Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A Corte e o corte

Sobre o fim do diploma de jornalismo, o placar final ficou assim: STF 8 x 80.000 jornalistas 0. Serviu, pelo menos, para sabermos um pouco mais sobre a sapiência de nossos ministros, que desconhecem a diferença básica entre o direito à liberdade de expressão – assegurado a todos – e o exercício da profissão de jornalista (registre-se que o ministro Marco Aurélio Melo sabe, sim). Mas não é de estranhar, visto que o relator, ministro Gilmar Mendes, famoso também por conceder habeas corpus em tempo recorde para o banqueiro Daniel Dantas, assim se pronunciou sobre a decisão: ‘A profissão de jornalista não oferece perigo de dano à coletividade.’

Há milhares de exemplos dos perigos que a desinformação, a falta de ética e a incompetência de alguns jornalistas causaram à sociedade. A mídia pode gerar pânico e mortes. Pode deixar morrer milhões de pessoas quando se omite. Pode causar prejuízos financeiros ou proporcionar grandes lucros com a manipulação de dados. Pode imbecilizar cidadãos com a contínua exposição a informações superficiais e supérfluas (o que, aliás, já faz com notória assiduidade). Pode atingir a honra das pessoas causando sofrimento incalculável. Pode estigmatizar cidadãos e segmentos sociais com notícias preconceituosas e discriminatórias. Para o ministro Gilmar Mendes e aqueles que o acompanharam no voto contra o diploma de jornalismo, tudo isso parece pouco. Se o diploma não evita, de fato, distorções, pegar uma caneta ou um computador e sair escrevendo, orientado apenas pelo pragmatismo das empresas de comunicação, só piora a situação.

Gato por lebre

Vale lembrar que recente pesquisa CNT/Sensus mostrou que 74,3% dos entrevistados em todo o país são favoráveis ao diploma para o exercício do jornalismo; apenas 13,9% são contra e 11,7% não souberam ou não responderam.

O presidente do STF mencionou a necessidade do diploma para os médicos, os engenheiros e… adivinhem quem mais? Os advogados! Mas o que impede – para usar a mesma lógica – um cidadão, minimamente letrado e informado, que leu os autores clássicos do Direito e, digamos, mais alguma jurisprudência, elaborar a sua própria defesa nos autos de um processo?

Jornalismo exige preparo técnico e teórico sobre comunicação, além de conhecimentos gerais sobre antropologia, sociologia, política, filosofia, psicologia e economia – para citar apenas algumas das áreas que enriquecem a análise e interpretação dos fatos. Imaginar que as redações, cada vez mais interessadas em praticar um jornalismo de fórmulas prontas e redução de custos, irão se ocupar disso é apostar no retrocesso. Com graves riscos para a democratização do país. O STF, guardião da Constituição, faria mais pelo país se impedisse a concentração da propriedade dos meios de comunicação que afronta a Carta Magna (artigo 220, parágrafo 5º: ‘Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio’).

Não satisfeito em construir um arremedo de teorização sobre Comunicação Social e Jornalismo, nosso eminente presidente do STF comparou a profissão de jornalista com a de cozinheiro. Nada contra os cozinheiros, que costumam proporcionar momentos de raro prazer à mesa. Mas se vale a metáfora, mais do que nunca, a sociedade brasileira corre o risco de comer gato por lebre. E se você for mal servido, não adianta reclamar. A receita que o STF empurrou goela abaixo ao país não atende exatamente ao paladar da população brasileira, mas ao apetite voraz dos donos dos meios de comunicação e boa parte da elite.

Extinção em massa de diplomas

Gilmar Mendes disse também que ‘quando uma notícia não é verídica ela não será evitada pela exigência de que os jornalistas frequentem um curso de formação’. Primeiro vamos combinar o seguinte: claro que os cursos de Jornalismo que não atendem aos requisitos de qualidade do MEC devem ser fechados – o que deveria valer, aliás, para qualquer curso, para que os estudantes não sejam duplamente lesados: financeiramente e em seu sonho de qualificar-se.

Há mais de mil cursos de Direito espalhados pelo país. E nos exames da OAB, cerca de 60% a 70% dos advogados diplomados são reprovados. Se os cursos de Jornalismo não garantem a formação de um bom jornalista, o ministro não deveria estender seu raciocínio para os demais cursos? E provocar uma extinção em massa de diplomas?

Lição de casa, para pensar: se boa parte do Judiciário brasileiro – exceções resguardadas – soubesse fazer justiça, o Brasil seria assim tão injusto?

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Jornalista, Florianópolis, SC