Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A crise das universidades particulares

Há pouco tempo, a PUC-SP estava aos gritos: ‘Crise’. Começamos 2009 e outras grandes instituições particulares de ensino superior repetem o grito: ‘Crise!’ E as greves e manifestações se alastram. Apareceu na imprensa: donos de escolas choram, sindicatos viram porco-espinho e professores ficam devendo em supermercado. Funcionários da limpeza padecem – continuam trabalhando mesmo sem receber. Os alunos? Bem, ainda estão de férias.

Eis as universidades problemáticas apontadas: Unib (Universidade Ibirapuera), Universidade São Marcos e Unisa (Universidade de Santo Amaro). As três instituições respondem por cerca de 30 mil alunos. E se pegarmos faculdades isoladas, então, o quadro paulistano complicado assusta um pouco.

É a crise? Sim! Mas não é a crise mundial. Nem é a crise de diminuição de demanda. É claro que com o MEC na situação em que está, boa coisa não se poderia esperar, mas não é culpa só do MEC, não. O MEC conseguiu derrubar o número de alunos que terminam o ensino médio e procuram uma universidade. Sabemos disso. Mas não podemos culpar o MEC, pois o ministro atual não inova nos erros, apenas repete os do passado (ainda que capriche para não deixar de repetir algum). Falta criatividade ao ministro para errar diferente.

Não sabendo criar, não sabem procriar

A maior crise é a de gestão das próprias universidades – estas acima apontadas e outras que estão mancando. Pois há universidades que, nesse mesmo período, continuaram a crescer e investir. Aliás, no caso da São Marcos, há investimento. Finalmente a universidade comprou um prédio próprio. O diretor-executivo Ernani de Paula chegou há pouco na universidade para salvá-la da má administração dos irmãos – ele reconhece isso – e está negociando bem com os professores. No meio disso, ousadamente, adquiriu um prédio gigantesco no Ipiranga, que era do banco Sudameris. Isso mostra bem que cada caso é um caso e que, se cabe a palavra ‘crise’, ela deve ser aplicada com muito cuidado a cada situação.

O fato é que há muito tempo o ensino superior brasileiro vem sendo dirigido por pessoas que não são do ramo. E se são do ramo, nunca aprenderam a administrar, apenas copiaram o que já se fazia no modelo de administração das universidades estatais – todas elas visivelmente ‘gastadeiras’ e muitas delas com uma eficiência de ensino e pesquisa duvidosa.

Portanto, não há crise, e sim, crises. Todavia, há uma medida geral a ser tomada. Aliás, ela já foi tomada. Essa medida é de 1996. É a LDB. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN 9.394/96) criou a possibilidade de cada universidade se organizar segundo seus próprios critérios, exercendo sua criatividade. As universidades estatais não se mexeram, é claro. Mas o esquisito foi ver que salvo raríssimos casos – e assim mesmo de maneira tímida – as universidades particulares também ficaram paradas. Não tiveram pessoas nos seus staffs para criar novas formas de organização física e humana. A maioria continuou com ‘departamentos e faculdades’ ou ‘coordenações de cursos e direção’. E foi proliferando o número de funcionários desnecessários. Aliás, manteve um número grande de professores com pouca titulação e com poucas horas de trabalho. Isso gerou professores pouco compromissados com o estabelecimento e um grande gasto na folha de ‘direitos trabalhistas’. Seria melhor ter menos professores, mas com mais titulação e pagos de modo adequado (com uma carreira atrativa). Agindo de modo errado, essas universidades se mostraram estar aquém de pegar o que a LDB deu para todas em termos de liberdade. Não sabendo criar, não souberam procriar.

Burocratas no controle

Quase toda universidade particular brasileira é uma réplica piorada de universidade estatal. Organiza seu sistema de ensino, pesquisa e extensão de modo a copiar o que funciona mal na universidade estatal – inclusive o sistema de fofoca e politicalha. Ora, a universidade estatal, por sua vez, não passa de um sistema falido. Um elefante branco que só se vangloria porque, diante da universidade particular, pode apresentar um volume de pesquisa maior e cantar de galo. Mas, em termos comparativos com o exterior, nossa universidade estatal não serve à democracia e tem uma dificuldade imensa de fomentar o pensamento crítico e gerar o trabalhador prático e cidadão segundo as demandas do país.

A universidade particular, sendo feita de aposentados da universidade estatal, é ela própria a réplica disso, só que mais envelhecida. Talvez mais experiente, mas com pouca criatividade. Tem experiência, sim, mas é a experiência do fracasso.

Quem vai romper isso? O executivo de uma dessas universidades ‘em crise’ que tiver a coragem de criar, de ver como se faz no exterior, e perceber que pode reorganizar sua escola segundo um registro de menos dinheiro para coisas tolas e mais dinheiro no bolso do bom trabalhador, vencerá fácil. Algumas medidas são fáceis de tomar. Basta não ser muito bobo. Eis algumas medidas necessárias.

Primeiro. O dinheiro deve cair no bolso dos bons professores, e não ser distribuído por igual. E se a quebra de isonomia é impossível, então há a necessidade de critérios rigorosos para se contratar. O cabide de empregos deve ceder espaço para um criterioso e prático exame de ingresso de cada professor. E também de cada técnico e de cada funcionário. Uma universidade que paga professores incompetentes e funcionários estúpidos vai amargar olhar para o rosto deles em assembléia, fazendo greve sem, no entanto, terem realmente ensinado algo ou trabalhado de modo correto. Além disso, os cargos intermediários de chefias devem ser reduzidos.

Em geral as universidades particulares ficam inchadas, sendo que os proprietários perdem o controle do estabelecimento para burocratas, não raro aposentados de alguma universidade federal. E, o que é pior, nem sempre esses burocratas administraram bem a federal em que estavam – lá, eles também enganaram.

Administrador errado no lugar errado

Em segundo lugar, cada universidade deve saber articular de modo ótimo a pesquisa feita no laboratório da escola com o estudo feito virtualmente; a universidade do futuro não deve ter alunos em seu prédio para fazer aquilo que podem fazer virtualmente. O prédio é o local dos grandes laboratórios, onde o aluno aparece para trabalhar com o material que ele não tem disponível em casa ou na cidade: clínicas, arquivos, salas de experimentos etc. Nesses laboratórios, há o professor que realmente sabe ensinar, e não o que sabe fazer o blablablá. E no ensino virtual, o mesmo deve ocorrer. Aluno que realmente aprende é aluno que indica no boca-a-boca aquela universidade para o irmão ou colega – é isso que faz uma escola, não o outdoor monstruoso.

Em terceiro lugar, deve haver o aumento do número de cursos feitos em uma mesma seqüência. A terminalidade ideal deve ser a meta. Em seis anos de estudo, um aluno deve ter chances de receber mais certificados e se inserir no mercado parcialmente, mas no mercado da sua profissão. Isso amplia as chances de ganho do aluno e diminui a inadimplência diante da escola.

Em quarto lugar, a pós-graduação deve estar articulada com a graduação através do mecanismo de orientação de estudos, iniciado bem precocemente – e agora, com rédea curta por meio virtual –, sendo que quem entra em uma universidade não deve sair dela muito cedo. Deve gostar de ficar nela. Deve se sentir com chances ali dentro para crescer, para sair da graduação e fazer especialização e mestrado ali mesmo. Universidade que não cuida com carinho de seus doutores e não os coloca também na graduação, gerando mecanismos para que eles criem o canal de sobrevida do aluno na instituição por no mínimo seis anos, está mal administrada. Ela não faz o trabalho de seus doutores alcançarem o ponto ótimo, então não segura seus alunos.

Tudo passa por saber aproveitar a liberdade da LDB e a autonomia universitária para potencializar o trabalho de um dos ramos mais lucrativos que há no mercado brasileiro: a venda do ensino. Quem consegue entrar em crise nesse ramo é caso de desistir da vida.

É claro que eu poderia escrever um livro de medidas desse tipo que já deram certo em vários lugares no exterior e em alguns poucos aqui no Brasil. Mas fico por aqui. Pois o problema dessa crise é que há muito administrador errado no lugar errado na hora errada. Os proprietários das universidades em crise deveriam perceber isso. E se são eles próprios os administradores, deveriam pensar em vender a escola, pois não estão sabendo tocar o negócio.

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Filósofo e escritor, São Paulo, SP