Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A universidade e as corporações

O novo ministro da Educação, Tarso Genro, começou a trabalhar com ímpeto e determinação. Nem bem tomou pé, mexeu na equipe. Ganhou notinhas na imprensa. Semana passada, anunciou que o MEC pretende fazer com que as vagas ociosas dos cursos superiores privados gerem 300 mil novas vagas no ensino superior para pobres, negros, índios e outros. Já neste ano de 2004, as vagas ociosas de cursos de instituições privadas gerariam 100 mil novas vagas no ensino superior. Ganhou chamadas na primeira e grandes matérias. O projeto é anunciado para ser encaminhado em uma semana.

Dois ou três dias depois, Tarso Genro recebe o novo presidente da Ordem dos Advogados do Brasil. No mesmo dia, o ministro anuncia a suspensão, por 90 dias, das autorizações de novos cursos de Direito. A OAB festeja a decisão. Nos jornais, apenas a crítica de um conselheiro do Conselho Nacional de Educação. O conselheiro mostra o caráter corporativo da decisão do ministro. Mais chamadas e mais matérias.

Não se trata mais de saber se o ex-ministro Cristovam Buarque tinha ou não dificuldades na Casa Civil que emperravam o desempenho do seu ministério. O fato é que o novo ministro chegou, tomou posse, começou a trabalhar, iniciou e anunciou mudanças. E faturou nos jornais.

Não se sabe ao certo quais as contrapartidas que o governo oferecerá aos empresários de educação para que estes se disponham a publicizar suas vagas ociosas. Pode ser renúncia fiscal, isenção de impostos ou outras alternativas. Sabe-se, porque houve empenho da Folha de S. Paulo em mostrar, que havia problemas graves de fraudes e irregularidades nas concessões, no controle e na fiscalização das instituições ‘filantrópicas’. Mas uma das ‘filantropias’ mais fáceis de realizar (que as instituições insistiam em não fazer) era conceder bolsas de estudos a estudantes carentes.

A lei mudou: hoje, boa parte das instituições são mantidas por instituições ‘com fins lucrativos’. Mas o governo tem convicção de que o caminho é mesmo estatizar vagas privadas? O ministro que passou um ano ouvindo os diversos segmentos sociais agora decide em menos de uma semana e já chega com o projeto na semana seguinte?

Prática saudável

A rigor, ninguém ainda conhece o modelo com que o governo pretende realizar a anunciada ‘reforma da universidade’, mas conviria entender porque as atuais instituições de ensino não aumentam vagas, não oferecem mais ensino noturno etc. As instituições públicas de ensino superior estão sem recursos, sem professores há mais de uma década. Por conta disso, as vagas para o ensino superior foram aparecer nas novas instituições privadas. Essas instituições vão agora oferecer também vagas públicas. Mas não são esses os cursos que o ministro diz que quer parar de abrir?

O caso da suspensão das autorizações dos cursos de Direito também merece reflexão. Corporação forte, a Ordem dos Advogados do Brasil participa do processo de autorização de novos cursos de Direito (mas isso nenhum jornal noticiou). Isso significa que, a exemplo da Medicina, da Odontologia e da Psicologia, nenhum curso de Direito é autorizado a funcionar sem parecer favorável da Ordem dos Advogados do Brasil. Nos demais cursos, citados, o parecer deve ser do Conselho Nacional de Educação. Isso significa que a medida do ministro é, simplesmente, desnecessária. Ou não atende à OAB. Há muitos anos que nenhum curso de Direito, por determinação legal, pode ser autorizado sem a benção da OAB. E, nestes casos (para que entendamos as forças das corporações) nem mesmo universidades ou centros universitários, que têm autonomia para criar cursos ou aumentar vagas, podem se mover sem a prévia anuência da OAB.

A Ordem também realiza anualmente o seu exame. Ninguém exerce a advocacia se não for aprovado no exame da Ordem. Mas também ninguém é obrigado a fazê-lo. Para obter um cargo de delegado de polícia não é preciso ser advogado, basta o título de bacharel em Direito.

A OAB, agora, também iniciou a saudável prática de avaliar os cursos de Direito. Claro que alguns espernearam porque não gostaram dos resultados. Mas alegar, como alegou uma instituição de ensino do Rio de Janeiro, o monopólio estatal da avaliação não faz sentido. Aliás, esse argumento jamais foi utilizado por qualquer instituição de ensino para questionar o Guia do Estudante da Editora Abril ou o ranking dos cursos da revista Playboy (também da Editora Abril).

Pauta aberta

O fato é que a troca de governo – e, agora, a troca de ministros – provocou um desmantelamento no sistema oficial de avaliação. Além disso, ainda no fim da gestão Paulo Renato, o sistema de autorizações de novos cursos – a cargo da Secretaria de Ensino Superior do MEC – tornou-se facilitado e permissivo. Os padrões de qualidade criados pelas extintas comissões de especialistas continuam, mas não há quem verifique seu cumprimento.

Com esta decisão, contudo, o novo ministro não apenas mostrou-se corporativo. O documento que a Ordem dos Advogados do Brasil entregou ao ministro tratava dos cursos de Direito, é claro, mas como saber se os cursos de Comunicação ou Jornalismo são diferentes? Aliás, e os indefectíveis cursos de Administração, Letras e Pedagogia, que só exigem cuspe e giz e não têm corporações tão fortes?

E por que cargas d’água, se a avaliação da OAB mostra uma enormidade de cursos precários e insuficientes, o ministro suspende a autorização de novos cursos? Os cursos condenados pela OAB estão funcionando. Punem-se, então, os que desejam ingressar no mercado?

A suspensão das autorizações de novos cursos é decisiva. Mas é fundamental também que as avaliações do MEC – que tem, é evidente, o monopólio da punibilidade – sejam capazes de detectar os cursos com problemas, exigir soluções e, caso não se corrijam num prazo determinado, que se feche o curso.

Alguém vai se lembrar que o MEC, ainda no governo anterior, pediu o fechamento de cursos mas foi obstado por liminares judiciais? Que cursos são estes? Como estão? Ainda funcionam?

Quem vai querer a pauta?