Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A leitura de jornais nas escolas

Hoje, no Brasil, dezenas de empresas jornalísticas desenvolvem programas que levam seus próprios veículos a escolas, o que se constitui em iniciativa de grande relevância para a formação de novos leitores, podendo significar a viva expressão do compromisso social que têm com as comunidades nas quais estão inseridas.

A questão que aqui quero discutir é se também para as escolas tais iniciativas trazem benefícios. Até que ponto a leitura e o uso de jornais facilitam – ou podem facilitar – um processo de construção de conhecimento em que cada um, alunos e professores, seja sujeito que vive um processo que contribua para que cada qual reconstrua o conhecimento sobre os fatos, tomando posições, analisando os diversos ângulos de cada questão, podendo escolher caminhos sabendo o porquê de suas escolhas? Para que a presença de jornais na escola possa trazer benefícios, alguns requisitos são necessários, indispensáveis mesmo. Lembro apenas alguns:

1. a presença do jornal na escola deve estar vinculada à defesa da democratização do acesso ao mundo da leitura, em seu sentido mais amplo, indispensável para a construção da cidadania. Livros de literatura devem chegar aos alunos pela porta aberta, pela leitura dos jornais;

2. o jornal em sala de aula deve ser utilizado garantindo sua análise como objeto de estudo, devendo ser aproveitado em seu todo, pois trabalhar apenas recortes soltos dificulta a compreensão da dinâmica e das características da imprensa pelos alunos;

3. a presença do jornal na escola não pode prescindir de um processo de formação continuada dos profissionais do magistério, em que se dê voz a cada um deles, divulgando, inclusive, suas experiências bem-sucedidas.

Somente profissionais sujeitos podem formar alunos sujeitos

Nesse processo de formação (o que seria dos professores sem seu trabalho conjunto, coletivo?), podem ser enumerados alguns pontos a serem estudados pelos professores nas diversas atividades de formação continuada que venha congregá-los:

a) o cuidado para não se escolarizar o jornal de forma a prejudicar o interesse do aluno por sua leitura. Não se pode correr o risco, por exemplo, de se fazer com o jornal o que muitas vezes se faz com as obras literárias, aplicandose provas para se conferir o que é uma manchete, uma seção ou uma editoria;

b) o debate sobre a relação entre o trabalho com o jornal e os conteúdos escolares, enfatizando a relação entre a teoria e a prática. Esta deve ser a constante referência para o processo pedagógico, de modo a colaborar para que sejam superadas práticas arcaicas e centradas no conteúdo como fim em si mesmo;

c) as amplas possibilidades de o jornal contribuir para o tratamento interdisciplinar do currículo, já que a notícia já possui um caráter amplo e não aprisionado a apenas uma área do conhecimento;

d) o jornal e sua contribuição para o cumprimento da função da escola hoje (o aluno que lê melhor o jornal não pode ler melhor a realidade?);

e) e, por fim, a discussão sobre a própria imprensa e a sua influência no modo de pensar e agir de cada um.

Para que um programa de utilização de jornal na escola forme leitores deve-se colocar em oposição aos dois mitos que hoje existem em torno do uso do veículo na escola, quais sejam:

** Mito 1: ‘A busca da informação na imprensa, em si, é condição para se exercer a cidadania’;

** Mito 2: ‘É melhor não buscar a informação na grande imprensa já que ela é pelo pensamento das elites’.

Superá-los deve significar a promoção de um trabalho que contribua para que todos leiam sim, mas, criticamente, fazendo-se interpretadores da interpretação que cada jornal faz da realidade.

A escola, na verdade, forma valores e atitudes do sujeito em relação ao outro, à política, à economia, ao sexo, à droga, à saúde, ao meio ambiente, à tecnologia etc. Para tanto, os conteúdos curriculares precisam ser desenvolvidos em prol do desenvolvimento de capacidades que permitam que cada aluno compreenda e intervenha nos fenômenos sociais e culturais de seu tempo. O jornal, desde que lido criticamente, pode ajudar – e muito! – nessa direção.

Uma coisa é certa: passe por onde passar a utilização de veículos noticiosos nas escolas, o principal é que os professores estejam vivamente envolvidos na definição, realização e acompanhamento da proposta pedagógica que a envolve.

São eles, sem dúvida, os grandes formadores de leitores com que se conta cada vez mais. Até porque é a possibilidade de ler o que está impresso que pode preparar os nossos jovens para as leituras que vierem a fazer de veículos noticiosos em suas versões on line.

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Diretora do programa Jornal e Educação, da Associação Nacional de Jornais, e coordenadora pedagógica do programa ‘Quem Lê Jornal Sabe Mais’, dos jornais O Globo e Extra