Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A censura e o advento da TV

Introdução

A ditadura militar (1964-1985) foi um dos mais marcantes e tristes períodos da História do Brasil. É evidente que a TV cumpriu uma função preponderante para que o golpe de 31 de março de 1964 ocorresse e se mantivesse por 20 anos.

A censura reprimia qualquer reportagem, ou programa que desagradasse os interesses dos militares. Também havia uma censura econômica, já que o governo era o maior cliente publicitário e ameaçava cortar verbas caso houvesse a publicação de uma matéria indesejada. Carente de investimento, a TV cedeu às pressões do governo e se autobeneficiou.

Com exceção da TV Cultura, todas as outras emissoras ajudaram o regime. No entanto, a Rede Globo teve maior destaque, principalmente o Jornal Nacional, que ganhou o apelido de ‘porta-voz da ditadura’.

Diante disso, a importância deste artigo é baseada na formação de opiniões na sociedade sobre o período de autoritarismo do regime militar, cujo a televisão desempenhou um papel fundamental na veiculação de informações, na maioria das vezes, favoráveis ao regime. Propõe, a partir da investigação bibliográfica do contexto histórico-político-social da época em questão, o esclarecimento da contradição existente a partir de 1964, focalizando a projeção que a ditadura fez sobre a TV, como reconhecimento da capacidade de difundir a cultura de massa e a ideologia desejada.

A ditadura sem disfarces

A ditadura militar no Brasil foi um governo iniciado em abril de 1964, após um golpe articulado pelas Forças Armadas em 31 de março do mesmo ano, contra o governo do presidente João Goulart.

Entre as principais razões que motivaram o golpe estão: o medo da implantação do conjunto de reformas, especialmente a reforma agrária, que traria como conseqüência imediata a divisão das grandes propriedades – os latifúndios – e a diminuição das regalias das empresas estrangeiras em prol do desenvolvimento do Brasil.

No dia 7 de abril, os ministros militares deram início à série de ‘Atos Institucionais’, artificialismos criados para dar legitimidade jurídica a ações políticas contrárias à Constituição Brasileira de 1946 que se sucederam até o número dezessete.

Durante o regime militar, houve um fortalecimento do poder central, especialmente do poder Executivo, caracterizando um regime de exceção, pois o Executivo se atribuiu a função de legislar, em detrimento dos outros poderes estabelecidos pela Constituição de 1946. O Alto Comando das Forças Armadas passou a controlar a sucessão presidencial, indicando um candidato militar que era referendado pelo Congresso Nacional.

Os generais militares que governaram o Brasil foram: Castello Branco (1964-1967), Arthur da Costa e Silva (1967-1969), Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), Ernesto Geisel (1974-1979), João Baptista Figueiredo (1979-1985). Além disso, uma junta militar formada pelos ministros Aurélio de Lira Tavares (Exército), Augusto Rademaker (Marinha) e Márcio de Sousa e Melo (Aeronáutica) governou de 31 de agosto de 1969 a 30 de outubro de 1969.

Querendo impor um modelo social, político e econômico para o Brasil, a ditadura militar tentou forjar um ambiente democrático, e não se destacou por um governante definido ou personalista. Durante sua vigência, a ditadura militar não era oficialmente conhecida por este nome, mas pelo nome de ‘revolução’ – os golpistas de 1964 sempre denominaram assim seu feito – e seus governos eram considerados ‘revolucionários’.

A liberdade de expressão e de organização era quase inexistente. Partidos políticos, sindicatos, agremiações estudantis e outras organizações representativas da sociedade foram extintas ou sofreram intervenções do governo. Os meios de comunicação e as manifestações artísticas foram submetidos à censura. A década de 1960 iniciou também, um período de grandes modificações na economia do Brasil: a modernização da indústria e dos serviços, a concentração de renda, a abertura ao capital estrangeiro e o endividamento externo.

Anos de chumbo

Por censura, basicamente, entende-se o exame a que são submetidos trabalhos artísticos ou informativos, com base em critérios morais ou políticos, para decidir sobre a conveniência de serem ou não liberados para apresentação ao público em geral. A censura foi uma das armas de que o regime militar se valeu para calar seus opositores e impedir que qualquer tipo de mensagem contrária a seus interesses fosse amplamente divulgada.

Pode-se dizer que, durante o regime militar, a censura passou por três fases. A primeira se estendeu de 31 de março de 1964 à publicação do Ato Institucional nº 5, em dezembro de 1968, e teve um momento mais intenso nos meses que sucederam ao golpe, abrandando-se a partir de então. A segunda coincidiu com a publicação do AI-5, em 13 de dezembro de 1968, que institucionalizou o caráter ditatorial do regime e tornou a censura implacável até o início do governo Geisel, em 1975. Por fim, durante os governos Geisel e Figueiredo, a censura tornou-se gradativamente mais branda, até o restabelecimento do regime democrático.

Após a promulgação do AI-5, todo e qualquer veículo de comunicação deveria ter a sua pauta previamente aprovada e sujeita a inspeção local por agentes autorizados. Obviamente, muitos materiais foram censurados. As equipes envolvidas, impossibilitadas de publicar maiores esclarecimentos, tomavam medidas diversas. Algumas publicações impressas simplesmente deixavam trechos inteiros em branco. Outros publicavam receitas culinárias estranhas, que nunca resultavam no alimento proposto por elas.

Além de protestar contra a falta de liberdade de imprensa, tentava-se fazer com que a população brasileira passasse a desconfiar das torturas e mortes por motivos políticos, desconhecidas pela maioria. A violência do Estado era notada nos confrontos policiais e em conhecidos que desapareciam, mas, não era possível a muitos imaginar as proporções reais de tudo isso. Aparentemente, o silêncio imposto em relação às torturas era para que menos pessoas se revoltassem e a situação se tornasse, então, incontrolável.

Além da resistência ora camuflada, ora explícita da imprensa, artistas vinculados à produção musical encontraram como forma de protesto e denúncia compor obras que possuíssem duplo sentido, tentando alertar aos mais atentos, e tentando despistar a atenção dos militares, que geralmente descobriam que a música se tratava de uma crítica a eles apenas após a aprovação e sucesso entre o público das mesmas.

O decreto-lei 1.077, de 21 de janeiro de 1970 instituiu a censura prévia, exercida de dois modos: ou uma equipe de censores instalava-se permanentemente na redação dos jornais e das revistas, para decidir o que poderia ou não ser publicado, ou os veículos eram obrigados a enviar antecipadamente o que pretendiam publicar para a Divisão de Censura do Departamento de Polícia Federal, em Brasília.

Apesar de o governo militar começar a diminuir a pressão sobre a imprensa escrita, entre 1975 e 1978, com o fim da censura prévia, no que se refere aos meios de comunicação eletrônica, a vigilância permaneceu até o restabelecimento do regime democrático, sob a presidência de José Sarney, e a entrada em vigência da Constituição de 1988, que em seu artigo de nº 5 estipula a liberdade de manifestação do pensamento.

A ditadura de olho na TV

Na primeira década de surgimento no Brasil, a TV caminhava a passos lentos. O momento era de descoberta e aprendizado.

A lentidão da TV permaneceu até a ditadura militar, quando, ‘coincidentemente’, começou a se desenvolver. A televisão, mais acessível ao grande público, aliada ao despertar do potencial da imagem e seu caráter documental, voltou-se para entreter e doutrinar o povo.

A TV foi a arma do governo militar como instrumento de integração nacional e valeu-se do seu poder para se desenvolver. Até 1965, apenas 15% das famílias brasileiras contavam com um aparelho de televisão. Foi justamente nesse ano que o governo fechou os olhos para o surgimento da que seria a maior emissora de televisão do país, a Rede Globo de Televisão.

Aliada fiel do regime de exceção incrustado no poder de Estado, a Rede Globo desempenharia papel fundamental na consolidação do autoritarismo no Brasil. Entre 1965 e 1982, o grupo de Roberto Marinho passou de detentor de uma única concessão de televisão, no Rio de Janeiro, à condição de quarta maior rede de TV do mundo.

De monopolizadora virtual de audiência, a Rede Globo passou naturalmente à condição de formidável concentradora de verbas publicitárias, o que, numa economia de mercado, acaba por inviabilizar qualquer concorrência significativa. A consolidação desse monopólio por uma só indústria cultural se deu paralelamente à consolidação no Brasil de um modelo econômico excludente, levado a termo por um regime centralizador e autoritário, do qual a Rede Globo foi importante parceira. Do ponto de vista econômico, foi fundamental o seu papel na integração de um país de dimensões continentais, via integração do seu, ainda que reduzido, mercado consumidor. Do ponto de vista político, a programação da Globo foi indispensável como veículo de uma mensagem nacional de otimismo desenvolvimentista, fundamental para a sustentação e legitimação do autoritarismo.

Assim, apoiado por essa aliança de interesses imediatos com a Rede Globo de Televisão, o regime autoritário acumulou forças para impor seu modelo político e econômico a uma nação manietada.

De acordo com o livro Muito Além do Jardim Botânico, de Carlos Eduardo Lins da Silva, um dos grandes responsáveis pela liderança de audiência da Globo foi Walter Clark. Para ele, não bastava ser líder de audiência. Era preciso criar o hábito de assistir à Globo. Coincidentemente, o JN estreou no período de maior endurecimento do regime militar, em 1969. O Ministério das Comunicações foi criado neste mesmo ano. O que interessava à ditadura era a chamada ‘Integração Nacional’. O JN foi o primeiro transmitido em rede. O tom formal e frio, com informações que interessavam diretamente ao regime, deu ao jornal o apelido de ‘porta-voz da ditadura’.

Na década de 70, o Estado torna-se mais autoritário e, portanto, mais dependente da seu porta-voz eletrônico: a televisão. E quanto maior era a necessidade de comunicação do regime, mais a televisão brasileira se beneficiava e se desenvolvia. Um exemplo clássico da relação TV-Estado foi uma declaração do presidente Emílio Médici. Em março de 1973, ele falou ao Jornal Nacional:

‘Sinto-me feliz todas as noites quando ligo a televisão para assistir ao jornal. […] Enquanto as notícias dão conta de greves, agitações, atentados e conflitos em várias partes do mundo, o Brasil marcha em paz, rumo ao desenvolvimento. É como se eu tomasse um tranqüilizante, após um dia de trabalho’ (Lima, 1985, p. 36).

Num país como o Brasil, com elevada taxa de analfabetismo e baixo poder aquisitivo, a televisão torna-se referência, direcionando pensamentos individuais e coletivos.

Gabriel Priolli (1985, p. 22) conclui: ‘Espelho cor-de-rosa do regime militar, a televisão brasileira não nasceu nem morreu como ele, mas lhe deve a potência que é hoje.’

5 Considerações finais

No afã de disseminar os ideais políticos da ditadura, o regime militar despertou sua atenção para os meios de comunicação de massa como porta-voz de seus próprios interesses. Carente de investimentos, a mídia cedeu às pressões do governo e se autobeneficiou. Portanto, quanto maior era a necessidade de comunicação do regime, mais a televisão brasileira se beneficiava e se desenvolvia.

Enquanto a imprensa em sentido estrito sofria alguns duros baques políticos e econômicos durante a ditadura, a televisão passava por um processo de rápida consolidação e crescimento, apoiado por iniciativas governamentais. Só que esse apoio viria para um grupo específico: aquele comandado pelo empresário Roberto Marinho que, desde o início da década de 60, se preparava para entrar de rijo no setor da televisão, tendo firmado inclusive acordo operacional e financeiro com o grupo Time-Life, norte-americano. Acordo questionado por outros grupos de comunicação e por políticos no Congresso, que gerou, inclusive, uma rumorosa Comissão Parlamentar de Inquérito.

A Constituição Federal, em seu artigo 160, proibia a associação de grupos nacionais de comunicação com grupos estrangeiros, mas os militares fizeram vista grossa e rejeitaram a CPI, instituída em 1966, para julgar os acordos entre a Globo e o grupo norte-americano Time-Life (Priolli, 1985, p.25).

Paradoxalmente, a partir da abertura política, a televisão passa a ter um controle mais efetivo sobre a produção. Enquanto o governo abre-se para a democracia, as emissoras de TV fecham-se na autocensura. Dessa forma, os meios de comunicação de massa, antes submetidos ao regime ditatorial, agora estão subordinados à linha editorial das empresas lideradas por um pequeno grupo de empresários que promovem a cultura de massa.

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Estudante de Comunicação Social, Campina Grande, PB