Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A Carta de Brasília

O II Fórum Nacional de TVs Públicas terminou sob a promessa do presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB-SP), de que a regulamentação do sistema público de televisão terá prioridade no Congresso, caso seja encaminhado na forma de um projeto de lei. O assunto foi alvo do primeiro dos seis temas que integram a II Carta de Brasília, lida durante a mesa por representantes do campo público e entregue, em partes, às autoridades presentes. E partiu de Michel Temer, o conselho: ‘Vamos dar prioridade a isso. Mas ela deve ser objeto de um projeto de lei para ser votado com urgência urgentíssima. Assim, no prazo de 10 dias isso pode estar concluído’. O deputado fez questão de afirmar: ‘Sei que vou ser cobrado por estas palavras, mas reafirmo minha intenção’.

A mesa de encerramento do II Fórum Nacional de TVs Brasília, realizado em Brasília, reuniu também os ministros Franklin Martins, da Comunicação Social, e Juca Ferreira, da Cultura, o senador Renato Casagrande (PSB-ES) representando o presidente do Senado, José Sarney), o consultor jurídico do ministério das Comunicações, Marcelo Bechara (representando o ministro Hélio Costa) e o presidente da ANCINE, Manoel Rangel. Antes mesmo de iniciar a leitura das conclusões do encontro, a presidente da EBC, jornalista Tereza Cruvinel, conclamou: ‘Aproveitando que estamos na casa do Poder Legislativo, eu peço aos parlamentares presentes: temos que acabar com um filhote da ditadura que ainda persiste, que é o decreto-lei 236, de 1967’. Ao que o presidente Michel Temer respondeu, com bom-humor: ‘Vamos cuidar de eliminá-lo’.

O ministro Franklin Martins se disse feliz com os resultados do II Fórum Nacional de TVs Públicas e ao comentar as possibilidades de fontes de financiamento para o setor, avisou que não vê problemas em destinar, legalmente, percentuais de propaganda institucional do Governo para as emissoras públicas. O ministro salientou que, agora, o momento é de cuidar da qualidade da programação.

Relator do projeto de lei que criou a EBC, o senador Renato Casagrande, colocou-se à disposição para levar o debate sobre a regulamentação do campo público para dentro do Senado Federal.

O ministro da Cultura, Juca Ferreira ressaltou que, enquanto o I Fórum Nacional de TVs Públicas teve caráter de ato heróico e desbravador de territórios, este II Fórum foi de consolidar avanços e fez votos para que o Congresso Nacional aprove a regulamentação dos artigos. Juca Ferreira também manifestou-se a favor do desenvolvimento do Instituto de Comunicação Pública com padrão diferente de análise de audiência para o setor público de televisão, diferente do utilizado pelas emissoras comerciais e disse: ‘A criança só vai nascer quando tivermos um conceito de grade, de linguagem’.

O presidente da Ancine Manoel Rangel reiterou a importância da parceria do cinema brasileiro com a televisão pública e disse que a Agência está aberta ao diálogo e a cooperação com as emissoras públicas de televisão. ‘Vamos encarar juntos o desafio da programação. Contem com a Ancine’. (Paula Grinover, da assessoria da Abepec)

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Carta de Brasília II

O II Fórum Nacional de TVs Públicas, ancorado pela Carta de Brasília, afirma seu compromisso com o processo de democratização da comunicação social brasileira.

Visando a conquista de um campo público de televisão editorialmente independente, que estimule a formação crítica do indivíduo para o exercício da cidadania e da democracia, o II Fórum apresenta uma série de propostas e reivindicações.

Essas deliberações têm, principalmente, o objetivo de estabelecer alianças e compromissos com os cidadãos brasileiros, razão de sua existência.

Organizado pelas entidades do campo público de televisão, o II Fórum contou com a participação de representantes do Governo Federal, do Parlamento e da sociedade civil.

A partir das contribuições aos temas em debate, dadas presencialmente ou enviadas por Internet, o II Fórum Nacional de TVs Públicas chegou aos seguintes consensos:

Regulamentação

O II Fórum Nacional de TVs Públicas entende que toda radiodifusão de sons e imagens é um serviço público e, portanto, depende de concessão outorgada somente pelo Estado.

O artigo 223, ao mencionar que existe um sistema público, um estatal e um privado está estabelecendo três categorias diferentes não estanques, não antagônicas, mas três categorias diferentes que têm de ser distinguidas por algum critério; atuar de forma complementar é a prescrição da Constituição.

Ao contribuir para a regulamentação dos artigos constitucionais referentes a essa matéria, o II Fórum interpreta que há um sistema de radiodifusão privado, com fins lucrativos e que deve, como os demais sistemas, obedecer aos princípios do artigo 221 de modo preferencial.

Entende que há um sistema de radiodifusão público, que é estatal, não tem fins lucrativos e obedece, com exclusividade e não preferencialmente, aos princípios do artigo 221 e da lei 11652. Sua programação está voltada à divulgação e transparência dos atos institucionais e à prestação de contas da administração pública em suas três esferas de poder: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.

O II Fórum entende ainda que há um sistema de radiodifusão público não-estatal que opera sem intenção de lucro, que deve obediência exclusiva aos princípios do artigo 221, que deve observar os princípios e objetivos contidos na Lei 11.652, que já vigoram para regular o sistema público de comunicação em âmbito nacional. A diferença fundamental entre os dois sistemas é que, no sistema de radiodifusão público não-estatal, as diretrizes de gestão da programação e a fiscalização devem ser atribuição de órgão colegiado deliberativo, representativo da sociedade, no qual o Estado ou o governo não devem ter maioria.

Em função dessa conceituação, o II Fórum Nacional de TVs Públicas deliberou pela:

1. alteração imediata, por medida provisória dada sua relevância e urgência, do artigo 13 parágrafo único do Decreto Lei 236 de 28 de fevereiro de 1967;

2. edição simultânea de uma portaria interministerial, definindo os objetivos e princípios da radiodifusão pública, exploradas por entidades públicas ou privadas, que não o poder executivo federal ou de entidades de sua administração indireta.

Financiamento

O II Fórum Nacional de TVs Públicas, por entender que o modelo de financiamento do campo público de televisão impacta diretamente a consecução de seus objetivos e missão, diante do desafio de construir uma televisão pública autônoma e independente afirma os seguintes compromissos:

** a não exibição de publicidade de produto ou serviço em todas e qualquer uma das emissoras públicas estatais e não-estatais;.

** a criação de modelos de financiamento estáveis e integrados para todo o campo público de televisão;

** promover mecanismos entre produtoras independentes, TVs Públicas, Ministério da Cultura e Agencia Nacional de Cinema (Ancine) visando a criação de modelos de negócios que utilizem instrumentos de fomento para a produção independente em TV.

O II Fórum reconhece que o modelo de financiamento da EBC é uma referência importante para as TVs Públicas quanto às possibilidades de diversificação de suas fontes de financiamento. E reivindica:

** participação de todas as emissoras que compõem o campo público de televisão nos recursos provenientes da Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública;

** repasse de um percentual de publicidade pública institucional do Governo Federal às emissoras que compõem a Associação Brasileira de Canais Comunitários (ABCCOM).

Migração dos canais públicos do cabo para redes digitais abertas

O II Fórum Nacional de TVs Públicas afirma o direito das TVs Comunitárias e Universitárias ao espaço aberto de transmissão no processo de migração dos canais públicos do cabo para redes digitais e reivindica:

** que o Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTVD-T), incorpore os canais comunitários e universitários como players devidamente identificados no texto da Lei, disciplinando sua operação nos mesmos moldes previstos na Lei do Cabo;

** que se garanta o acesso das TVs Comunitárias e das TVs Universitárias ao espectro da TV Digital Aberta Terrestre, com possibilidade de utilização de todas as funcionalidades da tecnologia: interatividade, multiprogramação, mobilidade e multiserviço;

** que as TVs Comunitárias tenham assegurada sua participação no novo Canal da Cidadania, como determinado no Decreto 5.820;

** que seja incluído um inciso adicional no artigo 3º do Projeto de Lei 277/2007 prevendo o Canal da Universidade, com gestão conjunta, autônoma e isonômica por instituições de ensino superior, autorizadas a funcionar pelo Ministério da Educação, as quais responsabilizar-se-ão por transmitir programação decorrente das produções realizadas por discentes, docentes e colaboradores das referidas instituições de ensino.

Operador único de rede e multiprogramação

O II Fórum Nacional de TVs Públicas diante da discussão sobre a infra-estrutura técnica do Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTVD-T) reivindica:

** um operador de rede pública único que congregue todas as emissoras de televisão do campo público de entidades públicas e privadas;

** que todas as emissoras do campo público de televisão tenham assegurado o direito à multiprogramacão e à interatividade para a ampliação da transmissão e recepção de conteúdos que venham, de fato, a colaborar para a construção da cidadania no Brasil.

Programação de TV pública

O II Fórum Nacional de TVs Públicas reivindica:

** Formação e qualificação técnica e em gestão dos profissionais de comunicação e telecomunicação do campo público de televisão;

** Fomento à estruturação de grupos de trabalho permanente, com formato de laboratório e participação de todas as vertentes do campo público de televisão, para a realização de pesquisa e desenvolvimento em inovação de linguagem, em conteúdos para convergência digital, criação de novos formatos de programação elaborados a partir das possibilidades interativas do público com a TV digital, multiprogramação, acessibilidade e usabilidade do controle remoto usado como miniteclado;

** Fomento à produção independente, através da construção compartilhada com produtoras independentes, TVs Públicas, Ministério da Cultura, por meio da Secretaria do Audiovisual, e Agencia Nacional de Cinema (Ancine) de editais públicos específicos que considerem a vocação do campo público de televisão;

** Fomento à produção cidadã, de conteúdos realizados diretamente pela sociedade, mediante a incorporação de modelos de produção audiovisual baseados na cultura colaborativa, compartilhada e participativa. Fortalecimento e abertura de espaços para a veiculação dessas produções nas TVs do campo público, além da implementação de políticas de estímulo e fomento a esses modelos de produção, nos moldes do item anterior;

** realização de inventário, digitalização e disponibilização de acervos locais existentes;

O II Fórum também afirma seu compromisso com:

** a construção de modelos de grade de rede do campo público de televisão diferenciado do sistema comercial, que sejam flexíveis e que contemplem e valorizem, efetivamente, os conteúdos regionais;

** a realização de estudo específico para a regulamentação da distribuição e do licenciamento de programas e produtos da TV Pública, no novo contexto tecnológico.

Por fim, o II Fórum reafirma que o Cinema Brasileiro é um parceiro estratégico para a realização da missão do campo público de televisão e manifesta a importância de se celebrar um acordo colaborativo, por meio de bases sólidas, entre a TV Pública e o Cinema Nacional.

Instituto de Comunicação Pública Brasileira

O II Fórum Nacional de TVs Públicas deliberou a criação de um instituto autônomo e independente, para estudo e pesquisa da comunicação pública brasileira. E afirma que esse instituto:

** coordenará o levantamento do conhecimento e experimentações produzidas pelas TVs Públicas, universidades e instituições de pesquisa;

** funcionará como um ambiente de discussão permanente para a repercussão e continuidade das reflexões que buscam configurar o campo público brasileiro de televisão;

** abrigará laboratórios, desenhados para refletir, pesquisar, avaliar e inovar sobre as questões centrais na construção dos modelos de comunicação desejados pelo campo público de televisão;

** estabelecerá parcerias com universidades e instituições de ensino, pesquisa e produção, nacionais e internacionais.

** trabalhará como agente crítico dos caminhos propostos para o campo público de televisão;

** atuará no desenvolvimento de novas metodologias de análise de aferição de performance e qualidade que atendam aos princípios e objetivos para o qual a TV Pública foi criada;

** colaborará no desenvolvimento de informações e ferramentas para a prestação de contas junto à sociedade e seus patrocinadores.

A criação de um instituto de comunicação pública brasileira representa um importante suporte para que a TV Pública ponha-se à mostra, com consciência, sem medo de ousar.

Assim, o II Fórum encarece, desde já, o apoio do Governo Federal e do Parlamento para a implementação desse instituto.

Os avanços propostos pelo II Fórum Nacional de TVs Públicas revelam que o processo de construção do campo publico de televisão e de sua identidade, especialmente no contexto da tecnologia digital, é uma oportunidade histórica determinante para despertar na sociedade o sentimento de pertencimento dessa TV pelo público e do público por essa TV. (Brasília, maio de 2009)