Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A mídia cobre mal a mídia

Parece vigorar nas redações um acordo: não se deve dar tanta atenção às notícias do setor de comunicação. Esse comportamento pode aparentar um mecanismo que controle o cabotinismo ou mesmo o egocentrismo. Pode ser considerado um filtro para manter a mídia em distância segura de um assunto que a abrange. O jornalista Eugênio Bucci, que hoje preside a Eletrobrás, não poupa palavras: entre os jornalistas há uma síndrome de auto-suficiência ética, que afasta a autocrítica e provoca uma imediata ignorância sobre assuntos relativos à imprensa. De olho nesta hipótese, o Monitor de Mídia analisou as edições de março e abril dos principais jornais catarinenses e observou como os diários locais cobrem insatisfatoriamente a mídia, e como esta pouca atenção acaba provocando um verdadeiro tabu nas redações.

Que papel?

No dia 19 de março, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) anunciou uma linha de crédito específica para empresas importarem papel de imprensa. Boa parte do papel usado para a impressão de jornais vem do exterior e o banco acenou disponibilizar R$ 700 milhões para as empresas jornalísticas importarem bobinas de papel mais barato. Sem dúvida, uma boa notícia para a imprensa que tem a perspectiva de um insumo mais leve nos seus custos. Como os jornais catarinenses deram a notícia? Só A Notícia deu uma nota rápida na editoria de Economia, no dia 20. ‘Segundo [o presidente do BNDES Carlos] Lessa, a linha vai existir enquanto a produção nacional foi insuficiente para atender à demanda interna – hoje o país produz apenas 50 % do papel de imprensa que consome. Paralelamente, o banco prepara um programa para fomentar a instalação no país de novas empresas produtoras de papel para jornais e revistas’, trouxe a nota. Nos demais jornais, nada!

Poucos dias depois, em 24 de março, o BNDES veio com outra boa notícia para a mídia brasileira: anunciou um grande programa de financiamento para as empresas saldarem suas megadívidas. O socorro de R$ 4 bilhões viria para tapar um rombo estimado de R$ 10 bi pelo setor. E ajudaria a desafogar a GloboPar, empresa que controla a operadora de TV a cabo NET, que tem como um dos acionistas o Grupo RBS. A revista Carta Capital de 14 de abril deu generosas nove páginas sobre o assunto, e por aqui, o assunto passou em brancas nuvens. Curioso é observar que a mídia só se mostra no espelho quando a sua silhueta é delgada e saudável. A Notícia dos dias 23 e 24 de março não deu nada sobre o chamado ‘Proer da Mídia’, mas alardeou ostensivamente o Prêmio Mérito Lojista que iria receber em Brasília do setor varejista.

Os dois casos motivam a pensar: uma empresa jornalística deve publicar todas as informações que interessam à sociedade ou apenas as que são do seu interesse? Isto é, qual é a papel dos meios de comunicação nas sociedades atuais?

Qual é a notícia?

O dia 7 de abril foi o dia do jornalista. Para marcar a data, uma comissão de representantes da categoria teve uma audiência com o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, mas o foco do encontro não chegou aos leitores no dia seguinte ao fato. O jornal A Notícia ignorou o assunto, não relegando sequer uma linha sobre a audiência. O Diário Catarinense veio com uma foto-legenda intitulada ‘Lula critica imprensa no dia do jornalista’ que conta que o presidente e o ministro Luiz Gushiken disseram que os meios de comunicação ‘fomentam’ a discórdia no governo e não divulgam coisas ‘boas’. Entretanto, em nenhum momento, o DC relata ao leitor porque Lula estava recebendo a delegação de mais de quarenta jornalistas: dirigentes de sindicatos de todo o país mais a direção da Federação Nacional dos Jornalistas entregaram ao presidente anteprojeto de lei para a criação do Conselho Federal de Jornalismo. Segundo a categoria, a instituição do novo órgão deve ajudar na regulação do mercado de trabalho e na moralização da profissão. O DC não deu o motivo do encontro de Lula com a imprensa, e ao não noticiar isso, incentivou o leitor a pensar que se tratou de uma audiência comemorativa da data.

O Jornal de Santa Catarina não veio muito diferente do seu co-irmão de Grupo RBS. A edição de 8 de abril trouxe nota intitulada ‘Lula defende relação leal com a imprensa’, ressaltando que o presidente declarou querer deixar para o país o exemplo de ter um relacionamento saudável com os meios de imprensa e que, em nenhum momento, o governo deve pedir à imprensa para que fale bem dele, da mesma forma que nenhum jornalista deve falar mal do governo apenas porque quer. Nota-se uma certa disparidade na interpretação das falas de Lula entre DC e JSC, mas isso perde a importância quando se aponta para o foco da questão: Por que os jornais não deram o real motivo da visita dos jornalistas ao presidente? A criação do Conselho Federal de Jornalismo não interessa às empresas do setor?

Eventos? Onde?

Mesmo quando o Estado é foco de notícia nacional, os jornais locais pouco se interessam em difundir informações quando o assunto é mídia. Florianópolis sediou dois eventos nacionais reunindo pesquisadores da área em abril – o 2º Encontro da Rede Alfredo de Carvalho para Preservação da História das Mídias (dos dias 15 a 17) e o 7º Fórum Nacional dos Professores de Jornalismo (de 18 a 20) – e muito pouco se soube deles nos jornais. Destaque para a coluna de Moacir Pereira, em A Notícia, que fez três registros: um sobre lançamento de livro do pesquisador português Nelson Traquina, um dos conferencistas dos eventos (17/04), outro sobre as discussões do Fórum de Professores de Jornalismo (19/04) e um terceiro dando conta de homenagens feitas aos fundadores do curso de Jornalismo da UFSC – que completa 25 anos em 2004 -, entre os quais o próprio colunista (20/04).

Mais focado no Vale do Itajaí, o Jornal de Santa Catarina não repercutiu os encontros de Florianópolis. E o Diário Catarinense chegou a dar uma nota sobre o assunto no dia 14. Mas detalhe: errou a data de abertura, noticiando que seria naquele mesmo dia, quando de fato dar-se-ia no seguinte. Ops!

Mas outro evento de importância mundial aconteceu no Brasil e quase nada se disse sobre ele: a 4ª Cúpula de Mídia para Crianças e Adolescentes movimentou o Rio de Janeiro de 19 a 23 de abril, envolvendo profissionais da indústria, pesquisadores e educadores dos cinco continentes que discutiram a produção de televisão, rádio, cinema, internet e jogos eletrônicos. Nenhum dos jornais locais enviou repórteres para cobrir a cúpula, e quase nenhum material de agência foi usado. DC e Santa ignoraram a ocorrência. Já a Notícia fez menção numa nota sobre importância da TV na educação no dia 20, e no dia 23 trouxe chamada de capa e uma matéria ocupando uma página. A reportagem ‘A mídia na ótica dos adolescentes’ apresentava uma síntese dos temas debatidos na cúpula, além de declarações de adolescentes e palestrantes que presenciaram o evento. Pouco se comparado à importância do evento.

A impressão que fica é de que a mídia só mostra aspectos que salientem seu lado positivo e que qualquer menção que estimule uma autocrítica ou uma reflexão mais aprofundada sobre o seu papel na sociedade é deixado de lado. A quem interessa ter esse tipo de serviço?