Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A Guerra Fria ainda não acabou

Os exemplos de modelos revolucionários e socialistas deram errado no último século. Políticas socialistas na China, na antiga União Soviética e em Cuba resultaram em opressão, ditadura, fome, pobreza e outros males. Isso fez com que a imagem desses sistemas de governo gerasse aversão no mundo ocidental. Ainda mais, as figuras do militarismo e da ditadura não trazem boas memórias aos brasileiros que passaram por esse regime.

E são justamente essas descrições que estão sendo feitas de Hugo Chávez, presidente da Venezuela, na mídia brasileira. Apesar de ele mesmo se descrever como socialista e revolucionário, quando certas palavras são usadas, por associação, alguns eventos podem ser evocados pelo leitor. Os termos populista, esquerdista, comunista dão um ar negativo já que esse tipo de governo no Brasil proporcionou más experiências.

Tendo esse contexto em mente, os objetos da pesquisa da descrição de Chávez pela mídia brasileira foram exemplos de revistas semanais e jornais de maior circulação nacional de 2006 a fevereiro de 2007. Sendo eles CartaCapital, Veja, IstoÉ, O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo. Além deles, foram analisados também os noticiários da Rede Globo de Televisão.

Analisar a pessoa é ver suas crenças e o que ela representa. No caso de Hugo Chávez, a mídia invariavelmente o tem classificado como ele mesmo gosta de ser identificado. Socialista, seguidor de Fidel Castro, contrário ao imperialismo capitalista de Bush e revolucionário.

Revistas semanais

A revista CartaCapital não apresentou nenhuma capa sobre o presidente venezuelano. Visto que sua tendência é enfatizar a política nacional, isso não é estranho. Quando fala do presidente, a revista descreve sua política em algumas matérias de forma negativa. ‘Enquanto não se tem uma opção melhor ‘, o chavismo continuará e será imitado na América Latina, afirma a edição de dezembro de 2006, época da reeleição do militar. Mas a atenção a Chávez é limitada.

Já a revista Veja esbanja adjetivos pejorativos para descrever o presidente venezuelano. ‘Arruaceiro’, ‘despreparado’ e ‘encrenqueiro’ são apenas algumas das escolhas. O maior exemplo dessa tendência do periódico foi a edição de 13 de dezembro de 2006. Na matéria de capa, o governo de Chávez foi comparado negativamente ao socialismo falido de Cuba. Chávez é ‘mente fechada’ e o resultado disso pode ser ‘nefasto’. Para a revista, ‘ele precisa ser contido antes que consiga construir o socialismo e destruir mais países na América Latina.’

Para o semanal, o socialismo de Chávez é ruim para o Brasil, foi um ‘fracasso’ no passado e as boas políticas são as ‘anti-chávez.’ Quando descreve as medidas do presidente da Colômbia na edição de 7 junho de 2006, isso fica claro. A matéria sempre liga Chávez ao fundamentalismo iraniano e a Cuba falida. As fotos sempre enfatizam o vermelho do comunismo. Na edição de 1º de fevereiro de 2006, a Veja ilustra Chávez como um cínico carnavalesco que para continuar no poder usa dinheiro público, assim como nos escândalos do Brasil. Esse populismo é para a Veja ‘um velho fenômeno que já causou muito mal à América Latina’, 19 abril de 2006.

Já na IstoÉ, nem muita atenção, nem cobertura limitada como a das anteriores, mas uma certa omissão. A revista fala de Hugo Chávez com informações quase que 50% providas da revista Time, norte-americana, país do capitalista George W. Bush. E, quando fala do presidente venezuelano, ainda é em espaço reduzido, como na matéria de 27 de setembro de 2006 sobre a reunião da ONU. Enquanto alguns veículos escreviam uma matéria completa só sobre Chávez, como a CartaCapital, seu espaço na IstoÉ se restringiu a um pequeno parágrafo e uma foto.

As definições ‘esquerdista’, ‘socialista’, ‘contra Bush’ continuam. E quando descrevem a política venezuelana, negritam os aspectos negativos como ‘desperdício de dinheiro’ e ‘inflação alta’. Ou seja, por enquanto, a imagem de Chávez nas revistas brasileiras ainda está manchada pelo conceito ruim do socialismo. Num aspecto mais mascarado ou explícito, Chávez tem sido ‘demonizado’ no Brasil.

Jornais diários

É o mesmo caso da Folha de S. Paulo. Essa qualificação foi encontrada no dia 10 de fevereiro. Ao escolher os depoimentos do presidente argentino Néstor Kirchner, a frase ‘quero manter relações boas com Deus e o diabo’ é esclarecida pelo diário como se referindo a Bush e Chávez respectivamente. A intenção de destruir a imagem socialista de Chávez é percebida na Folha.

A ênfase no americanismo capitalista é alta. Na maioria das reportagens, a opinião de personagens ‘anti-chávez’ é preponderante. As construções de imagens e textos junto com a diagramação de matérias e títulos apontam para essa conclusão. Como no dia 05 de fevereiro de 2007, na descrição da passeata comemorativa do golpe de 1994. A imagem do ‘gigante de plástico’ de Chávez na capa e uma foto de uma máscara de Chávez na matéria interna, junto com a descrição de golpe ‘frustrado’, dão um ar de fragilidade à figura chavista. Assim como bonecos de plásticos são fracos.

Na diagramação, sutilmente, a Folha de 31 de janeiro de 2007 publica uma matéria de metade da página sobre o ‘superpoder’ de Chávez e logo abaixo um título ‘Venezuela absorverá produção de derivados de coca ‘. Apesar de não falar da droga, o título já evoca uma emoção negativa no leitor ao relacionar coca com o problema do tráfico de drogas boliviano.

Quando ligadas a Hugo Chávez, expressões como ‘impõe’, ‘mudar radicalmente’, ‘decreto’ e ‘superpoderes’ são escolhidas para expressar suas atitudes. Esses termos na sociedade liberal de hoje são ofensivos. E num exemplo de 1º de fevereiro de 2007, ela usa um dos termos na capa, ‘superpoderes’, para descrever algo que na Venezuela é constitucional, normal, legal, como a própria matéria interna explica. Vale lembrar que a Folha tem uma boa ligação com a rede BBC de notícias. A estatal inglesa é parceira dos americanos, inimigos de Chávez. Se isso influencia ou não, o leitor pode verificar.

O seu concorrente é mais brando. O Estadão também o descreve como ‘ditador’ e ‘populista’, mas usa menos adjetivos que a Veja e a Folha. No caso do campo de petróleo do rio Orinoco, enquanto a Folha usou o termo ‘tomou’, o Estadão preferiu ‘assumir’. Mas a imagem de ‘fracassado’ é vista em alguns casos. Em 11 de janeiro, uma coluna inteira da direita do jornal foi usada para descrever os ‘fracassos’ do socialismo na história.

A velha e conhecida Globo

No impresso verifica-se que a ligação socialismo-Chávez é fatal. E na maior rede televisão do País não é diferente. No seu site especializado de notícias, o G1, a Globo separou um seção especial só para coberturas sobre o país do ‘nacionalista’ militar. A maioria das matérias de março é sobre inflação, estatizações e prejuízos da economia com a política de Chávez.

Nos telejornais, a crítica só aumenta. No Bom Dia Brasil, o ápice da crítica ao modelo de Chávez foi com o comentário de Alexandre Garcia na manhã de 11 de janeiro desse ano. As idéias de Chávez são ‘autoritárias’, ‘inadequadas’, ‘socialistas’. Para Garcia, enquanto os socialistas cubanos e venezuelanos sofrem, os capitalistas gozam a liberdade e a felicidade. Como na televisão a imagem fala até mais que o texto, a edições das imagens demonstra a posição da Globo. Pessoas sofrendo, multidões do povão reunidas e gritando por Chávez, e até uma comparação com Hitler, ‘Heil, Hugo!’, retiradas de um outro jornal, são sempre mostradas quando a pauta é o presidente da Venezuela. O Jornal Nacional segue a mesma linha do Bom Dia Brasil. O Fantástico só lembrou de Chávez uma vez em uma nota.

Após quase vinte anos do término da Guerra Fria, os capitalistas ainda têm medo de um regime nos moldes de Lênin. Isso é natural, pois esses regimes antagônicos mostraram seus resultados durante quase um século, e o vitorioso foi o modelo capitalista. Essa posição é verificada nessa análise.

A entrevista publicada no G1 com o diretor do Conselho de Negociações do Hemisfério, Nicolas Kozloff, e o artigo de opinião de Gianni Carta na CartaCapital resumem bem a relação entre mídia e Chávez. Ambos afirmam que o personagem Hugo Chávez não deveria ter tanta atenção e holofotes da mídia. O ‘ser presidente’ de um país pequeno na América Latina não é proporcional ao grande espaço que ele tem na comunicação mundial.

E Kozloff diz o motivo para esse fenômeno: ‘A mídia gosta de sensacionalismo e Chávez joga com a mídia’. Enquanto Chávez joga com a mídia, a mídia joga com o público não esclarecido, nessa briga de ideologias entre capitalismo e socialismo. A solução para distinguir o lado de cada um é ler bastante, o que Chávez faz e muitos que o acusam de inculto e radical não fazem.

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Estudante de Jornalismo do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp)