Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A crítica da mídia na era digital

Introdução: WebJornalismo e Modernidade Tecnológica

‘A crítica da mídia é uma missão maldita.’ (Dines, O.I. 8/4/2008)

Para compreender o jornalismo digital, convém decifrar a significação da imprensa, no rastro de uma modernidade iniciada com Gutenberg, no século 15, e para alcançar a sua importância na civilização cumpre conhecer os clássicos Da democracia na América (Tocqueville, 1835), Sobre a liberdade (Stuart Mill, 1850) e As Ilusões Perdidas (Balzac, 1843). Em registros diferentes (ciência, filosofia e literatura), são obras essenciais para se entender o jornalismo como uma estrutura básica na formação do espírito democrático, consciência social e exercício da cidadania.

Como estratégia metodológica, retomamos um argumento que se expressa no estudo de Habermas, ‘Modernidade, um projeto inacabado’ (1983), inspirado na obra de Weber, Economia e Sociedade (1922), revisitada por Rouanet, no ensaio ‘Verdade e ilusão do pós-moderno’ (1987), e atualizado por Castells, na obra monumental, A Era da Informação. Economia, Sociedade e Cultura (1999).

Norteados pela razão iluminista, os pensadores se empenharam em compreender e explicar o percurso histórico da modernidade (e suas fraturas). Esta perspectiva tem a vantagem de apresentar um sistema de pensamento que pode ajudar a entender a sociedade midiatizada. Mas é preciso saber absorver a luz sem se ofuscar; convém não perder de vista a inserção dos registros filosóficos e sociológicos que atualizam o debate contemporâneo, incluindo as noções de ‘pós-modernidade’ (MAFFESOLI, 2004) e ‘modernidade líquida’ (BAUMAN, 2001). É auspicioso sondar o trabalho de quem está ‘com a mão na massa’, convém conhecer, nessa área, as obras fundamentais: A pele da cultura (KERCKHOVE, 2009), A Galaxia Internet (CASTELLS, 2003), Antropológica do Espelho (SODRÉ, 2002) e O futuro da internet (LEMOS & LÉVY, 2010).

Dialogicamente, observamos o espectro da modernização tecnológica e sua relação com o desenvolvimento social, e buscamos interpretar o webjornalismo, neste contexto de modernização, que revela avanços nos setores da produção, distribuição e consumo de informação, e ao mesmo tempo, descompassos na esfera socioeconômica, política e educacional.

O site do Observatório de Imprensa – nosso objeto de estudo – está licenciado através do Creative Commons (mesma licença dos softwares livre), que, com base na cultura livre permite a cópia, distribuição e modificação de seus conteúdos gratuitamente, com a devida citação à fonte. A receita do site é adquirida através de banners discretos no topo de sua página e de propagandas incorporadas através do Google Adsense, um serviço que relaciona a publicidade com o conteúdo apresentado na página. O OI tem a sabedoria de assimilar e compartilhar os valores éticos do jornalismo clássico, e de atualizá-los na era digital, como um farol de orientação para os cidadãos, e-leitores, navegantes do ciberespaço.

O desafio que se coloca é compreender como o OI, que monitora a transformação dos fatos em reportagem, contribui para entendermos a disparidade entre as duas faces de um mesmo processo de modernização.

Assim, lançamos uma mirada sobre a Modernidade Social, abarcando o mundo vivido, que circunscreve os domínios do Cotidiano, da Economia e da Política. E sobre a Modernidade Cultural, abrangendo o mundo sensível, que contempla os domínios do Saber (incluindo a filosofia, a ciência e a técnica), da Ética (que reúne o habitus, a religião e a moral) e da Arte (que envolve o campo dos afetos e da razão sensível).

O Observatório da Imprensa se debruça analiticamente sobre a imediaticidade do discurso jornalístico, e – dado o seu vigoroso empenho de colaboração interativa – atua exitosamente no monitoramento das notícias. Trata-se de um dispositivo de mediacriticism, que contribui para a qualificação do trabalho jornalístico e revigoramento do debate público, por meio dos processos tecno-sociais colaborativos.

O OI se concentra na análise, comentários e proposições sobre o jornalismo de interesse geral (…), acompanhando matérias publicadas em jornais [e outras mídias] e fazendo-lhes a crítica. Em torno deste núcleo (…) uma produção diversificada de comentários, notícias e debates [também dos formatos e conteúdos digitais], por jornalistas, intelectuais, estudantes e leitores em geral (BRAGA, 2006: 109).

Capturamos algumas notícias no site, divulgadas na agenda midiática, que reportam os fatos de repercussão no espaço público, e sintetizam as coberturas do cotidiano, economia, política, ciência, comportamento e arte. E metodologicamente, agrupamos os títulos das notícias em blocos temáticos, definindo uma amostragem que, mesmo sem a exatidão da medição estatística, o grande volume de suas postagens e comentários servem como dispositivos sociotécnicos, que nos abrem eficazes janelas interpretativas. A estrutura e o funcionamento do site fornecem o exemplo concreto de uma plataforma, com todas as características do que se denomina hoje uma ‘rede social de comunicação’. O seu conteúdo é alimentado pelas narrativas de internautas, especialistas, autônomos, voluntários, que asseguram a dinâmica interativa do site.

Ingressando no Observatório, a partir de um simples comando no computador, acessamos às notícias e ao seu monitoramento, e daí em diante, com os sensores ativados, começamos a formar uma percepção crítica do noticiário. É por essa via que podemos entender o slogan: ‘você nunca mais vai ler jornal da mesma maneira’.

Para compreender a midiatização social (e sua crítica no OI), assimilamos as sugestões de profissionais que têm revigorado os estudos de jornalismo, do lado de dentro e de fora da mídia, como Muniz Sodré, Alberto Dines e Carlos Castilho.

Ouvidoria e monitoramento do cotidiano midiatizado

Observamos os temas recorrentes na mídia de massa (e pós-massiva), rastreados pela OI e sua comunidade de leitores-comentaristas, e detectamos uma incidência de enfoque sobre os eventos corriqueiros, que viram motivo de rumores e falatórios, tornando-se o depositório dos afetos coletivos. Verificamos, então, que as conversações cotidianas, em sua aparente banalidade, podem gerar consequências sociais e políticas imprevisíveis. Por exemplo, ‘Cala a Boca Galvão’ foi uma frase que virou um chiste e entrou para o jargão popular na Copa 2010, e extrapolando o sentido de uma piada nacional, transformou-se numa ocorrência política, pois Galvão é porta-voz esportivo da maior mídia de massa do país. Este case inusitado permitiu aos internautas fazerem a crítica da hegemonia da Rede Globo. E positivamente, as leituras intertextuais do OI nos revelam a tessitura das associações políticas e financeiras da CBF & Rede Globo, nos bastidores da Copa do Mundo.

Outro fait divers marcante foi criado em torno do caso da estudante Geyse Arruda (agredida e expulsa da escola supostamente por atentado à moral). Este caso, midiatizado, virou objeto de debate no OI. O título seguinte, ‘TV à manivela: a dama de rosa choque e o apagão nacional’ (OI, 17.11.2009), serviu de pretexto para uma discussão em rede, do universo das candidatas à celebridade, do ethos machista, da violência contra a mulher e, evidentemente, da espetacularização da notícia.

As matérias veiculadas no site são duplamente intituladas: a voz do OI e a voz do autor se emparelham. O primeiro título é do OI, o segundo é anterior (vem de outra mídia). Este expediente já antecipa um efeito dialógico que vai provocar a interatividade dos leitores, com eventuais críticas, comentários e edição de novos textos.

A matéria da seção Jornal de Debates do OI – ‘Celebridades do Esporte. O espetáculo e suas perversões’ (OI, 06.7.2010) – critica a cobertura do caso do goleiro do Flamengo envolvido num crime. O título seguinte, ‘Violência contra a mulher: um Brasil de Brunos e Elisas (OI, 21.07.2010), atesta o rigor da crítica do tratamento midiático à cobertura dos fatos cotidianos pela imprensa. Temos aqui, então, um exercício de midiacriticismo, apoiado nos recursos discursivos e tecnológicos, uma investigação coletiva da dimensão espetacularizada do jornalismo.

A matéria seguinte, ‘Funeral de Michael Jackson tem estrutura de megashow’ (OI, 08.07.2009), refere um acontecimento que abalou a sensibilidade jovem planetária. E, o site OI propicia uma leitura analítica, hipertextual, gerando o consumo crítico da notícia por processos de desmitificação. O culto exacerbado do ídolo e a perversidade de sua midiatização são escaneados pelo olhar crítico do OI. Mas isto só é possível com o expediente interativo, realizado pelos leitores-internautas, suas leituras, críticas, comentários e sugestões.

Com mais intensidade, predomina na mídia o registro dos desastres, crimes e fenômenos extremos. No contexto da reportagem dos acontecimentos cotidianos, observamos que, genericamente, os afetos tristes compõem uma parte nevralgica dos conteúdos midiáticos, nem sempre evidenciada de maneira ética e respeitosa.

A mercantilização da dor e sua construção de sentido são desmontadas nas postagens, críticas e sugestões em rede. Opondo-se à manipulação dos afetos, da estetização do sofrimento, o OI desarma as estruturas narrativas perversas, estimulando um tratamento mais ético às reportagens; vejam-se os seguintes exemplos:

‘João Hélio: sensacionalismo, o espetáculo e o insólito’ (OI, 02.03.2010); ‘Isabella Nardoni: O show não pode parar’ (OI, 30.03.2010); ‘Irmãos Cravinho – Tragédia dostoievskiana’ (OI, 25.07.2006); ‘TVs disputam entrevista com acusado do Caso Eloá’ (OI, 12.11.2008); ‘Elisa Samúdio – A vítima julgada pela imprensa’ (OI, 06.07.2010).

Os casos do menino João Hélio, Isabella Nardoni, Suzane Richthofen, Eloá Pimentel e Elisa Samúdio, cujas notícias e reportagens foram devidamente agendadas e criticadas nas páginas do OI, constituem ocorrências trágicas e dramatizadas à exaustão na mídia, que assume o papel de juiz, numa tribuna que não lhe foi outorgada.

Verificando o volume de acessos dos internautas, os comentários, as críticas e as réplicas dos autores, notamos um exercício de comunicação crítico e dialógico graças às interconexões e mediações sociotecnológicas geradas pelo OI.

A estratégia de monitoramento exercido pelo site conduz a uma versão mais fidedigna do acontecimento, e passa pelo olhar interativo também dos especialistas, conforme evidencia a matéria postada: ‘Processos Midiáticos. Reflexões sobre as dimensões do espetáculo’ (OI, 12.09.2005).

Os desastres naturais, queda de aviões, naufrágios e enchentes, igualmente, são contaminados pelo frenesi midiático de serializar os sinistros, objetivando capitalizar o pathos coletivo. Por meio dos processos técnico-enunciativos, as mídias formulam sua própria sentença, expedem certidões de culpabilidade, transformam o acontecimento trágico num circo midiático, que foge ao âmbito mais trivial da ética e da solidariedade humana. Em termos de uma teoria do acontecimento (e da interpretação), encontramos no campo das ciências da comunicação, um repertório sólido de contribuições que favorecem uma análise. As abordagens sociosemióticas de Charaudeau (2006), Fausto Neto & Verón (2003) e Muniz Sodré (2009), com insights esclarecedores, abrem novas perspectivas para entendermos as interfaces da mídia, discurso & poder.

A participação dos internautas, através do monitoramento das reportagens e sob o olhar vigilante de Alberto Dines, forja um espaço crítico e dialógico vigoroso.

O site se empenha na decupagem ético-interpretativa das narrativas midiáticas, que estruturam o imaginário coletivo, diferenciando a verossimilhança possível dos fatos e os efeitos de verdade simulados pela estratégia de espetacularização da notícia.

A economia das troc@s digitais

A partir de um recorte nas páginas do site, compusemos um bloco temático focalizando a interface Mídia e Economia, e a partir daí pudemos detectar os eixos argumentativos do debate público acerca desta conexão temática:

New York Times cobra acesso às notícias on line’ (OI, 13.07.2010); ‘Programa debate o fim do Jornal do Brasil impresso’ (OI, 20.07.2010); ‘Sustentabilidade financeira de noticiário une jornais e blogs’ (OI, 27.07.2010).

As notícias supracitadas, compartilhadas e analisadas pela comunidade virtual do O.I. desdobram os fatos econômicos e os disseminam em rede, fazendo articulações temáticas que instigam o debate na esfera pública informatizada.

Devido ao caráter horizontal, cooperativo e libertário da internet, as redes representam uma ameaça aos tradicionais detentores do poder midiático, o que coloca em crise – por exemplo – as experiências indesejáveis como o ‘coronelismo eletrônico’. A regra do ‘vale quanto pesa’ para os negócios do jornalismo, desde ‘Cidadão Kane’ até ‘Cidadão Murdoch’ – continua valendo. Presidente da News Corporation, um dos maiores conglomerados de mídia no mundo, Murdoch defende a comercialização das notícias pela internet. Entretanto, com o surgimento dos dispositivos de monitoramento – aprimorados pelas tecnologias de visibilidade e vigilância – tem ocorrido mudanças nas formas de enfrentamento e negociação entre os ‘donos das mídias’ e os internautas, ‘ativistas midiáticos’, que usam as redes como instrumentos de comunicação política, em defesa da participação gratuita dos indivíduos nos processos de decisão pública.

Para entender a economia de trocas na era digital é necessário reconhecer as modalidades recentes de produção, circulação e consumo, no bojo da nova economia informacional, que transfigura a tradicional economia comunicacional.

E, se a globalização propicia – para pior – a pulverização do jornalismo crítico-investigativo, reconfigura – para melhor – as redes sociais de informação, inaugurando um estilo de comunicação mais includente e participativo.

Nessa direção convergem os estudos de Antoun (2008), Silveira & Cassino (2003), e Lemos (2009), que apostam no uso gratuito das tecnologias de comunicação e no livre fluxo da informação, como fatores de empoderamento social.

Ao mesmo tempo, as redes trouxeram grandes vantagens para os profissionais liberais, autônomos, free lancers, equipados com as tecnologias digitais, usando os sites, blogs, twitters, podcasts: sem dispender muito dinheiro, estes vêm ganhando prestígio e credibilidade, e desta forma reconfiguram a balança comercial dos negócios jornalísticos.

As matérias jornalísticas capturadas, divulgadas e debatidas (pelos usuários em rede) acerca da interface Mídia & Economia, em sua maior parte, advêm das notícias de jornais, períódicos e revistas especializadas; partem também de ensaios e monografias, estudos acadêmicos, mas, sobretudo, se originam dos internautas indignados com o monopólio dos grupos econômicos dominantes no mercado sobre os bens culturais.

O empoderamento dos usuários, e-leitores, cidadãos

O OI nos apresenta instigantes análises dos fatos políticos, com a vantagem de atuar num ambiente de convergência tecnológica e uma hipertextualidade dinâmica que redefine os termos do espaço público informacional. Os olhares midiáticos sobre as crises políticas e institucionais estão sob permanente vigilância nas páginas do OI, conforme podemos constatar a partir da leituras e críticas das notícias, cujos títulos que se seguem:

‘A Imprensa diante do escândalo’ (OI, 26.03.2009); ‘O Caso Sarney: o coronelismo eletrônico sem controle’ (OI, 23.02.2009); ‘A política no ciberespaço’ (OI, 15.01.2008); ‘Processo eleitoral e o império midiático’ (OI, 13.04.2010).

Examinando o tratamento da informação política no OI, relembramos que a corrupção no poder, historicamente, tem acarretado prejuízos no processo civilizatório. Todavia, hoje, o controle social das tecnologias de comunicação – como podemos perceber – implica em novas estratégias de empoderamento social.

Na academia, a perspectiva crítica tem estado de olho na interface Comunicação & Poder, conforme demonstram as pesquisas de Gomes (2010), Lima (2004) e Trivinho (2007), entre outros. Há algo novo na midiosfera política, que exige um enfoque das mídias colaborativas, reunindo as contribuições da antropologia, sociologia, psicologia e semiótica mirando o fenômeno das redes; e é necessário, neste sentido, uma fundamentação teórico-conceitual e metodológica baseada nas experiências concretas vivenciadas no ciberespaço, como assinalam Lemos & Lévy (2010).

Na era da tela total, com as tecnologias móveis, de visibilidade e vigilância, os ambientes em que se instalam o poder se tornaram mais transparentes, e esta circunstância pode contribuir para um refinamento da ética, e para elevação da qualidade de vida política e social. A corrupção teme a transparência e a visibilidade, pois trabalha em segredo. Suas estratégias estão fadadas ao fracasso, na era das redes e telas globais. Ficou mais difícil roubar depois das microcâmeras fotográficas, canetas espiãs, celulares e mp3 com gravadores de som e laptops, conectados às editorias da imprensa e dos telejornais. Tudo isso provoca uma viralização perigosa, que pode fazer um bom estrago na carreira de qualquer político corrupto.

Nessa direção, apontamos a perspectiva crítica do controle social e monitoramento da comunicação, tema da obra Vigilância e Visibilidade, que mergulha fundo – empiricamente e teoricamente – na complexidade da cultura tecnológica:

Os parâmetros e limites com os quais estávamos habituados a ordenar o ver e o ser visto estão em trânsito. Ampliam-se e modificam-se as margens do visível, os modos de fazer, assim como os modos de ser visto. Desde o alto e da amplitude da ‘visão’ dos satélites e tecnologias de localização (GPS, GIS) até a visualização miniaturizada e individualizada das pequenas telas de celulares, palmtops e laptops, passando pelas câmeras de vídeo-vigilância cada vez mais presentes tanto nos espaços públicos quanto privados, ou ainda pelos discretos censores e tecnologias que monitoram o espaço físico e o informacional, tornando sensíveis processos usualmente desapercebidos e criando o que se convencionou chamar de realidade ou espaço ampliado, assim como formas sutis de vigilância de dados (BRUNO; KANASHIRO & FIRMINO, 2010).

A título de demonstração, organizamos as notícias relativas à política internacional, mapeadas pela ouvidoria do OI, num bloco temático que indica a inserção dos novos dispositivos interativos no cotidiano da experiência política:

‘Cuba: Governo bloqueia blog mais lido do país’ (OI, 25.03.2008); ‘Irã corta internet antes de protesto’ (OI, 07.12.2008); ‘Mídia e conflitos no Oriente Médio’ (OI, 13.10, 2009); ‘A Mídia na era do terror (OI, 11.09.2006); ‘Cobertura da imprensa no golpe da Venezuela’; ‘Quem tem medo de Hugo Chávez’ (OI, 20.11.2007).

Estes títulos revelam a inserção das tecnologias de comunicação no cerne dos conflitos. E mostram como os dispositivos informacionais – em escala mundial – favorecem a agilidade de novas ações afirmativas no universo político. A ubiquidade, instantaneidade e velocidade das mídias digitais propiciam leituras imersivas que nos informam a dimensão dos conflitos internacionais. E, o OI tem promovido a leitura dos confrontos e diálogos entre as facções antagônicas; como expressão feliz do wejornalismo, não cessa de apresentar elementos que contribuem para uma atualização do debate sobre a comunicação, poder e contrapoder. Ver a respeito, os estudos de Castells (2010), Antoun (2010), Bolaño & Brittos (2010).

Apostamos nas estratégias comunicacionais recentes, que têm encontrado nos meios telemáticos a oportunidade para agenciar novas modalidades de ampliação do debate público, promovendo uma visualização das mediações entre o Estado, a Sociedade e o Mercado dos bens culturais. Por aí, passa – por exemplo – a discussão do copyright (direitos autorais) versus o copyleft (direitos coletivos), a utilização da internet pelos partidos políticos e o uso das mídias portáteis, locativas, como celulares, driblando a censura, em países como Cuba, China, Venezuela e Irã, como nos revelam Lemos (2010); Amadeu (2001) e Recuero (2009).

As formas do saber: inteligência cognitiva, tecnologia e sensorialidade

Edgar Morin, na obra O Método [1973-2004], nos alerta para os níveis de complexidade da cultura contemporânea, em que a filosofia, a ciência e a técnica estão interligadas; logo, instiga-nos a compreender o estágio de democratização gerada pela modernização tecnológica, em que os saberes e competências – mesmo guardadas as suas especificidades – se equivalem.

Um dos eixos da agenda temática do OI, com relação à cultura, concerne ao problema da exigência da Educação de Nível Superior para os jornalistas; é um assunto que se presta a controvérsias e encontra no OI um espaço para a sua mediação, graças à interconectividade dos internautas, docentes, pesquisadores, jornalistas profissionais.

Os temas versando sobre a política educacional, referentes à formação superior do profissional de comunicação, se inscrevem dentre os mais polêmicos na agenda do OI, originando intervenções e diálogos bastante pertinentes, conforme podemos constatar a partir das leituras das notícias seguintes, comentadas no OI:

‘O fim da exigência do diploma’ (OI, 16.12.2003); ‘A volta do diploma de Jornalismo’ (OI, 13.07.2010); ‘Solução para crise da Imprensa pode estar na Universidade’ (OI, 24.04.2010).

Logo, percebemos que o OI permanece atento a este problema central na cultura da informação, a especialização, e investiga as conexões entre a mídia, a educação e a tecnologia, introduzindo a tematização do uso das ‘novas mídias’ no contexto jornalístico, como indicam as matérias monitoradas:

‘A revolução em 140 caracteres’ (OI, 17.11.2009); ‘Twitter pressiona uma mudança no foco da atividade jornalística’ (OI, 15.07.2009); ‘Novas mídias: blogs; Jornalismo Científico’ (OI, 24.08.2010).

Diante desses dados, notamos que a cultura digital insere inovações importantes principalmente no que respeita à interface Comunicação & Educação. Verificando o site, encontramos o compartilhamento de interpretações que demonstram a redefinição dos conceitos sociais sobre mídia e educação. Jornalistas, professores, estudantes, especialistas, a partir de um farto repertório de comentários, críticas e sugestões – por meio das conexões propiciadas pelo OI – apresentam o que há de básico neste debate, e formulam um consenso quanto à necessidade de uma formação simultaneamente científica e profissional, passando pelo crivo da escola.

A instituição escolar ainda é o lócus privilegiado para a reflexão e análise, onde nasce o gosto pela leitura e a produção do método; é a instância adequada para se discutir a prática teórica e profissional, e refinar a faculdade de julgar a partir de uma consciência ético-política. Todavia, a escola precisa estar aberta às experiências perceptivas, sensoriais, cognitivas extra-acadêmicas. E, no novo estilo de comunicação social estabelecido pelas mídias colaborativas, instalam-se mecanismos tecno-instrumentais geradores de afetos e perceptos que conduzem à aprendizagem.

O acervo de textos do OI, como tijolos de uma grande biblioteca virtual, favorece à pesquisa, ao ensino e à aprendizagem (presencial e semi-presencial), em plena mobilidade e de forma colaborativa, conforme demonstram as discussões em rede, a partir das matérias jornalísticas disponibilizadas.

As hipermídias contribuíram para a ampliação do debate, distinguindo os meros ‘sistemas educativos’ e os ‘sistemas midiáticos’, dos amplos ‘processos educacionais’ e ‘comunicacionais’ (Cf. BRAGA & CALAZANS, 2001).

Isso se torna evidente, na observação das entrevistas com educadores, intelectuais, jornalistas, que entram no jogo da interatividade, e se predispõem a receber os comentários, críticas e questionamentos, sem deixar de gravar as suas marcas interpretativas.

Neste sentido, são exemplares as entrevistas com Renato Janine Ribeiro, Roberto Damatta, Roberto D´Ávila, Afonso Romano de Sant´Anna, entre outros, cuja participação no OI abre janelas importantes para entendermos a lógica social das competências cognitivas emergentes na era da informação. Por este prisma, Carlos Castilho discute a pertinência do ‘Jornalismo em rede como ponto de encontro entre profissionais e amadores’ (OI, 19.12.2009), e analisa como o ‘Livro Digital ensina leitura crítica da imprensa’ (OI, 05.10.2009). Convém reconhecer, o empoderamento comunicacional do e-leitor-internauta-cidadão: dependendo da maneira como este interage com as informações online, usando veículos como o OI, tem a chance de potencializar o seu capital cognitivo, intelectual; pode ler (e interagir) na internet, explorando as bibliotecas virtuais, os sites dos periódicos e revistas especializadas.

A ética e o ethos midiatizado

Aqui se vai procurar mostrar que a mídia (‘meios’ e ‘hipermeios’) implica uma nova qualificação da vida, um bios virtual. Sua especificidade, em face das formas de vida tradicionais, consiste na criação de uma eticidade (costume, conduta, cognição, sensorialismo) estetizante e vicário, uma espécie de ‘terceira natureza’. À maneira do ‘anjo’, mensageiro de um poder simultâneo, instantâneo e global exercido num espaço etéreo, as tecnologias da comunicação instituem-se como ‘boca de Deus’: uma sintaxe universal que fetichiza a realidade e reduz a complexidade das antigas diferenças ao unum mercado (SODRÉ, 2002, p.11).

Sodré parece severo ao contemplar a condição social nos tempos da cibercultura, mas a sua análise é lúcida e esclarecedora; desnuda com originalidade os meandros das relações entre os indivíduos com a ‘terceira natureza’. Os seus argumentos vêm a calhar para uma compreensão das decalagens entre o ágil processo de modernização tecnológica e o lento processo de modernização social. A sua ‘teoria da comunicação linear e em rede’ faz um diagnóstico preciso, mas pressupomos que não esgota o tema da ética (e das ‘moralidades pós-modernas’). Distintamente de Castells (2009), indicando as formas de ‘empoderamento social’, Braga (2006), apontando os ‘sistemas sociais de resposta’, Kerckhove (2009), enfocando as redes neurais e as identidades na nova realidade eletrônica, e Christofoletti (2008), demarcando os olhares da cidadania.

Para além da simples ‘netiqueta’ que, em tese, norteia os procedimentos comunicacionais em rede, buscamos entender como o OI apresenta em suas páginas um repertório crítico e significativo das discussões que envolvem a interface Ética & Comunicação. Rastreamos os temas ligados às instituições políticas, civis e religiosas e as estratégias de crítica social, e as agrupamos num bloco sob a rubrica da Ética:

‘Os manés, bispos e espertalhões’ (OI, 18.08.2009); ‘O Poder da mídia em transformar bandidos em mito’ (OI, 19.01.2003); ‘A moral provisória do jornalismo’ (OI, 24.03.2009); ‘Transparência, o grande desafio da imprensa na era digital’ (OI, 07.07.2010); ‘Mídia & Pirataria: os Robin Hoods eletrônicos’ (OI, 21.10.2008).

Observando o noticiário monitorado pelo OI, no contexto de uma discussão sobre ethos e comunicação, encontramos um feixe de enunciações que ajudam a decifrarmos as conexões da mídia, ética e política. Tais enunciações, entre outras consequências, instigam um questionamento sobre a midiatização da fé numa sociedade laica. Evidentemente, o conjunto temático circunscreve uma problemática que se articula com as questões econômicas e políticas estruturais, mas aqui adquire traços particulares, solicitando uma discussão do papel da mídia face aos fundamentalismos religiosos e mercadológicos.

Um dos avanços que se coloca no cerne das ‘novas mídias’, com espaços mais abertas aos conteúdos tratados superficialmente nas mídias de massa, se traduz na possibilidade de aprofundamento, exercício crítico e dialógico das notícias mais complexas como: a convivência entre o Estado laico, a sociedade liberal e a experiência religiosa. No fundo, projeta-se no debate público informacional, a desconfiança geral sobre os dízimos eletrônicos e a mercantilização da fé. E, num outro extremo, discute-se a naturalização católica das instituições oficiais, num país marcado pelo sincretismo religioso e cultural.

O que está em jogo, na Idade Mídia, é a relação das novas tecnologias de comunicação com o princípio democrático, livre dos dogmas e verdades absolutas, uma interface delicada que passa pela redefinição dos conceitos de esfera pública e esfera privada. E neste contexto, em que convergem – eticamente, politicamente e economicamente – os discursos diferenciados, instala-se a dimensão contracultural, resistindo aos poderes hegemônicos (do Estado e das grandes corporações), incluindo os hackers, que ocupam lugares importantes no campo da comunicação e esfera pública contemporâneas.

E revisitando o espaço crítico liberado pelas tecnologias cooperativas do OI, verificamos que ali têm sido observadas diversas práticas socio-discursivas em favor da liberdade da expressão e da comunicação. Para uma argumentação atualizada sobre estes temas, podemos consultar os trabalhos de Lemos & Josgrilberg (2010), Sá (2010), Amaral (2006) e Morais (2010), que fustigando os domínios da arte, técnica, economia e política das mídias digitais, alertam para os processos de ressignificação da pirataria no ciberespaço.

O estado da arte do belo na era digital

De olho na configuração polifônica, multimidiática e hipertextual do OI, que absorve – dialogicamente – várias vozes, afetos e discursividades, e pensando na ecologia da comunicação contemporânea, atravessada pelas tecnologias audiovisuais, percebemos que as artes se infiltraram nos diversos espaços cotidianos, gerando transcendências efêmeras que reconfortam inúmeras tribos contemporâneas. E, ao mesmo tempo, se dissemina uma estetização social promovida pelas indústrias culturais, que – sedutoramente – ainda modelam uma grande parcela do gosto social. Mas não podemos perder de vista que os usuários, estetas, cidadãos, encontram oportunidades inéditas, trabalhando coletivamente, em meio às brechas deixadas pelas mídias abertas, e transformando qualitativamente a apreciação e crítica da criação artística.

Num opúsculo recente, Santaella lança uma indagação instigante: ‘Por que as comunicações e as artes estão convergindo?’ (2005). A questão nos interessa para explorar as formas emergentes do jornalismo e da arte na era da ‘virtualidade real’. E nos leva a repensar a política cultural, os problemas de competência e legitimidade dos discursos dos artistas e empresários, os critérios de objetividade e subjetividade, as questões de autoria e de pirataria, as regulamentações jurídicas, a liberação dos suportes tradicionais e o uso coletivo dos meios. Logo, notamos que não há fronteiras muito rígidas no campo polifônico da comunicação, enquanto arte, ciência, técnica e política. E em termos de uma epistemologia voltada para um setor específico do campo da comunicação, diríamos que essa regra é válida também para exercício do jornalismo.

Estas questões são projetadas no conteúdo das reportagens, monitoradas pelo OI que, em linhas gerais, se voltam para o exercício do jornalismo cultural, crítica da cultura de massa, da concentração do poder e da mercantilização cultural.

Na pós-modernidade, o cotidiano se tornou estetizado; os atores sociais interagem mais movidos pelos afetos do que por mediações racionais. E experimentamos um processo que já vinha ocorrendo desde a ‘modernidade tardia’ da cultura audiovisual, mas que agora se intensifica e se acelera, através dos dispositivos digitais, conectados entre si, como o Orkut, My Space, MSN, YouTube, Second Life. E o desafio que se impõe é entender em que medida essa experiência cultural implica em autonomia, participação e avanço nos processos sócio-comunicacionais.

Numa ambiência aparentemente desordenada os artistas, desafiando os grandes piratas da indústria fonográfica, compartilham a sua poética musical, e atualizam uma revolução acústica e visual, antecipada pelo rock, o pop, o underground, mas que agora se mescla com as imagens do cinema 3D, vídeo-holografia, moda e publicidade.

De fato, na era digital, assistimos a uma transfiguração das belas artes, que são mixadas com as tendências emergentes. Uma arte minimalista, transitória e descartável, que adquire outra significação, quando revigorada pelos processos digitais e comutativos, como nos expõe, na teoria e prática, Giselle Beiguelman:

Formatos emergentes reinventam os modos de difusão das imagens e anunciam o cinema da era da conexão. (…) Nunca tantas imagens foram produzidas. E mais importante, nunca foram colocadas tantas imagens em circulação. A popularização das câmeras digitais e a multiplicação dos canais de distribuição explicam essa situação. Mudam com isso modos de produzir e consumir vídeo e cinema, implicando novas concepções de imagem e circuito, como o Open Video e o Cinema 4k (BEIGUELMAN, 2010).

Neste contexto se reúnem os estetas, empresários, artistas, jornalistas, intelectuais, outsiders da sociedade pós-industrial, ritualizando uma conexão global de todas as tendências. Isto seduz a sensibilidade dos jovens, que sempre constituíram as tribos rebeldes, contestadoras e criativas na história da cultura, e hoje, usando os recursos informacionais disponíveis, elaboram outras artes e novas linguagens, liberando outra experiência estética. O OI permanece atento a emergência das experiências artístico-criativas e as novas dimensões estéticas, cognitivas e sensoriais que fervilham na era da informação, sinalizando linhas evolutivas para a modernização e desenvolvimento social, conforme podemos vislumbrar a partir das seguintes notícias:

‘Curta brasileiro ganha concurso no YouTube’ (OI, 06.12.2007); ‘Arte & Tecnologia. Conhecimento popular e suportes midiáticos’ (OI, 08.12.2009); ‘Ciência, Tecnologia e Arte. As tramas da rede’ (OI, 19.10.2004); ‘Um nada admirável mundo novo’ (OI, 17.02.2004); ‘Comunicação em Rede. Pessimismo da inteligência e otimismo da vontade’ (OI, 30.10.2010).

Observando o trabalho dos artistas e suas críticas, e avaliando o contexto sociotécnico e cultural, em que os sites, plataformas e ambiências são investidos de procedimentos lógicos, afetos e significações, através de críticas e comentários, o OI nos ajuda a entender as tramas que envolvem a economia, a política e a tecnologia nos novos mercados da criação. Assim, no fim das contas, o OI abre as portas para uma contemplação das relações entre a arte e a comunicação, para iniciantes e iniciados.

Considerações finais: o espaço crítico, para além das mídias digitais

O público, cada vez mais, percebe que a relação com os meios de comunicação pode ir além do simples contrato de receber passivamente pacotes de informações e entretenimento. O público, cada vez mais, quer participar do processo, quer interagir, opinar, criticar e sugerir. Essa mudança de cultura já está infiltrada nas sociedades e ganha maior evidência nos contextos em que a democracia está mais consolidada. Isto é, hoje, a cidadania também é exercida na arena da mídia, na frente da TV, ao pé do rádio, diante da telinha do computador ou das páginas impressas. Nas últimas duas décadas, diversos instrumentos de participação e leitura da mídia foram criados, disseminados e aperfeiçoados. Entre os mais evidentes desses dispositivos, estão os observatórios de mídia, que se ocupam não apenas de ler os meios de comunicação, mas também em difundir uma cultura de consumo crítico das informações veiculadas. Uma espécie de vitrine, esses observatórios funcionam como janela da mídia para a sociedade e espelho de uma dimensão da sua cidadania. In: Observatórios de mídia: olhares da cidadania(CHRISTOFOLETTI, 2008).

Procuramos observar as inscrições das mídias digitais no contexto da ‘comunicação aberta’, configurada pelo OI. E, objetivamos investigar o desempenho do webjornalismo, perseguindo a ideia de que esta modalidade midiática funciona como uma ferramenta de controle social e monitoramento, num contexto paradoxal e contraditório, em que a modernidade tecnológica (incorporada pela cibercultura) se relaciona com as demandas sociais ainda de maneira desbalanceada.

Persistem ainda as formas verticais de informação impedindo o melhoramento da comunicação, educação & cultura. Todavia, numa época, em que as tecnologias da comunicação se expandem, recorremos a Hermes, uma figura incontornável no campo da filosofia, antropologia, estética e sociologia: o espírito de Hermes (o mensageiro dos deuses) retorna, atualizando o princípio de que a comunicação significa o caminho para o êxito nos empreendimentos humanos. Mas, conhecendo os céus e os infernos, alerta para o fato de que este caminho não ocorre sem turbulências, e que o sucesso da comunicação depende do enfrentamento dos conflitos e adversidades.

Logo, contemplamos a comunicação contemporânea analisada pelo Observatório da Imprensa, por um viés hermético, histórico interpretativo, atento às diversas mediações realizadas por este exemplo vivo e dinâmico de webjornalismo.

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Professor associado, PPGC/UFPB, doutor em Ciências Sociais, Sorbonne; mestre em Comunicação, UnB; pesquisador em televisão; ficção seriada; mídias digitais; autor do livro Dionísio na Idade Mídia. Estética e Sociedade na Ficção Televisiva Seriada, Ed. UFPB,2010