Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Ética jornalística não se aprende na faculdade

Quando entrei na faculdade li um livro chamado A regra do jogo, do jornalista Claudio Abramo. Trata-se de uma coletânea de artigos e colunas publicados por ele ao longo de sua carreira. Em um dos textos, Abramo dizia que a ética do jornalista era a ética do carpinteiro. Concordei logo de cara: de fato, ética é algo que nenhum curso superior pode imputar em alguém. Me lembrei de novo desse texto ao saber que o Senado acaba de aprovar a chamada PEC dos Jornalistas, que traz de volta a obrigatoriedade do diploma para exercer a profissão. A proposta ainda terá um segundo turno e depois será remetida à Câmara dos Deputados.

Os argumentos para tal medida? O primeiro é justamente esse, da responsabilidade jornalística, que para mim não faz o menor sentido se pensarmos que ética e bom senso não vêm em algum chip inserido em estudantes universitários, mas são, sim, valores que se têm por toda uma vida. Nenhum banco de sala de aula vai impedir alguém de fazer uma matéria enviesada e mentirosa.

O que a faculdade de Jornalismo poderia ensinar então? Bem, a vivência universitária, seja lá qual for, é uma experiência extraordinária. Disso eu não tenho dúvida. Aprendi muito e todo esse conhecimento quiçá me faz uma jornalista melhor, ou no mínimo mais bem preparada. Contudo, muitas das técnicas ensinadas lá com certeza podem ser conhecidas na prática. Tanto que na minha não muito longa carreira, parte dos chefes que já tive aprendeu o jornalismo no calor das redações, ainda antes do golpe militar, sem um curso superior para legitimar sua autoridade no cargo exercido.

Sanções e restrições

Isso, claro, sem mencionar os comunicadores populares que encontrei Brasil afora, que exercem uma cobertura cotidiana de conflitos e angústias de uma maneira muito rica, detalhada, emocionada.

Mais um argumento central da PEC é o da proteção à categoria. Mas ser contrário à obrigatoriedade do diploma não quer dizer o mesmo que recusar qualquer regulamentação para a proteção dos trabalhadores em Jornalismo. É impossível trabalhar como jornalista e não saber que o processo de “pejotização”, ou seja, de pagamento via pessoa jurídica, sem contrato formal de trabalho via CLT, é uma realidade terrível. Só que para se resolver isso não é preciso ter 100% dos jornalistas diplomados, e sim encarar as empresas de comunicação de frente.

É nesse momento que o quadro fica bastante complexo. O jornalista torna-se então apenas mais uma peça de um tabuleiro do jogo midiático e é a hora de discutir que tipo de imprensa nós temos em geral. Dizem as más línguas que o diploma garante a qualidade da cobertura jornalística. Será mesmo? São os jornalistas que mandam na mídia?

Um outro Abramo, o Perseu, definiu em seu livro Padrões de manipulação na grande imprensa, uma estrutura do que pensava ser a mídia. Segundo ele, “grandes e modernos órgãos de comunicação” brasileiros parecem-se efetivamente com partidos políticos na medida em que têm em suas linhas editoriais seus “manifestos de fundação” e suas “teses”; em seus manuais de redação, os “estatutos”; em suas sedes, os “aparatos materiais”; em seus chefes, diretores e editores, têm os “militantes”; em suas normas disciplinares e orientação editorial, as sanções e restrições da “linha partidária”; em suas sucursais e correspondentes especiais, as “células e núcleos”; em seus leitores ou telespectadores, têm o “eleitorado” etc.

Produtores e receptores

De acordo com Abramo, “essas analogias não constituem um mero jogo de palavras. Elas revelam um significado mais profundo do que as aparências normais indicam. Se os órgãos de comunicação não são partidos políticos na acepção rigorosa do termo, são, pelo menos, agentes partidários, entidades para partidárias, únicas, sui generis. Comportam-se e agem como partidos políticos. Procuram representar – mesmo sem mandato real ou delegação explícita e consciente – valores e interesses de segmentos da sociedade.”

Ao invés de adotarmos uma postura limitadora e limitada, impedindo que alguém que não fez um curso superior de Jornalismo possa exercer uma profissão absolutamente prática, deveríamos nos voltar para essas questões mais amplas e discuti-las não apenas com a categoria, mas com todos que são produtores e receptores da mídia. Não é pouca coisa refletir sobre como é feito e quem produz o telejornal onde boa parte da população se informa todos os dias.

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[Maíra Kubík Mano é jornalista, doutoranda em Ciências Sociais na Unicamp]