação e da Comunicação, 2005, p. 1-15.

MOREIRA, Walter; RODRIGUES, Vera Ventura. Espaços virtuais de relacionamento e identidade: uma análise do orkut. ECCOM, Lorena, v. 1, n. 1, p. 67-74, jan/jun., 2010.

SCHMIDLIN, Iraci de Oliveira Moraes; SOUZA, Ana Clara Aparecida Alves de. O jovem e a cultura digital: um estudo de caso na disciplina de cibercultura do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará. In: XII CONGRESSO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO NA REGIÃO NORDESTE, 2010. Anais… Campina Grande: Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, 2010, p. 1-11.

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João Victor Mariano Barbosa Inácio Lauriano é estudante de Jornalismo, Goiânia, GO