Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A ficha não caiu!

Na história do Brasil existem vários casos em que se tornou evidente a ação dos meios de comunicação para a manutenção do status quo. Em geral, a narrativa favorável às classes hegemônicas é uma constante na rotina do país, mas alguns casos tiveram maior destaque, dada a importância das ocasiões em que ocorrem. Apenas para citar alguns exemplos, temos o golpe militar de 64, efetivado contra demandas sociais por redistribuição de renda e feito com amplo apoio da mídia; a eleição de Fernando Collor; o alinhamento com o aprofundamento do neoliberalismo no país na década de 90, especialmente do governo FHC.

Neste artigo, abordamos essa problemática à luz de um caso específico muito concreto: a publicação, na Folha de S.Paulo (FSP), de uma ficha atribuída aos arquivos da ditadura militar – e depois descoberta como falsa –, com crimes associados à ministra Dilma Rousseff, e de matérias correlatas que a designavam como ‘terrorista’. A maneira pela qual o jornal ‘construiu’ e narrou esse fato tem continuidade com a maneira pela qual a imprensa hegemônica narrou o golpe militar e ajudou a legitimar e sustentar a ditadura.

A ficha falsa de Dilma Rousseff

Em 5 de abril de 2009, a FSP publicou uma matéria de três páginas (Folha de S. Paulo, 5 abr. 2009: A8-A10) e chamada no alto da primeira página sobre um suposto envolvimento da então ministra Dilma Rousseff, quando militante contra a ditadura militar, no plano para o sequestro não realizado do então ministro da Economia, Delfim Netto. Uma das fontes apresentadas pela FSP, publicada com destaque, foi uma ficha que, segundo o jornal, teria sido copiada dos arquivos do Dops (Departamento de Ordem Política e Social). Essa ficha depois teve sua falsidade comprovada, entre outros meios, por dois laudos: um da UnB (Universidade de Brasília) e outro da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Nela, Dilma Rousseff é classificada como ‘terrorista’ e ‘assaltante de banco’, havendo ainda o carimbo de ‘Capturada’ e o registro de outros crimes, como planejamento de assassinatos e militância.

Em entrevista, publicada junto com a ficha, a Fernanda Odilla, a mesma repórter que assinou a matéria, Dilma Rousseff negou veementemente ter participado de formas de militância armada e disse nem sequer saber da existência de um plano para sequestrar Delfim Netto. No entanto, o jornal, sem maiores apurações, publicou, em letras garrafais, manchetes que a associavam ao caso. Os desdobramentos evidenciaram a existência de fontes insuficientes para a publicação de matéria com acusações de tal gravidade; a não comprovação das poucas fontes e a manipulação grosseira de algumas. Publicou-se que a ficha falsa pertencia aos arquivos do Dops. Mas, na semi-retratação publicada 20 dias depois, o jornal reconheceu que a ficha não era proveniente do arquivo e que a havia recebido por e-mail. Não informou, no entanto, quem a teria enviado.

A única outra pessoa ouvida – por telefone, assim como a ministra – foi o atual professor universitário e jornalista Antonio Espinosa, também ex-militante contra a ditadura. Segundo a matéria, Espinosa teria afirmado que Dilma Rousseff teria participado dos planos para o sequestro não ocorrido de Delfim Netto. Entretanto, após a publicação da matéria, Espinosa enviou carta à FSP na qual negou isso com sólidos argumentos:

‘Chocou-me, portanto, a seleção arbitrária e edição de má-fé da entrevista, pois, em alguns dias e sem recursos sequer para uma entrevista pessoal (…), a repórter chegou a conclusões mais peremptórias do que a própria polícia da ditadura, amparada em torturas e num absurdo poder discricionário. Prova disso é que nenhum de nós foi incriminado por isso na época pelos oficiais militares e delegados dos famigerados Doi-Codi e Deops e eu não fui denunciado por qualquer um dos três promotores militares das auditorias onde respondi a processos’ (…) (AZENHA, 6 abr. 2009).

É revelador que o jornal associe à ministra e à resistência vários ‘crimes’, mas não faça nenhuma menção à quantidade de pessoas mortas ou torturadas pela ditadura, bem como não contextualiza o caso, explicando o que foi e o que significou a ditadura. O jornal prometera publicar a carta de Espinosa na edição da segunda-feira, dia 6 de abril de 2009, um dia depois da publicação da matéria, mas não o fez. O autor distribuiu a carta a blogs e sites independentes, que fizeram larga divulgação dela, além de levantar questionamentos à matéria jornalística e apontar-lhe inúmeras falhas grosseiras, o que no decorrer dos desdobramentos acabou por derrubar completamente os argumentos da FSP.

A ficha havia sido criada digitalmente por sites de extrema-direita, incluindo alguns de militares reformados remanescentes da ditadura (cf. Coturno Noturno, abr. 2009), e circulava na internet meses antes da publicação da matéria (NASSIF, 7 jul. 2009). Após ter duas cartas enviadas ao jornal não publicadas, no dia 8 de abril, Espinosa escreve indignado à FSP, dizendo entre outras coisas, que o jornal não a publicou não por motivos burocráticos, ‘mas porque quer ter o monopólio da verdade e manipular seus leitores’, e desafiou o periódico a publicar sua entrevista na íntegra (Cloaca News, 7 abr. 2009). Mesmo com recomendações do ombudsman do jornal para que a entrevista completa de Espinosa fosse publicada ao menos na Folha Online, isso jamais ocorreu. O jornal, após a reclamação indignada de Espinosa, viu-se forçado a publicar no dia 8 de abril sua segunda carta, cuja publicação na edição de 7 de abril já havia sido negada.

Vinte dias depois da publicação da matéria, após surgirem por todos os lados indicações precisas e incontestes de que a ficha era falsa, a FSP simplesmente disse em sua semi-retratação que a autenticidade não pode ser assegurada, mas também não pode ser descartada. Se não pode ser assegurada, por que foi publicada, uma vez que contém acusações tão graves? Se em 5 de abril tivesse ocorrido um erro involuntário (embora o ombudsman tenha informado que a reportagem foi produzida durante quatro meses), os 20 dias subsequentes, com tantas evidências de falsidade demonstradas em sites, blogs, teriam sido suficientes para o reconhecimento e a devida reparação.

Vendo que o jornal não faria maiores esclarecimentos com relação ao caso, a própria pessoa afetada pela matéria, a então ministra Dilma Rousseff, encomendou dois laudos a instituições de pesquisa – a Finatec (Fundação de empreendimentos científicos e tecnológicos), instituição ligada à UnB, e o Instituto de Computação da Unicamp. Em síntese os laudos diziam:

‘Concluímos que o arquivo foi fabricado digitalmente e seus elementos processados a partir de origens distintas como: a fotografia é analógica; todo o texto e seu template são digitais’ [trecho do laudo da UnB, disponível na internet no endereço citado na nota anterior].

A FSP desmereceu os laudos em matéria [publicado na versão impressa (em 28 jun. 2009) e na digital do jornal. Disponível aqui, acesso em 12 mai. 2010] publicada após o recebimento dos mesmos por terem sido contratados pela pessoa prejudicada pela matéria. Afirmou ter contratado peritos para fazer nova análise da ficha, mas não citou nome de nenhum deles e jamais apresentou laudo algum. O jornal encerrou o assunto com esse semi-desmentido e jamais voltou a ele, deixando vários esclarecimentos por fazer, a despeito das veementes cobranças do ombudsman, da pessoa prejudicada e de vários segmentos da sociedade.

Em 5 de julho de 2009, o ombudsman da Folha de S.Paulo abordou o tema pela quarta vez, apontando a insuficiência do jornal na resposta dada: ‘Considerei insuficientes as justificativas para os erros cometidos e sugeri uma comissão independente para apurá-los e propor alterações de procedimentos para evitar repetição’ (Folha de S.Paulo, 5 jul. 2009: A4).

A Folha jamais identificou a fonte que enviou a ficha por e-mail nem apresentou laudo algum. O caso ficou longe de ser suficientemente esclarecido. O jornal passou ao largo das indicações do ombudsman e canais independentes na internet demonstraram de maneira eloquente a ocorrência de ‘fraude’ (cf. MORETZSOHN, 28 abr. 2009; ANDRADE FILHO, 29 abr. 2009).

Por todos esses desdobramentos, aqui abordados muito sucintamente, constata-se que a matéria pretendeu desencadear uma campanha de destruição de reputação e capital simbólico da pessoa atingida – no caso, a ministra Dilma Rousseff, possível candidata pelo campo da esquerda à presidência da República. O caso não é isolado na imprensa hegemônica brasileira, como veremos abaixo.

Contextualização histórica

Vivemos em uma sociedade nacional extremamente desigual. Tal problema constitui um dos primeiros itens da agenda do país, senão o primeiro. A desigualdade é fruto de longa história, que remonta à colonização. Neste contexto de sociedade econômica e socialmente desigual, a imprensa também se constituiu e consolidou de forma desigual, concentrando-se nas mãos de poucos grupos ou mesmo sendo posse de alguns políticos conservadores, chamados de ‘coronéis eletrônicos’. Ao longo da história, nota-se a tendência de predomínio da mídia ligada à ideologia das classes dominantes, que, com raras exceções, procuram conservar e reproduzir a estrutura de classes. Constatamos isso com base em vários autores, particularmente Nelson Werneck Sodré, que publicou o estudo mais abrangente sobre a história da imprensa brasileira (1999), e René Dreifuss (1981), que estudou o período da ditadura militar. Também o antropólogo Darcy Ribeiro é importante referência. Na obra em que sintetiza toda a sua vida de estudos, O povo brasileiro, analisando a formação sócio-antropológica do país e questionando-se por que o Brasil ainda não deu o salto de qualidade que tanto se espera, identifica como raiz do problema a enorme desigualdade social e afirma que a imprensa hegemônica tem um papel importantíssimo em sua manutenção (2007: 239).

A relação entre imprensa e classes dominantes pode ser observada ao longo de toda a história do país, desde sua implantação no período da colonização, tendo havido alguns períodos de maior variedade e independência. Procuraremos nos ater, por limite de espaço aos períodos mais estritamente ligados ao nosso objeto, a ditadura militar e o momento atual da política brasileira.

Nos anos 1960, quando o país pôs a desigualdade em discussão, com indicativos de reformas de base (agrária, urbana, educacional, bancária, administrativa e fiscal), forças sociais reacionárias e contrárias a modificações na ordem estabelecida (políticos conservadores, representantes de oligarquias nacionais e regionais, empresários, imprensa, militares, setores religiosos conservadores, amplos setores da classe média e das classes mais elevadas, com apoio dos EUA) se uniram para preparar e executar o golpe militar de 1964. Durante os 20 anos de vigência do regime autoritário implantado pelo golpe, sob a justificativa de que era preciso ‘crescer o bolo para depois reparti-lo’, as desigualdades sociais aumentaram em larga escala. A imprensa hegemônica da época, que com o apoio da ditadura aumentou sua concentração, foi uma das forças que se puseram a favor do golpe e ajudaram a dar sustentação ao regime na maior parte do tempo em que este vigorou (SODRÉ, Nelson, 1999: 391-449).

Hoje, finda a ditadura há quase três décadas, podemos pensar que seu ideário, nascido como resposta ao crescimento do anseio e das ações concretas por distribuição de renda, está superado. Todavia, o caso específico aqui abordado indica que a situação pode não ser essa. O ideário que produziu a ditadura e suas ligações com a imprensa ajuda a compreender a sistemática oposição desta ao governo Lula, particularmente a políticas e iniciativas que favoreçam a diminuição das desigualdades e a quebra de privilégios das classes dominantes. Embora o governo não tenha promovido uma mudança radical na estrutura da sociedade brasileira, muitas pessoas conseguiram considerável mobilidade social. Desde 2003, segundo o IBGE, mais de 19 milhões de brasileiros saíram da condição de miséria (ALMEIDA, 5 nov. 2009). No extremo inferior da pirâmide social, segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas, as classes D e E também estão encolhendo, com maior número de famílias ascendendo à classe C. A informação é de extrema relevância, e alguns analistas estranham o fato de que a imprensa não tenha manifestado maior interesse pelo assunto.

Nesse contexto, o caso da ficha falsa que envolve a ministra da Casa Civil, candidata do governo nas eleições deste ano, é emblemático para compreender a atuação da imprensa brasileira no passado e nos dias atuais, sobretudo no que concerne à questão da desigualdade social em suas ligações com a política. Em circunstâncias semelhantes, forças reacionárias sempre procuraram criminalizar, como forma de desacreditar, os movimentos sociais e políticos contrários ou que pelo menos inspirassem alguma suspeita de transformação social. O campo político ao qual está ligada a candidata Dilma Rousseff, embora não tenha feito até aqui nenhuma drástica alteração nessa ordem, tem feito e sinalizado fazer transformações significativas.

Desigualdade social e estratégias de comunicação

Há muitas teorias da comunicação que abordam as interfaces sociais da comunicação a hegemonia, o controle e cultivo da informação, do poder, do conhecimento e das relações disso tudo com o capital. Abaixo, analisaremos nosso objeto com base em algumas dessas teorias.

A construção de fatos e as forças que agem sobre as matérias jornalísticas

Como ponto de partida dessa terceira parte, temos a conceituação e problematização de ‘fato’ (fato social, jornalístico e construção de fatos) feitas por Muniz Sodré. Na concepção do ‘espírito positivo’ da idade moderna, que marca a humanidade e suas ideias de cognição até hoje, fato é uma experiência sensível da realidade. A cada fato deve corresponder um dado possível, uma sensação, de modo que a intuição empírica se torna a fonte de todo saber. Vale apenas o empiricamente observável. O jornalismo incorpora o espírito do positivismo e o senso comum sobre os fatos, cultivando aquilo que Muniz Sodré (2009) chama de ‘mito da neutralidade’, expresso, por exemplo, no Manual da redação da FSP como apartidarismo, pluralismo, neutralidade, maior objetividade possível, segurança das fontes, checagem e cruzamento de informações (2001: 17, 19, 47). Após a crítica ao positivismo, sabemos que, mesmo com todo o rigor, a objetividade total não é possível. A notícia é constituída por estratégias de construção do acontecimento, como vimos no caso que é nosso objeto de estudo. Muitas vezes os acontecimentos narrados podem nem ser reais, mas fictícios, como indica Muniz Sodré. A disputa pela hegemonia sobre as representações sociais atravessa essas estratégias de construção dos fatos. Para Sodré, a mídia constrói realidade e esferas existenciais (2009: 25).

No caso da ficha, percebe-se uma iniciativa evidente de, no contexto do debate político eleitoral atual, tematizar assuntos negativos para a então pré-candidata Dilma Rousseff, o que se insere numa tematização maior, batizada pelo jornalista Luiz Carlos Azenha como ‘demonização da Dilma’ (AZENHA, 21 ago. 2009). O caso em estudo trouxe à baila o tema da luta armada e de episódios de 40 anos atrás, mas não tematiza as razões da resistência, as mazelas da ditadura e as que levaram a ela.

Em linha convergente, a teoria espiral do silêncio [desenvolvida por Elisabeth Noele-Neumann. Cf. SOUZA, Jorge, 1999: 109-112] afirma que os meios de comunicação tendem a consagrar maior espaço às opiniões dominantes, reforçando-as e contribuindo para ‘calar’ as minorias pelo isolamento e pela não referenciação, de modo que exercem assim uma influência forte e direta sobre as audiências, a curto e a longo prazo, e provocam mudanças de opinião e de atitudes. No caso em estudo, a não referenciação se deu na ausência de qualquer menção às causas dos movimentos contrários à ditadura.

Hegemonia e ‘fascismos sociais’

Alguns postulados da escola de Frankfurt e de Gramsci são perceptíveis em nosso objeto de estudo. Os meios de comunicação hegemônicos aparecem como mediadores entre estratos sociais detentores de maior poder econômico e as classes populares. Engajam-se em tentativas de dominação e reprodução da ideologia em favor de uma estrutura social desigual. Parte da população tende a aderir a valores difundidos pela força da indústria cultural, embora haja resistências e negociações quanto a isso, como discutiremos adiante, em 3.3.

Os meios de comunicação se inserem nos processos e mediações da sociedade desigual brasileira. Eles não criaram a desigualdade, esta começou a existir antes deles. Mas, desenvolvendo-se nesse contexto, foram sendo apropriados em sua maior parte pelas classes com maior poder econômico, que passaram a controlá-los e a usá-los em favor de sua posição social. Ao longo da história do país, embora tenha ocorrido períodos de maior diversidade de expressão na imprensa, esta tende a ser um fator que colabora na reprodução da desigualdade social, sendo que a partir da ditadura militar a concentração da imprensa que já vinha se reforçando, aumenta gravemente.

Manifesta-se claramente nesses processos sociais marcados pela desigualdade profunda aquilo que Boaventura Souza Santos chama de fascismo social (SANTOS, Boaventura, 2006: 333-337), o qual não precisa sacrificar a democracia para promover os interesses do sistema. Em nosso objeto de estudo, esse fascismo aparece de forma mais evidente na tentativa de eliminar simbolicamente o adversário pela sua ‘demonização’ ao taxar pessoas e movimentos sociais e políticos de ‘terrorismo’ e ‘crime’, que é uma face da exclusão por interditos determinando o que deve ser rejeitado, segregado, torturado.

Sistemas de mídia, sistemas políticos e construção social da realidade

Há nos processos de comunicação uma maior complexidade do que as estratégias de dominação parecem supor: resistências por parte da audiência ao que é tematizado; predisposições a aceitar rejeitar ou negociar com o que é enunciado pelos meios de comunicação; mediações sociais, lideranças, grupos de relacionamento que problematizam e discutem os enunciados; processos culturais maiores que os gerados pelas mídias; resultados diferentes dos planejados pelas estratégias de comunicação, perda de credibilidade dos meios de comunicação.

Embora haja todas essas resistências e efeitos colaterais apontados não se pode negar que a tematização e os silenciamentos feitos pela grande imprensa têm um peso elevado na vida social e política brasileira. Especialmente por não termos uma satisfatória consolidação democrática das instituições, a começar pela imprensa, que permanece muito concentrada, como ao longo da história, em particular como foi propiciado pela ditadura. O regime autoritário é recente e muito do que construiu, dentre isso uma mídia concentrada e conservadora, continua presente nas instituições e no sistema político atual.

Essa relação entre sistema de mídia e sistema político vai sendo superada à medida que a sociedade ganha maior traquejo no exercício da democracia; as instituições se consolidam; os meios de informação se diversificam e a escolaridade aumenta. Nesse sentido, nas eleições de 1989 a força da mídia foi bem mais decisória para os resultados que em 2006, sendo que a imprensa conseguiu com muito maior facilidade promover Collor e demonizar Lula naquele ano. Em 2006 tentou algo parecido, mas acabou não tendo os mesmos resultados.

Embora pareça que a ação da imprensa já não ganhe eleições, como se pôde observar em 2002 e 2006, eleições em que seu candidato preferido perdeu (SOUZA, Florentina, 2007). Não se pode negar seu peso em decisões políticas e cultivo de ideologias. A cada tema político que possa mexer em seus interesses e de grupos que a apoiam, a imprensa age fortemente para evitar mudanças. Essa é uma das forças, por exemplo, que fez com que a Constituição de 1988, atualmente em vigor, mantivesse as mesmas estruturas de propriedade e de sistemas de comunicação legadas pela constituinte autoritária de 1967 (SAFATLE, TELES, 2010: 41, 68, 75). Essa força é exercida seja pelo agendamento de discussões e de temas, seja pela capacidade da imprensa em prejudicar ou promover políticos que defendam tais interesses.

Embora os processos de mediações sociais e culturais sejam mais amplos que a imprensa hegemônica, a força de enunciação desta é um ator significativo na modelação social do conhecimento a longo prazo, por meio do controle do acesso e da distribuição da informação. Para os autores da teoria da modelação social do conhecimento [teoria formulada por G. A. Donohue, P. J. Tichenor e C. N Olien. Cf. SOUSA, Jorge, 1999: 117-123], o controle do conhecimento é essencial para assegurar a manutenção do poder (SOUZA, Jorge, 1999: 99-106; 109-112; 117-123). Seguindo essa mesma orientação, a corrente da sociologia interpretativa, com os autores Berger e Lukmann [P. BERGER; T. LUCKMANN, Cf. SOUZA, Jorge, 128-131] e sua teoria denominada construção social da realidade, afirma que a realidade se constrói socialmente; o jornalismo tem efeitos sobre a contínua reconstrução social da realidade, uma vez que exerce ação sobre ela (SOUZA, 1999: 86-87). Segundo eles, a vida social se constitui por e através de um processo permanente e multifacetado de comunicação, no qual a comunicação social é um agente ecossistemático e institucionalizado capaz de participar, a um só tempo, na modelação e na reconstrução sucessiva da realidade.

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Jornalista e estudante de Comunicação e Semiótica na PUC/SP