Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A importância da formação específica

Andava desiludida com o jornalismo e com os jornais. Havia trabalhado em impressos pequenos, médios e num enorme, suntuoso. Nada tinha despertado em mim a vontade de continuar. Já não fazia sentido preencher páginas e só. Queria mais.

Meu conflito interno foi tão grande que me produziu uma infecção. Fui parar na UTI em 2002. Foram 10 dias para pensar na vida. Saí de lá com a percepção clara de que não há fórmula que nos faça melhor em alguma coisa do que simplesmente optarmos pelo que gostamos.

Eu? Eu gosto de gente. E naquele momento de crise ocorreu comigo um evento de sincronicidade pura (não, não acredito em coincidência). Abro minha caixa de e-mails e lá está uma mensagem do meu ex-professor de graduação na PUC de Campinas, o Celso Falaschi. Era um convite para uma pós-graduação em Jornalismo Literário, um curso pioneiro no Brasil e tal. Com alguns conceitos confusos sobre o tema, lá fui eu. Chorei ao ver o Celso falar de JL. Era aquilo! Era aquilo, meu Deus do céu! Era isso que o que eu buscava mas nem sabia o nome. Exatidão de dados, sim, mas sob um olhar humano, e com total imersão do repórter para produzir textos que dão vontade de ler!

Ao conhecer as técnicas, a história e o ‘espírito’ do Jornalismo Literário, descobri o que vim fazer neste mundo: trabalhar feito formiga para narrar histórias reais com técnicas da literatura. Narrar com fôlego. Narrar sem emitir nenhum julgamento moral sobre os assuntos ou sobre as pessoas envolvidas. Assim, estou certa de que posso contribuir para um mundo melhor.

Não, não é utopia. Jornalismo literário é descoberta e realidade. Descoberta de histórias e até de nós mesmos como seres humanos. Mas acho que é preciso formação específica para aproveitar ao máximo os recursos do jornalismo literário. Isso agora está plenamente ao alcance com o curso de pós-graduação dos professores Edvaldo Pereira Lima, Sergio Vilas Boas, Celso Falaschi e Rodrigo Stucchi. Os quatro coordenam um curso de pós-graduação (especialização) muito legal. Um curso que mudou a minha maneira de encarar (e de sentir) o jornalismo. Eu, que já tinha uma inclinação latente para essa coisa, e uma certa insatisfação com as rotinas da chamada grande imprensa, entrei de cabeça.

O básico

– Toma, vai lá… faz essa matéria você, que gosta de historinha assim – disse-me um editor, certa vez. A ‘historinha assim’ era de uma professora que havia sido agredida dentro da escola por dois assaltantes, que, além de tudo, levaram sua bolsa. Como eu estava fora de redação há algum tempo – ou seja, estava sem os vícios e repetições de pauta no dia-a-dia – pude ver a mulher não como ’30 centímetros de texto’, mas como uma pessoa que tem algo a dizer de dentro para fora.

Na ocasião, eu era repórter especial de ciência e tecnologia, e estava de plantão. Como não sou do tipo que acha a horta bonita sem pôr a mão na enxada – e como não havia matéria nem de ciência nem de tecnologia para eu escrever – fui fazer algo em polícia. Era um dia de sol e eu custei a convencer a professora Teresa a me dar entrevista. Fui à casa dela. Fiquei lá. Tive paciência de ouvir tudo dela, inclusive suas restrições a mim.

Primeiro, eu a ouvi atentamente para só depois tentar ajudá-la a entender que eu não estava ali para extrair dela apenas algumas aspas bombásticas e ir embora. Eu estava ali para compreender a vivência dela com os ladrões. Por quê? Simplesmente porque me interessei pela história de Teresa. Simplesmente porque as vivências das pessoas me interessam e podem ter interessam jornalístico também. Aliás, sem interesse por pessoas (pessoas de qualquer lugar, etnia, raça ou classe social), não é possível praticar jornalismo literário. Isso é básico.

Outro rumo

Saí da casa de Teresa com a certeza de que poderia transmitir aos leitores o que ela sentiu. Confesso: tive medo de transgredir a ditadura do lide. Mas respirei fundo e narrei. Narrei como quem conta uma história oralmente a alguém. Talvez isso pudesse ser o primeiro passo para um leitor, em algum canto, se interessar pela história de Teresa e, quem sabe, agir. Lembro como se fosse hoje. Foi a primeira matéria que escrevi, conscientemente, com as técnicas e o ‘espírito’ do jornalismo literário. A partir de então, ofereci ao jornal em que trabalhava um projeto antigo: contar histórias do cotidiano nas páginas de um diário. O projeto, que no meu portfolio web se chamava ‘Substantivo Próprio’, ganhou no Correio Popular o selo ‘Rosto na multidão’.

Enquanto fazia minhas matérias de ciência, abria meus olhos ao passar pela rua e mantinha os ouvidos atentos para qualquer sinal que pudesse me indicar: olha, Tatiana, ali há uma história transformadora. E todo mundo tem uma boa história para contar. Basta a gente, jornalista, querer ouvir. Basta a gente se despir de regras, fórmulas, preconceitos. Era isso que eu fazia em ‘Rosto na multidão’. Fiz 13 colunas. A receptividade do projeto foi surpreendente. As pessoas começaram a escrever ao jornal, contando outras histórias. Outras escreveram para dizer que se emocionaram, ou que se solidarizavam com um certo caso, ou que conheciam uma pessoa que eu ‘precisava conhecer’. Fiquei assustada: jornalismo literário mexe com as pessoas. E transforma.

Minha vida, porém, tomou outro rumo em outubro de 2005. Hoje, trabalho com uma excelente equipe de profissionais num projeto novo e audacioso. Depois de algumas lambadas do destino, agora sei que há fases e fases na vida. Faço lides para sobreviver, sim. Mas meu sonho, eu sei, é viver de jornalismo literário um dia. Por isso sonho nas horas vagas, enquanto trabalho feito formiguinha para chegar lá.

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Jornalista, pós-graduanda em Jornalismo Literário do TextoVivo/Metrocamp em Campinas, repórter de Política da rede Bom Dia; (www.tatianafavaro.kit.net)