Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A saúde pública precisa da boa informação


Alberto Dines – Dr. Barbosa da Silva, antigamente se dizia que o mosquito é municipal, mas hoje nós vivemos em dimensão global, as doenças são globais, as fronteiras estão sendo derrubadas e trocam um intercâmbio muito intenso. Para começar essa nossa edição do Observatório, eu queria que o senhor dimensionasse o real perigo da gripe aviária e, sobretudo dessa coisa nova, que para nós é nova, da febre maculosa.


Jarbas Barbosa – Eu creio que em primeiro lugar é bom lembrar que as doenças infecciosas já foram um gigantesco problema de fato, se comparado aos dias de hoje. Para você ter uma idéia, na década de 30, metade das mortes que ocorreram nas capitais brasileiras era relacionada a doenças transmissíveis. Hoje, no total da mortalidade brasileira, nós temos de 5% a 6% relacionadas com doenças infecciosas. O que acontece então? O que está na mídia é um mundo praticamente sem vírus e bactérias. A gente conversa com jornalista, fala em tuberculose e ele pergunta: ‘A tuberculose voltou?’. A tuberculose nunca foi embora, a incidência hoje é que é muito menor do que era há 4 ou 5 décadas atrás. Mas é uma doença que ainda produz 82 mil casos novos por ano no Brasil. Quando a gente fala em lepra, hanseníase (a mesma coisa), muitas pessoas acham que ela não existe mais, o que não é verdade.


Há uma expectativa, as novas descobertas de vacinas, os antibióticos reforçam essa utopia nunca realizável, pelo menos com o conhecimento que a gente tem hoje, de que iríamos viver num mundo completamente seguro. Tente imaginar se a gente estaria agora com uma doença sexualmente transmissível como a Aids sendo um grande pesadelo… Há dois anos tivemos uma nova doença que foi chamada de pneumonia asiática, que se espalhou rapidamente e causou pânico grande.


Agora vivemos inclusive esse medo com relação à pandemia da gripe. Como foi dito, é uma confusão muito grande. Temos um problema real que é um subtipo do vírus da gripe que infecciona frangos e desde 2003 para cá já causou a morte, ou por doença ou por exterminação para conter focos da doença, de mais de 120 milhões de cabeças de frango, um problema social e econômico grave, localizado principalmente na Ásia, mas também em países da Europa. Esse vírus, como ele aprendeu a pular de aves para o ser humano, nós já temos aí pouco mais de 130 casos em seres humanos nesse período de 2 anos, há uma possibilidade de que esse vírus aprenda também a passar de uma pessoa para outra e com isso a gente teria um subtipo do vírus completamente novo para o qual o nosso organismo não tem nenhuma defesa e aí teria condição de expansão.


Nós não sabemos prever quando isso vai ocorrer, se vai ocorrer com esse subtipo ou com outro, e não sabemos prever a gravidade. Imagens que remetem à gripe espanhola não encontram muita base de realidade porque hoje existe antibiótico, há tecnologias completamente diferentes para combater essa pandemia, tanto que no século passado a pandemia gravíssima foi a gripe espanhola; quanto às outras três, algumas delas, por exemplo, em países como o Brasil sequer foram percebidas como problema grave de saúde pública.


Agora, como nós não conseguimos prever temos que estar bem preparados, e para estarmos bem preparados temos que nos preparar para o pior. Mas no momento o que nós temos é uma doença de aves, e a gente tem que se precaver para que ela não chegue ao Brasil. No entanto, o Brasil não tem nenhum caso de gripe aviária. O Brasil exporta aves, é o maior exportador de frango, a gente corre um risco relativamente baixo por essa via. Para você ter uma idéia, numa pesquisa que o ministério fez por telefone, 30% da população consultada disseram estar ficando temerosa de se alimentar de frango. Nenhum frango brasileiro nunca teve esse subtipo, e mesmo que tivesse a gente não tem nenhum caso de transmissão por ingestão, porque o cozimento – fritar o frango – elimina qualquer vírus, inclusive o vírus da influenza.


Alberto Dines – Dr. Mercadante, e essa febre maculosa que parece uma novidade? A imprensa a trata como a última moda em matéria de doença, mas ela é conhecida nos Estados Unidos, nas Montanhas Rochosas é comum. Qual a gravidade disso?


Otávio Mercadante – A febre maculosa é uma doença grave, com certeza. Ela tem uma mortalidade alta, mas se o tratamento for precoce é muito melhor. O diagnóstico precoce é muito importante, portanto essa preocupação da mídia e das autoridades em saúde pública tende a ter um efeito positivo, porque o objetivo, com essa informação, é que o médico faça o diagnóstico precoce e que a pessoa que teve contato com o carrapato na região que pode ocorrer ou que esteja ocorrendo a doença procure precocemente o serviço de saúde. Então, veja bem, é um exemplo clássico em que a mídia desempenha um papel importante.


Mas nós temos também que dar uma certa ponderação, porque não podemos passar a idéia de que estamos vivendo uma epidemia de febre maculosa. Estamos vivendo é a existência de casos que estão ocorrendo e sempre ocorreram quando a pessoa entra em contato com o carrapato que teve contato com animais infectados. Um exemplo em que o papel da mídia, junto com as autoridades de saúde pública e com os médicos, passa a ter um efeito positivo. O efeito negativo é o pavor, o medo de uma doença que não tem dimensão tão extensa, que não ocorre pelo simples contato com animais com carrapato.


Enfim, é todo um pânico que é perfeitamente trabalhado. Acho que a população é muito sensível e ela apreende muito rapidamente aquilo que diz respeito à saúde porque diz respeito a aspectos da sua vida, então eu acho que esse é um exemplo clássico do papel importante da imprensa e como nós podemos ir trabalhando ao longo do processo, ao longo de como as coisas vão aparecendo em sua verdadeira dimensão. Não é uma epidemia generalizada, todo mundo já percebeu isso, mas por outro lado permanece a preocupação por ser uma doença grave que pode levar a morte.


Alberto Dines – Dr. Medronho, o caso da febre maculosa e da morte, que chamou atenção, de um colega nosso aqui da TVE, um jornalista [Roberto Moura, crítico de música e professor de Jornalismo, morreu em 14 de outubro de febre maculosa – um dos dois óbitos entre os seis casos notificados de pessoas picadas por carrapato quando hospedadas numa pousada campestre da Região Serrana do Estado do Rio; ver remissões abaixo], me parece que foi mais desinformação do médico. Quer dizer, os médicos não estavam atentos, médicos urbanos não estavam atentos a uma doença rural. A mídia nesse caso serve para chamar a atenção do médico, fazer com que ele se lembre da aula de medicina e pense – ‘Não, esse sujeito pode ter ido para o campo e pode ter sido picado por um carrapato’. Junto ao médico, qual é o papel da mídia?


Roberto Medronho – O papel da mídia eu julgo fundamental. Na verdade, diante de um caso como esse que você relatou, nós aprendemos nos bancos escolares, e nós ensinamos isso na UFRJ e em todas as universidades deste país, que algumas perguntas básicas precisam ser feitas – onde você esteve, em que período. Essas perguntas, se tivessem sido feitas nesse caso e em outros que ocorreram, certamente o desfecho teria sido diferente. E o outro problema, o do médico urbano, eu até diria mais, o médico urbano especialmente o da rede privada. Não há um demérito nisso, apenas esses profissionais não estão habituados a essas doenças comuns do ponto de vista de um médico que trabalha no dia-a-dia no serviço público. Então, nesse caso, o papel da mídia foi fundamental, de alertar e certamente contribuiu para que não houvesse mais óbitos de uma doença que, diagnosticada no início, o tratamento é simples, barato, sem deixar nenhuma seqüela.


Alberto Dines – O papel das autoridades – comunicação, alertar, criar, digamos, na sociedade, todos aqueles mecanismos de defesa. O que o ministério faz normalmente? Faz anúncio, chama a imprensa, treina a imprensa? Por que ela tem que ser treinada para fazer a comunicação de saúde? Qual é a atitude do Ministério da Saúde, não apenas nesses casos, nessas novas ameaças, mas como política permanente?


Jarbas Barbosa – Como política permanente, nós temos convicção de que hoje a mídia desempenha um papel muito importante para notificar rapidamente coisas anormais que estejam ocorrendo. Por exemplo, faz parte da nossa rotina da vigilância epidemiológica percorrer o clipping de todos os grandes jornais, de todos os estados do país, para tentar identificar notícia de que o médico talvez esteja esperando um ou dois dias para confirmar se se trata de algo novo ou não.


E para nós é muito positivo o jornalista que não tem nenhum compromisso em confirmar se aquilo é mesmo uma doença A ou B: ele já diz que é, o que nos leva a fazer uma verificação. Porque um dos pilares da vigilância é a notificação precoce, o sistema tem que ser sensível, nesse sentido a mídia tem um papel muito positivo, está bem provado: há estudos inclusive que analisaram o comportamento da população diante de crises, de epidemias, e as autoridades têm que ter, primeiro, transparência. Acho que no mundo de hoje é impossível esconder qualquer coisa, qualquer tentativa de esconder algo de anormal que esteja acontecendo, um surto, uma epidemia, tem o efeito exatamente ao contrário, porque vai ser divulgado e a população vai de cara desconfiar de que se não foi dito é porque talvez seja até mais grave.


Agora, quando a mídia divulga deve, ao mesmo tempo, procurar fontes qualificadas, porque um dos problemas nas epidemias é que muitas vezes medidas irracionais são propostas, sugeridas. Já vi várias, e para cada situação dessas as pessoas ficam ansiosas, tem um componente psicológico muito forte nas epidemias. Buscar fazer a divulgação de medidas evidentemente baseadas em conhecimento técnico-científico é fundamental. E aí há uma diferença muito grande, creio que hoje já existem bons setoristas da área de saúde no Brasil que sabem distinguir o que é uma fonte confiável, o que é uma informação precisa e o que é especulação, o que é conhecimento daquele caso.


O difícil é o plantão de fim de semana, quando é um jornalista que nunca ouviu a área de saúde, não sabe o que é um vírus, uma bactéria, e aí temos que ter um cuidado muito grande, paciência, passar a informação precisa, porque às vezes uma palavra mal colocada, uma informação confusa pode levar a população a adotar medidas que não protegem, e pelo contrário, às vezes pode desperdiçar recursos que poderiam ser utilizados adequadamente em outras situações.


Alberto Dines – Vamos descer um pouquinho mais nos problemas da mídia. A jornalista Conceição Lemes, na reportagem, falou na indústria farmacêutica, que cria pela mídia uma sensação de que tudo é possível, a ciência é imbatível, as doenças vão acabar. E de repente surge um surto desses. As pessoas se desequilibram, porque lhes é passada ao longo de anos a sensação de que a ciência vai resolver tudo, e de repente vem uma surpresa. Como o senhor vê esse clima otimista incentivado pela indústria farmacêutica e as realidades da mutação das doenças?


Otávio Mercadante – São duas coisas diferentes. A indústria farmacêutica tem uma atuação constante entre os médicos, no sentido pessoal, para introduzir novos produtos no mercado, mostrar a sua eficácia, que resolverá os grandes problemas de saúde. Nas epidemias, acho que é um fenômeno diferente. Na verdade, a epidemia é sempre um fenômeno social. Quando estou tratando de um remédio para um paciente é uma realidade individual clínica, quando eu falo de epidemias, é um fenômeno que transborda simplesmente o aspecto biológico e passa a ser um fenômeno do ponto de vista de consciência social, do ponto de vista da repercussão econômica, de crenças, de atitudes, é um fenômeno muito mais amplo. E ai, a indústria farmacêutica, eu acho, tem uma responsabilidade, e ela pode jogar um papel muito grave para saúde pública, e o Estado não pode permitir que a indústria farmacêutica apareça com um antiviral milagroso que vai combater a epidemia da gripe aviária. Temos que tomar cuidado com isso.


Mas também tivemos a epidemia da meningite, e a indústria farmacêutica aparecia com remédios milagrosos, com propaganda para o uso de antibióticos, que nós sabemos que naquela situação são absolutamente contra-indicados, até com risco para a saúde pública. Então, aquele que seria o fenômeno social da epidemia é acompanhado de um fenômeno social do mercado, querendo colocar produtos. Provavelmente na Idade Média eram amuletos, chás… Já na sociedade atual, são produtos farmacêuticos, mas eu acho que nós temos que pensar no Estado, na saúde pública, na autoridade sanitária como alguém que regula e impede que isso vá para o juízo da população.


Alberto Dines – Remontando ao passado, o mata-mosquito fazia o contato entre a autoridade pública e a população, os jornais mal cobriam essa área de saúde: ele é que fazia essa intermediação mensal, quinzenal. O mata-mosquito representava o combate à doença. Como é que hoje se faz essa mediação entre a autoridade sanitária e a população, além do trabalho da imprensa, é claro?


Roberto Medronho – Eu diria que mais ou menos da mesma forma. Nós ainda temos os mata-mosquitos, que são importantíssimo no combate à dengue, e eles fazem exatamente isso, vão de casa em casa para combater os focos do mosquito. O grande problema é que a saúde de uma forma geral não é responsabilidade exclusiva do setor Saúde. Se você não tem um planejamento urbano adequado, saneamento básico, se você não tem uma arquitetura boa e um sistema de transporte, enfim, uma série de questões que interagem, a dengue ocorre, e o culpado é a Saúde. Com a globalização, com a urbanização desordenada, com o próprio aquecimento global, as estratégias de combate à dengue, na verdade, na maioria, são as mesmas do passado. Hoje precisam ser revistas. A participação da comunidade é absolutamente estratégica, nós não conseguiremos controlar a doença se não tivermos uma participação efetiva da comunidade. Com isso estamos responsabilizando a população. Agora, é papel do Estado, da mídia, da sociedade esclarecer e bem-informar para que todos possamos combater a doença.


Ivan Nogueira, do Rio de Janeiro, e José Antonio Prado, de Belo Horizonte – Dr. Jarbas Barbosa, não seria o caso de o Ministério da Saúde criar uma agência de notícias para ajudar no trabalho de esclarecimento da população?


Jarbas Barbosa – Eu acredito que a gente deve utilizar a mídia tal como ela existe. Acho que isso garante, inclusive, mais veracidade, mais certeza de que os fatos são contados como eles são. Estamos continuamente preocupados em municiar a mídia com informações. O Ministério da Saúde tem uma homepage [www.saude.gov.br], jornais, revistas, matérias, notas divulgadas continuamente, e nós incluímos nos cursos de preparação do nosso pessoal que trabalha principalmente com epidemias, em alguns desses treinamentos, comunicação em momentos de crise, como epidemias.


Isso é fundamental. Às vezes temos técnicos muito bem-informados, mas que, por não perceberem como aquela informação deve ser passada, terminam comprometendo a própria qualidade da informação. Então, acredito que o ministério tem que utilizar essa rede imensa que temos no Brasil – jornais, TVs, rádios, garantindo informações confiáveis, transparentes e com base técnica bem evidente. Quando isso é feito o ministério e a secretaria de Saúde se tornam naturalmente fontes confiáveis e importantes para a imprensa e para a população.


Cecília Moreira e o professor Enilson Nunes – Dr. Otávio Mercadante, será que não é hora de os cursos de Jornalismo incluírem pelo menos matérias eletivas nas áreas de saúde e ciência em geral?


Otávio Mercadante – Eu acho que é mais do que oportuno. O Alberto Dines falou claramente isso, houve uma ironia muito grande nos últimos anos por causa da especialização do jornalista em áreas como saúde, educação, ciências etc., mas realmente existe a necessidade de um esforço mais concentrado na formação sistêmica, e não é complicado. Hoje a população em geral, a classe média, que acessa a internet, já procura o site até para poder discutir com o médico o remédio que vai tomar. Então eu acho que nós estamos vivendo um grande avanço e uma grande possibilidade de estarmos formando melhores jornalistas.


Paula Maria Cordeiro – Sr. Roberto Medronho, da mesma forma que o jornalista tem que aprender mais sobre a área científica, médicos e cientistas não deveriam aprender a falar mais claramente nas entrevistas?


Roberto Medronho – Com certeza. Aliás, as diretrizes curriculares do MEC para Medicina atualmente exigem do profissional médico e de outras profissões da área da saúde a base de comunicação. Sem comunicação você não consegue objetivamente se comunicar com seu paciente e, principalmente, com a grande massa da população. Então, é fundamental, acho estratégico no mundo moderno, que o profissional médico tenha uma formação objetiva e clara da importância que é a comunicação, não apenas com o seu paciente no nível individual, mas também e principalmente com a comunidade, com a sociedade como um todo.


Alberto Dines – Um problema de que já tratamos aqui no Observatório é a questão da publicidade. Às vezes, os governos consideram sua missão comunicadora cumprida. Acho que o anúncio na área de saúde, por exemplo, pode ter um caráter motivacional, mas o que é importante mesmo é que a comunicação da autoridade sanitária se faça através da mídia e de uma forma intensiva. A mídia tem que ser convocada, ela tem uma função social, e ela não pode deixar de atender a essa convocação, porque o anúncio, que custa caro, tem um caráter um pouco deletério. A convocação de uma manchete é mais forte do que uma convocação de um anúncio em quatro cores?


Jarbas Barbosa – Exatamente. Creio que no Ministério da Saúde – falo do ministério, mas no sistema de saúde de maneira geral – temos que trabalhar com essas duas dimensões. Publicidade, às vezes, é vista pela imprensa, pelo Congresso, como se o ministério estivesse divulgando seus feitos, quando 99% da nossa publicidade dizem às pessoas que, ao fazerem sexo com desconhecidos, têm que usar a camisinha. Um aspecto da nossa comunicação é passar mensagens sobre medidas de prevenção, porque na sociedade, hoje, quanto mais informação confiável a gente passar, as pessoas vão ter mais condições de tomar decisões acertadas sobre sua própria saúde.


Creio que o Estado tem que informar para que as pessoas possam tomar sua decisão numa base de confiança naquela informação e, ao mesmo tempo, ter essa transparência com a imprensa. Creio que uma autoridade sanitária que não gosta de falar com a imprensa, ou fica com medo de uma coletiva, seguramente não vai desempenhar bem seu papel, porque para a população uma informação passada pela imprensa num noticiário, num jornal, na TV, no rádio tem uma força muito grande. Hoje, o que não está na mídia é quase como se não acontecesse. Como a tuberculose. Se a tuberculose não dá epidemia nunca vira manchete.


Outra ação fundamental, principalmente em momentos de crise, é dizer claramente qual é o risco exato de uma situação. E isso não é uma coisa muito fácil, porque em saúde pública, muitas vezes, a gente tem que equilibrar as decisões, e muitas vezes não tomamos decisões absolutamente certas, equilibradas, para proteger a população de determinados riscos. Quer dizer, se a gente restringe um produto, se dizemos às pessoas que façam ou que não façam tal coisa, a gente está tendo um grau de interferência pesado, mas para gerar o maior benefício com a menor restrição. Então, essa comunicação por intermédio da imprensa dá um caráter de veracidade muito grande, porque as pessoas sabem que o jornalista está livre para perguntar o que quiser, fazer perguntas difíceis, duvidar do que a autoridade está falando. Então, creio que isso passa um tom de veracidade muito grande para a população.


Waldir Nunes, de Goiás – Dr. Mercadante, a imprensa não se deixa levar por alguns boatos, já que o anúncio de um risco de epidemia vende mais jornal?


Otávio Mercadante – Eu acho que o risco que nós temos é esse, de que a boa notícia não dá interesse. É evidente que ninguém vai estar noticiando constantemente o trabalho de prevenção do bombeiro. Quando aparece epidemia é isso que é divulgado pela mídia. Nós precisamos aprender a trabalhar com isso. Na minha experiência, toda vez que eu senti efeito nas minhas palavras, tentando passar informações a mais pessoas, foi em entrevista coletiva, com jornalistas. Isso porque eles me questionaram duramente, eles faziam perguntas que a população e a comunidade estão querendo fazer. Então, eu acho que o alarmismo é uma espécie de subproduto, como em outras esferas de outras áreas de conhecimento.


Eduardo Santos, do Rio de Janeiro – Professor Medronho, não falta a mídia cobrir melhor as políticas de saúde dos governos federal, estaduais e municipais? Isso não ajudaria a pressionar as autoridades para termos uma saúde melhor?


Roberto Medronho – Eu acho que a mídia cobre razoavelmente bem. O grande problema, como o professor Mercadante já havia colocado, é que o grande destaque muitas vezes é para os aspectos negativos – e que são fundamentais, precisam ser denunciados. O papel da mídia na cobrança das autoridades, é verdade: quando a mídia pauta um determinado problema há uma grande mobilização do governo. Esse é o papel importante que a mídia desempenha.


Agora, seria interessante que ações educativas fossem feitas de forma mais continuada, e não apenas nesse momento de crise. Obviamente que um momento de crise deve ser coberto, mas algumas ações educativas necessárias, acredito que a mídia tem um grande papel nisso. Acho muito mais importante, de certa forma, eventuais excessos que tenham ocorrido do que o que já ocorreu na década de 70. A epidemia de meningite nos anos de 73, 74 foi reprimida e censurada. A meningite foi uma doença censurada. Há um livro belíssimo da professora Rita Barata [Meningite: Uma doença sob censura?, da médica-epidemiologista Rita Barradas Barata, Editora Cortez, São Paulo, 1988] que é de São Paulo [professora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo], que discute isso. A censura amplificou o número de casos e de óbitos porque o médico não sabia, a população não sabia que estava tendo epidemia. A epidemia era coisa de epidemiologistas e sanitaristas comunistas, era o que se dizia na época. Então, os jornais eram censurados e com isso aumentou e muito a gravidade e a magnitude dessa epidemia.


Jarbas Barbosa – Primeiramente parabenizo pelo tema. Creio que é um tema extremamente atual. Se nós conseguirmos manter por um lado o clima de total transparência e cobrar que as autoridades, os médicos, dêem informações baseadas em evidências, baseadas em fatos científicos, será extremamente importante para a melhoria da saúde da população. Por outro lado, é nítida a necessidade de que haja uma profissionalização da imprensa. Eu creio que ela já vem ocorrendo. Hoje há setoristas de saúde em jornais brasileiros que conversam conosco quase como se fossem profissionais de saúde, mas pela rotatividade eu creio que muitas vezes há manchetes induzidas que geram mais pânico do que informam. É um exercício cotidiano essa relação entre o setor saúde e imprensa, que é o principal veículo para se chegar à população. É extremamente saudável o pleno exercício do direito fundamental de informar sobre coisas que podem colaborar para que as pessoas tenham um melhor nível de saúde.


Otávio Mercadante – Eu queria enfatizar enquanto profissional essa experiência muito dura que foi a censura do regime militar. Eu era sanitarista [profissionais da saúde pública que na ditadura lutaram pela Reforma Sanitária, que resultou na criação do Sistema Único de Saúde] na época. Isso causou uma ferida que felizmente está cicatrizando. Os jornalistas que não viveram essa experiência chegam e, quando a gente faz uma declaração, a primeira coisa que aparece no rosto deles é um grande ponto de interrogação: ‘Será que ele está falando a verdade? Será que ele está passando a informação correta ou está só falando porque o chefe dele, o governador, o secretário, está exigindo que ele faça uma censura?’ Isso realmente está diminuindo, mas acho que é um compromisso das autoridades sanitárias e também da mídia que haja sempre transparência.


Roberto Medronho – Eu gostaria só de acrescentar algumas questões que eu acho importantes, além das já colocadas. O papel da mídia é extremamente positivo na divulgação da informação, na pressão das autoridades para que elas mobilizem seus recursos para prontamente dar respostas objetivas para determinados problemas. Eu acho que não só a formação, a necessária capacitação dos colegas da imprensa no sentido de divulgar de forma mais precisa as informações, mas também o papel da formação do profissional de saúde, especialmente do médico, é de extrema importância para que haja uma boa comunicação.