Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A prepotência da Fenaj e o Código de Ética

É de se admirar que uma entidade classista como a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) apóie uma crise social como a que defende o presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro, Aziz Filho: ‘Uma das primeiras medidas a serem tomadas agora será informar as Delegacias Regionais do Trabalho, em todo País, da decisão da Justiça e pedir que os registros precários de jornalista que foram concedidos a partir da liminar da juíza Carla Rister sejam considerados ilegais’, conforme matéria divulgada pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no dia 26/10/2005, assinada pelo repórter José Reinaldo Marques.

Explica-se: a juíza Carla Abrantkoski Rister, da 16ª Vara Cível da Justiça Federal de São Paulo, baixou liminar em outubro de 2001 liberando registros profissionais para jornalistas que exercem a profissão sem diploma universitário.

O que mais impressiona na decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por votação dos juízes Manoel Álvares, Alda Basto e Salette Nascimento, é basear sua sentença sem a sustentabilidade do conhecimento de causa. Pior ainda é ceder à pressão da Fenaj sem, ao menos, conhecer a realidade da categoria profissional, jornalistas, e contrapor ao seu Código de Ética.

É louvável a luta da instituição em prol dos profissionais que defende. A Fenaj é uma entidade de classe e tem, por obrigação, a defesa dos interesses dos jornalistas brasileiros, todos concordamos. Mas, como propõe seu filiado, o Sindicato do Rio de Janeiro, pedir a ilegalidade dos registros precários já emitidos, é um ato no mínimo autoritário. É admissível que registros precários venham a ser proibidos daqui por diante, mas ilegalizar os que já foram emitidos é incompatível com o próprio Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, para entrar no terreno específico do jornalismo, já que a Constituição, segundo a Fenaj e os magistrados, isenta a entidade da responsabilidade sobre a questão.

O Código de Ética está em vigor desde 1987, quando foi votado em Congresso Nacional da categoria, portanto com aval de todos os sindicatos filiados. O artigo 1º do capítulo 1, que trata do direito à informação, diz que ‘O acesso à informação pública é um direito inerente à condição de vida em sociedade, que não pode ser impedido por nenhum tipo de interesse’. Mais adiante, no capítulo 2, sobre a conduta profissional do jornalista, o Código declara, em seu artigo 9º: ‘Opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos do Homem’.

Solução democrática

Além de ferir estes princípios básicos, a posição radical da Fenaj ignora outros pontos. No artigo 10º, ainda no capítulo 2, está convencionado que o jornalista não pode ‘frustrar a manifestação de opiniões divergentes ou impedir o livre debate’, coisa que a influente entidade fez. No capítulo terceiro, que abrange a responsabilidade profissional do jornalista, consta, em seu artigo 16º, que ‘o jornalista deve pugnar pelo exercício da soberania nacional, em seus aspectos político, econômico e social, e pela prevalência da vontade da maioria da sociedade, respeitados os direitos das minorias’. Em suma, aqueles que almejaram a carreira de jornalista e que, em sua maioria já atuam neste segmento há tempos, mas não puderam seguir um curso universitário, deveriam, segundo a ética jornalística, contar com o apoio da Fenaj, e não ser jogados à ilegalidade como propõe Aziz Filho. Se prevalecer a posição do sindicato carioca, milhares de trabalhadores serão atirados à rua sem apoio e, pior, com o carimbo das entidades classistas de jornalistas, classificados como marginais.

E se a moda pega? Publicitários revoltam-se com pequenas publicações que trazem pequenos anúncios. Entram na Justiça e pedem o fim de todas elas. Engenheiros civis pedem a demolição de todas as casas construídas sem seu aval.

A incoerência da Fenaj só é menor que sua prepotência. Ela não cogitou, em momento algum, procurar uma solução democrática para o problema ou discutir a questão abertamente com os ‘prejudicados’ no intuito de encontrar uma solução também para estes, como decreta o Código (Art. 9º: c – Defender o livre exercício da profissão). Poderia ter seguido o exemplo do Instituto Brasileiro do Cobre (Procobre). Fundado em 1996, a entidade sem fins lucrativos vem trabalhando no sentido de divulgar a importância do cobre, sua contribuição para a sustentação da vida e seu correto uso. Uma de suas iniciativas, em parceria com a Associação Brasileira de Conscientização para os Perigos da Eletricidade (Abracopel), é a de requalificar eletricistas amadores, que não têm aprimoramento técnico, inserindo-os com capacitação profissional no mercado de trabalho, em exemplo de preocupação com o social.

Abriu-se o precedente

Não é preciso ter diploma universitário para propor soluções para problemas como o caso corrente dos jornalistas sem curso superior. A Fenaj poderia, em vez de irresponsavelmente colaborar em jogar milhares de trabalhadores no olho da rua, avaliar a capacidade dos que pleitearam o registro profissional. Uma avaliação que contemplaria experiência na área, ética jornalística, vocação e compromisso com a profissão, coisa que nem mesmo certas faculdades cobram. Além do mais, a própria denominação do registro, ‘precário’, não oferece risco aos jornalistas formados, que podem atuar em todas as ramificações da imprensa (inclusive assessoria, outra questão polêmica).

Todos sabemos, e isso não é uma exclusividade dos cursos de Jornalismo, que alguns estudantes adquirem seus diplomas com procedimentos duvidosos, seja por chantagem, tráfico de influência, nepotismo, suborno e até mesmo favores sexuais. Entregar um diploma a um novo jornalista descompromissado com a causa profissional e com a ética é colocar a sociedade em risco, ferindo, novamente, o Código de Ética. A boa formação, a qualidade do ensino nas faculdades de Jornalismo, a ética dos professores, a conduta dos jornalistas formados deveriam ser algumas das prioridades da Fenaj. Seria uma contribuição muito maior para o país, para a imprensa e para a categoria.

Em artigo publicado no site Comunique-se, assinado por Eduardo Ribeiro, intitulado ‘E agora, juíza? Quem paga o prejuízo?’, em 31 de outubro deste ano, o autor procura jogar a culpa do problema social criado pelos diplomados na liminar de Carla Rister. Concordo em que a juíza errou em não propor critérios para a emissão dos registros profissionais precários. Com isso, abriu-se o precedente para o jornalismo ‘picareta’ no país. Longe de generalizar, devemos considerar que novos profissionais, alguns até mais qualificados, pela experiência, do que muitos jornalistas formados, surgiram no mercado. Profissionais apaixonados pelo ofício e que não tiveram a mesma oportunidade que a garota que queria apenas aparecer na televisão como repórter ou âncora de telejornais, ou do jovem que quer se valer da aura de influência da imprensa para potencializar seu ego e até mesmo aqueles que escolhem o jornalismo como um curso mais barato ou teoricamente mais fácil.

Leigo em quê?

Talvez para se livrar do fardo da responsabilidade e da impiedosa crítica da opinião pública e, quem sabe, desvencilhar-se antecipadamente do debate com a sociedade, Ribeiro procura angariar apoio até mesmo dos prejudicados no episódio. Dando um péssimo exemplo aos novos jornalistas, ele escreve no fim do texto:

Claro que este é um texto-desabafo e de um leigo. Estou efetivamente indignado e escrevo muito mais com o coração do que com a razão. Mas num caso como esses (sic) às batatas a razão.

Em assunto tão sério e polêmico, ele jamais deveria escrever sem recorrer à isenção jornalística. Neste caso, o autor opina em causa própria ou de um grupo, ferindo mais uma vez o Código de Ética. O fatal prejuízo aos cerca de 13 mil ‘iludidos’, como se referiu, deveria ser pago pela Fenaj, já que é ela quem está efetivamente colaborando para o problema em vez de tentar solucioná-lo, defendendo interesses egoístas. Egoístas, sim. Quando se manda ‘às batatas a razão’ neste caso, o jornalista manda bananas aos milhares de novos desempregados.

Além disso, ele se diz leigo. Leigo em quê? Em direito ou jornalismo? Se vier a aceitar a sugestão de reavaliação profissional dos precários, sugiro ainda que a Fenaj convoque também alguns ‘diplomados’.

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Editor do jornal Gazeta da Região, São Paulo (SP)