Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A semana em que Florianópolis parou

Milhares de pessoas fechando as pontes de ligação da parte insular de Florianópolis ao continente. Ônibus impedidos de sair dos terminais. Cenas de confronto de estudantes e policiais. Fotógrafos se acotovelando entre a massa para registrar as cenas que receberam atenção nacional por uma semana. Os últimos dias de junho e a primeira semana de julho foram agitados na capital catarinense. Inicialmente, ninguém entendeu direito como aqueles estudantes se articularam tão bem, como o sistema ficou refém de uma parcela dos usuários e como as autoridades não souberam lidar com o impasse.

Esse Monitor de Mídia acompanhou a cobertura dos principais jornais catarinenses sobre o episódio, centrando suas análises nas edições de 29 de junho a 9 de julho.

DC faz cobertura de fôlego

As manifestações em Florianópolis contra o aumento de passagens do transporte urbano aparecem no Diário Catarinense já no dia 29/06. A chamada de capa é ‘Florianópolis vive dia de caos’. Nas páginas 4 e 5 – reservadas ao assunto mais importante da edição –, a matéria descreve como a manifestação se formou. Alguns trechos dão ao leitor noção da ‘segunda-feira caótica na capital’. Um exemplo: ‘Foi o que bastou para transformar a cidade num inferno. Motoristas nervosos com os engarrafamentos, usuários de ônibus estressados sem saber como voltariam para suas casas e a manifestação que cresceu durante a tarde exaltou os ânimos’. São muitas as fotos – 12 nas duas páginas – e várias histórias. A estudante que só queria chegar em casa, outra que acabou sendo empurrada por um policial, o motorista acusado de causar um acidente em meio à confusão, a estudante de Artes Cênicas que com um megafone transformou-se em uma das líderes do protesto, o coordenador do Fórum em Defesa do Transporte Público que foi atingido por um spray de pimenta e a secretária que critica o transporte da cidade dão ao leitor a dimensão do que ocorreu em Florianópolis. Com textos assinados e bem embasados, os repórteres informaram como começou a manifestação e o que ocorreu ao longo do dia, além de apresentar a posição da prefeitura da cidade em box intitulado ‘O outro lado’.

‘O bloqueio se repete’ é a chamada de capa do dia seguinte. Repete-se também a cobertura bem feita do DC. Declarações da prefeita, opiniões sobre os protestos e mais descrições do andamento das manifestações constituem na maior parte das informações apresentadas. Um pequeno boxe, entretanto, merece ser apontado como a mais importante. Prestando um serviço de utilidade pública, o jornal traz sob o título ‘Onde pegar o ônibus’ o local e a empresa que o leitor pode optar ‘caso o Ticen seja interditado novamente hoje’. Para alguns, esse pode ter sido o diferencial entre chegar ao trabalho – ou a escola – ou acabar em meio ao tumulto.

No dia 1º de julho, o assunto é manchete – ‘Ônibus são queimados e protesto acaba em pancadaria na Capital’ – e volta a ocupar as páginas 4 e 5. Muitas descrições, como as deste trecho: ‘O confronto de ontem à noite começou depois de um estouro ao lado da fila de policiais. A guarnição, equipada com escudos, cassetetes e capacetes, perfilada em frente à via de acesso de ônibus, impedia que os manifestantes chegassem ao Ticen. Com o estouro, os policiais marcharam em direção ao protesto’. A quantidade de fotos e de fontes continua grande. Treze são as imagens apresentadas e foram ouvidos a gerente do Núcleo de Transportes, o comandante da Polícia Militar, além de três pessoas que estavam no local. É importante destacar aqui um trecho que pode demonstrar a preocupação dos repórteres em ouvir todos os lados envolvidos. Segundo o texto, ‘O Diário Catarinense tentou entrar em contato com a prefeita Ângela Amim, que estava em Brasília, por cinco vezes. Ela não foi encontrada para comentar o assunto’.

O quarto dia de protestos tem mais descrições da movimentação: ‘Os estudantes chegaram nas pontes às 16h40. A Polícia Militar acompanhou o fechamento do trânsito. Na ponte Pedro Ivo Campos, policiais montaram cordão de isolamento entre veículos e manifestantes. Os manifestantes sentaram-se no asfalto’. E mais ‘histórias no meio da confusão’: um policial que atingiu um motociclista e recebeu pedradas, o presidente da União Florianopolitana de Entidades Comunitárias que dizia ter sido espancado durante a confusão, a empregada doméstica que estava em um ônibus que sofreu atentado e o comerciante que não participava das manifestações, mas acabou ferido. Os locais onde ocorreram os protestos são mostrados em um pequeno mapa. Já ‘O outro lado’ aparece em box, onde se pode ler as declarações do gerente da empresa de transporte Insular.

Apenas fontes oficiais?

No dia 3, a cobertura segue a mesma linha – chamada de capa, descrições, muitas fotos e fontes. No geral, é assim que continua no dia 4. Com uma análise um pouco mais aprofundada, pode-se ter a idéia de que a atmosfera de ‘Medo e insegurança após protestos’ – título da matéria – envolveu também os repórteres. O texto começa: ‘Medo e insegurança. Este é o sentimento da população que mora ou trabalha na Capital com a maior qualidade de vida do país (…)’. Mais adiante, podemos ler que ‘Gente ferida, bombas explodindo em latões de lixo, ônibus queimados, prejuízos financeiros e caos no trânsito. Enfim, desde a última segunda-feira Florianópolis vive sobressaltada, sem saber como será o dia seguinte’. O que aconteceu nos cinco dias de manifestação aparece, resumidamente, no box ‘Uma semana em busca de solução’.

O assunto volta às páginas do DC no dia 6. Apesar da matéria ser menor do que as publicadas anteriormente, ainda há muitas fontes. Mas dessa vez manifestantes e população em geral ficaram sem espaço. Somente fontes oficias foram ouvidas. O texto possui, como nos outros dias de cobertura, muitas descrições. No dia 8, a discussão do Estado e prefeitura é o tema central, como pode ser percebido pelos títulos ‘Estado propõe baixar ICMS do diesel’ e ‘Prefeitura diz que revê custos no dia seguinte à queda’.

No dia seguinte, o grande número de fontes continua. Há declarações do presidente da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil em Santa Catarina, do presidente o Sindicato das Empresas de Transporte Urbano em Florianópolis, do presidente do CDL, da prefeita e do líder do movimento, que até então não tinha sido citado pelo jornal. Nesta edição, há um boxe com alguns trechos da entrevista que deu à rádio CBN Diário. A abertura do texto traz que ‘Sobre o universitário Marcelo Pomar (…) recaiu o papel de líder do movimento contra o reajuste das passagens em Florianópolis, pelo passe livre no transporte coletivo e também pela abertura de uma CPI para investigar o setor’. Apesar disso, o jornal aponta que de todas as reivindicações do movimento ‘(…) Pomar parece falar com propriedade somente sobre a revogação do reajuste’.

Para DC, não passa de ‘baderna’

Apesar de publicar dois editoriais em cada edição – o que soma 22 textos no período analisado – nenhum tratava do assunto. Já no ‘Opinião DC’, o tema teve bastante espaço e os manifestantes, muitas críticas. No dia 29, lemos que ‘A população de Florianópolis foi novamente tomada por manifestantes (…)’. Atitude que para o jornal ‘configura numa inaceitável agressão aos direitos constitucionais da cidadania, a começar pelo elementar direito de ir e vir’. A afirmação ‘Reivindicações à margem do direito perdem razão e valor’ encerra essa primeira tomada de posição. Não demora muito para o assunto aparecer de novo neste espaço. No dia 1º, sob o título ‘Além do limite’, as críticas aos protestos tornam-se ainda mais intensas. Para o jornal, o texto serve para ‘repudiar esse tipo de protesto que toma a cidadania como refém, e se coloca à margem da lei e tumultua a vida urbana’. E ‘ao poder público competente cabe a obrigação de fazer valer a lei e a determinação judicial’. A expressão ‘à margem da lei’ volta a aparecer no dia 4, sob o título ‘Agora, chega!’. A não aceitação das manifestações está presente em todos os textos, mas alguns trechos merecem ser transcritos. Um é o seguinte: ‘Há nítido limite entre o exercício de um direito democrático com a contravenção e a baderna. E esse limite foi ultrapassado nos acontecimentos recentes’. Outro em que a posição é mais do que clara: ‘Contesta-se e repudia-se (…) a forma com a qual o movimento se expressa (…)’. O ‘Opinião DC’ ainda vai ter seu espaço ocupado pelos protestos na Capital no dia 7. Nessa edição, as críticas são feitas com ainda mais veemência: ‘As manifestações contra o aumento das tarifas no transporte coletivo da Capital têm tumultuado a cidade, engarrafado o trânsito e prejudicado o direito de ir e vir do cidadão. Mas não é só. Todos esses transtornos (…) têm também um custo econômico e financeiro. (…) A conta será paga por todos os cidadãos que trabalham e produzem, inclusive pelos pais e responsáveis da garotada que tem mais acne que juízo e está se deixando usar como massa de manobra’.

Santa e o aspecto regional

Apesar de o Jornal de Santa Catarina ter publicado material da Agência RBS durante os dias de protesto, sua cobertura em nada se assemelha a de seu parceiro de Grupo. No dia 29, o texto publicado ocupa um quarto de página e é o mesmo que abre a matéria do DC. Assim, os leitores do Santa ficaram apenas as descrições dos repórteres. Dois dias depois, a situação se repete. O texto da agência é publicado de forma reduzida com a conseqüente diminuição de fontes. O assunto só volta às páginas do jornal no dia 8. A matéria ‘Governo negocia redução das passagens de ônibus’ utiliza-se de quatro fontes, mas nenhuma é manifestante ou expressa a opinião da população em geral. No dia 9, a matéria se concentra em entrevista dada pela prefeita. È o que podemos perceber pela quantidade de vezes em que é citada: ‘(…) disse ontem a prefeita’, ‘a prefeita disse (…)’, ‘Ângela Amim disse (…)’, ‘a prefeita demonstrou’ e mais ‘Ângela Amim disse’. Nos espaços de opinião, nada que trate do assunto. Como o Santa possui um perfil de jornal regional, poderíamos relevar algumas diferenças em relação ao DC. Mas em se tratando de um assunto que teve repercussão nacional, o Santa não deveria ter se preocupado um pouco mais com o que estava acontecendo ali não muito longe? Só pra efeito de comparação: das dez edições analisadas, o Santa abordou o assunto em quatro e o estado de saúde do vocalista da Banda LS Jack em três. Afinal, o caráter regional do Santa pode explicar as falhas dessa cobertura?

A Notícia foi muito oficial

Durante o período de manifestações na capital, o jornal A Notícia ofereceu a seus leitores uma cobertura muito oficialesca e menos informativa do evento. Também devido à seqüência das manifestações, o jornal mostrou-se morno, entediante na leitura. ‘No segundo dia de manifestações’, ‘No terceiro dia de manifestações’, os fatos que ocorreram nesse período foram muito parecidos. Ruas e avenidas bloqueadas e pontes fechadas eram notícia todos os dias, logo as matérias se tornavam muito semelhantes, com pouca ou quase nenhuma novidade para o leitor, que acabou ficando com o básico, o feijão com arroz. Das edições analisadas, foi constatado que o jornal deu muita voz às fontes oficias, mais precisamente à prefeitura de Florianópolis na figura da chefe do Executivo Ângela Amin. Frases como ‘A prefeita Ângela Amin acusou’, ‘A prefeita ressaltou’, ‘A prefeita disse’, incorporaram as matérias do AN em todas as edições analisadas, exceto pela edição do dia 04/07 (domingo), em que o jornal ignorou a manifestação e não publicou sequer uma nota a respeito.

Em 05/07, o AN, pela primeira vez, deu voz a um dos estudantes que segundo o jornal seria um dos líderes da manifestação. ‘Estamos dando uma trégua e aguardando um posicionamento por parte da prefeita, disse um dos líderes das manifestações, Marcelo Pomar’. Tendo em vista que fazia praticamente uma semana que a manifestação havia começado, o jornal de alguma forma não publicou as declarações dos estudantes ou de demais entidades responsáveis pelo evento, fazendo com que a dúvida ficasse no ar. Qual seria o motivo para não publicar essas declarações? Mais uma vez, o leitor teve que se contentar com o que tinha, sem mais nem menos.

Mas o destaque de A Notícia ficou por conta da coluna de Cláudio Prisco. O jornalista não poupou ataques aos manifestantes e mostrou-se claramente revoltado com a situação que considerou caótica. Alguns exemplos: ‘Além do mais, com o caos instaurado…’, ‘…é inaceitável confundir liberdade de manifestação com desordem, baderna e arruaça’, ‘Nenhuma cidade pode estar refém de baderneiros, irresponsáveis ou militantes…’, e para completar, ‘Se não adiantar, que busquem seus direito na Justiça, recorrendo do aumento, como ocorre em qualquer ambiente democrático. Não estamos no Iraque nem na faixa de Gaza’.

Moacir Pereira, outro colunista do A Notícia demorou mas enfim resolveu se manifestar a respeito do episódio que marcou a capital catarinense. Em 07/07 foi mais comedido do que Cláudio Prisco, apenas disse que ‘A posição mais sensata até agora partiu da OAB-SC, que promoveu a primeira reunião com as instituições e autoridades envolvidas para buscar uma solução política’. No dia seguinte (08/07) ele se mostrou insatisfeito com os rumos que a cidade de Florianópolis estava seguindo. No texto ‘À procura de um cadáver’ ele traz as seguintes frases: ‘Definitivamente a gente boa da Capital nada tem com incêndio de ônibus ou uso de bombas molotov’.

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Projeto do curso de Jornalismo da Univali para acompanhamento da imprensa catarinense; coordenação do professor Rogério Christofoletti