Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Abertura, visibilidade, liberdade e muitas certezas

O acesso livre ao conhecimento científico tem sido uma reivindicação mundial da comunidade científica global. Foram declaradas diversas manifestações de apoio como as que se seguem: 1) a Declaração de Budapeste; 2) a Declaração de Bethesda; e 3) a Declaração de Berlim, além de outras. No Brasil, o Ibict lançou em setembro de 2005 a ‘Manifestação Brasileira de Apoio ao Acesso Livre à Informação Científica’. Na mesma época, no âmbito do 9º Congresso Mundial de Informação em Saúde e Bibliotecas, foi elaborada a ‘Declaração de Salvador sobre o Acesso Aberto: a perspectiva dos países em desenvolvimento’; em dezembro de 2005, um grupo de pesquisadores fez a ‘Carta de São Paulo’ e, em 2006, a Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação de Psicologia (ANPEPP) lançou em seu congresso a ‘Declaração de Florianópolis’.

O movimento do acesso livre à informação é uma resposta à crise dos periódicos científicos iniciada na década de 1980. As dificuldades de manutenção das coleções de periódicos científicos não são um privilégio das bibliotecas brasileiras, mas de bibliotecas de todo o mundo.

Esse movimento é, também, uma resposta ao fato de o pesquisador, ou autor, entregar gratuitamente o copyright de seus trabalhos aos editores ou publicadores científicos. Nesse ciclo da comunicação científica, os únicos beneficiários são os editores ou publicadores. Esses editores, em nome da defesa dos direitos de autor, visando a garantir a qualidade dos trabalhos e protegê-los contra cópias piratas, nada repassam aos autores e, muitas vezes, os autores são obrigados a pagar para ver os seus trabalhos publicados.

Propostas de aperfeiçoamento

Vale ressaltar que a maioria das pesquisas científicas é custeada pelos governos e, da mesma forma, o acesso ao principal insumo das pesquisas científicas – as informações resultadas dessas pesquisas – é garantido pelo governo. Ou seja, nós, cidadãos, por meio do pagamento de impostos, acabamos pagando duas vezes pelo mesmo produto: a pesquisa científica.

Em estudo recente, verificou-se que o custo da elaboração de um artigo ou de um capítulo de livro varia, dependendo da área do conhecimento, de 50 mil reais a 70 mil reais. Esse custo é bancado pelo governo, uma vez que a grande maioria dos pesquisadores é funcionário de instituições públicas.

A leitura cuidadosa do inteiro teor do PL 1120/2007 possibilitará ao leitor perceber a sua simplicidade. É importante ressaltar que esse projeto de lei não fere nenhum direito do pesquisador e, portanto, do cidadão em geral. Muito pelo contrário, esse projeto, se aprovado e implementado com sucesso, permitirá à pesquisa brasileira maior visibilidade, tanto no plano nacional, quanto internacional, assim como o pesquisador e o seu trabalho terão maior visibilidade e maior potencial para serem citados, objetivo maior de um pesquisador.

Esse projeto de lei não propõe qualquer forma nova de comunicação científica e a sua proposta não é a única forma de divulgação dos resultados de uma pesquisa. A liberdade de o pesquisador publicar os seus resultados de pesquisa continua intacta, sem qualquer cerceamento. Em outras palavras, o pesquisador continua tendo liberdade de escolher o periódico científico que mais lhe convier para submeter os resultados de suas pesquisas.

Vale ressaltar que o projeto de lei está protocolado na Câmara para discussão, aperfeiçoamento e consecutiva votação. Portanto, o teor que foi protocolado pode ser mudado de acordo com a submissão de propostas de aperfeiçoamento aos canais competentes. Assim, se a comunidade científica e acadêmica entender que existem imperfeições nesse projeto de lei, basta entrar em contato com esses canais para que se façam os devidos aperfeiçoamentos.

Um portal imprescindível

O PL 1120/2007 estabelece a obrigatoriedade das universidades e unidades de pesquisa construírem os seus repositórios institucionais e que os seus pesquisadores, professores e alunos depositem uma cópia da sua produção técnico-científica. Esse PL estabelece também a criação de uma comissão de alto nível para a discussão e o estabelecimento de uma política nacional de acesso livre à informação científica.

O PL está em consonância com as ações do movimento mundial em prol do acesso livre à informação. Segundo Stevan Harnad, líder mundial do acesso livre, existem em todo o mundo cerca de 24 mil títulos de periódicos científicos, avaliados pelos pares, e um total aproximado de 2,5 milhões de papers publicados anualmente nessas revistas. As universidades e unidades de pesquisa possuem capacidade para assinar apenas uma pequena fração desse conjunto de títulos de periódicos científicos. Isto significa dizer que todos esses papers são acessíveis apenas a uma pequena fração de potenciais usuários. E, conseqüentemente, a pesquisa está tendo apenas uma fração de seu potencial de uso e impacto.

Se pensarmos em termos de Brasil, o Portal de Periódicos da Capes tem cerca de 10 mil periódicos científicos – alguns deles de pouca importância, outros, relevantes. Isso, comparado com os números citados por Stevan Harnad, mostra que a nossa comunidade acadêmica tem acesso a menos da metade da quantidade de periódicos científicos existentes no mundo. Portanto, a nossa comunidade acadêmica tem acesso a uma fração ainda menor da pesquisa publicada no mundo todo. Isto nos leva a crer que esse fato pode influenciar nosso potencial de pesquisa, que pode ser mais reduzido do que se possa pensar. Ainda assim, esse portal continua sendo importante para o país e para a comunidade científica do país. Não se pode prescindir desse portal.

Rapidez na disponibilidade

Segundo esse mesmo autor, 15% da produção científica mundial já se encontra em repositórios de acesso livre. Os estudos mostram que os trabalhos que são depositados em repositórios de acesso livre têm um incremento de cerca de 300%, em média, no fator de impacto. Ou seja, a média de citações desses trabalhos, depositados em repositórios institucionais de acesso livre, cresce em cerca de 300% em relação aos trabalhos publicados em revistas impressas, cujo acesso é restritivo.

Após citar essa série de números e comprovações, talvez fique mais fácil entender o espírito do PL 1120/2007. É importante salientar que o depósito dos trabalhos publicados e revisados pelos pares interessa não apenas aos burocratas de Brasília, mas principalmente aos próprios pesquisadores. São eles os maiores beneficiados com esse projeto de lei. O cumprimento dessa nova lei dará maior visibilidade às pesquisas, aos pesquisadores e às universidades brasileiras, além de proporcionar um maior acesso aos resultados de pesquisa. Não se trata, portanto, de o governo querer dar visibilidade aos seus investimentos em C&T, mas certamente, com essa iniciativa, esses repositórios poderão dar maiores subsídios para o planejamento da ciência e tecnologia no país, por meio da geração de indicadores. Hoje, isso não é possível.

Stevan Harnad mostrou que o fato de os pesquisadores depositarem os seus resultados de pesquisa tão logo os mesmos sejam aceitos pelas revistas científicas acelera o desenvolvimento das pesquisas, uma vez que esses trabalhos passam a ser citados de forma mais rápida do que se ficassem restritos à sua forma impressa. Nos casos em que esses resultados fiquem restritos apenas à forma impressa das revistas, eles só seriam citados a partir da publicação e distribuição da revista. Esse tempo de publicação e distribuição provoca um retardo na citação desses trabalhos. O PL propõe que os trabalhos, revisados pelos pares e uma vez aceitos para publicação, sejam imediatamente depositados nos repositórios institucionais, ficando, portanto, disponíveis antes da distribuição da revista em que o mesmo foi selecionado e publicado. Vários editores científicos já estão permitindo esse tipo de depósito.

Garantia da originalidade

Verifica-se, portanto, que o PL não propõe, como alguns podem pensar, uma nova forma de comunicação científica e, sim, que os pesquisadores, professores e alunos de uma universidade ou centro de pesquisa, depositem uma cópia de seus trabalhos publicados em revistas avaliadas pelos seus pares. A proposta do PL 1120/2007 não é o depósito de pré-prints, mas o de pós-prints, ou seja, trabalhos que já tenham sido revisados pelos pares. Portanto, os trabalhos acessíveis, por meio desses repositórios institucionais, terão a qualidade das revistas às quais os pesquisadores submeteram esses trabalhos.

É bem verdade que ao longo desses últimos três anos diversas iniciativas de repositórios institucionais ou temáticos que têm como forma de ingestão o auto-arquivamento fracassaram, pois os pesquisadores não os alimentavam, ou melhor, não depositavam uma cópia de suas publicações nesses repositórios.

As razões para esse descaso? Podem existir várias razões, mas apenas uma delas é verdadeira: é o fato de o pesquisador ter que despender alguns minutos digitando os meta-dados e fazendo o upload de seus trabalhos. Esse é o único fator comprovado e declarado pelos pesquisadores. Todos os outros fatores que possam ser elencados são meras especulações. Entre esses fatores, existe o medo que alguns pesquisadores têm de se expor, de mostrar o seu trabalho, considerando que o depósito de um trabalho em um repositório ganha maior visibilidade, é mais acessado.

Um outro fator é o medo de alguns pesquisadores de que o seu trabalho seja copiado. Isso não procede, pois uma vez que o trabalho está publicado e depositado, certamente será muito mais fácil comprovar a cópia e garantir a originalidade do referido trabalho. Em função da alta visibilidade que esses trabalhos ganham a partir do seu depósito nos repositórios de acesso livre, será muito mais fácil identificar a cópia do que se esse trabalho ficasse apenas em revistas em papel.

Encaminhamento democrático

Está demonstrado que o auto-arquivamento em repositórios institucionais ou temáticos só funciona mediante um mandato. Na Austrália, foi realizada uma pesquisa na qual se verificou que, nas universidades onde existia um mandato para o depósito de teses e dissertações em meio digital, houve um total de 95% de depósitos de teses e dissertações. Naquelas universidades que não estabeleceram um mandato de depósito de teses e dissertações, apenas 17% dos autores depositaram as suas teses e dissertações. Isto mostra a necessidade de se estabelecer um mandato para o auto-arquivamento dos resultados de pesquisa.

Um outro exemplo que corrobora os ideais do PL1120/2007 é o da Plataforma Lattes. Considerando que para obter auxílios junto ao CNPq, o pesquisador tem que preencher o seu CV Lattes, hoje praticamente todos os pesquisadores tem o seu CV Lattes. Todas as outras tentativas anteriores de registro de projetos e de curricula vitae não tiveram sucesso, uma vez que não havia a obrigatoriedade ou alguma moeda de troca que estimulasse os pesquisadores a preencher o seu CV Lattes. A partir do momento em que passou a ser obrigatório o preenchimento do CV Lattes para a obtenção do auxílio às pesquisas, pode-se comprovar o sucesso que essa plataforma experimenta hoje.

A questão do autoritarismo não tem qualquer relação com a proposição do referido PL, uma vez que se trata ainda de um projeto de lei que se encontra em discussão na Comissão de C&T da Câmara dos Deputados. Portanto, não existe qualquer instrumento de força envolvido e não há deliberação unilateral alguma. O projeto foi protocolado e exposto à sociedade por diversos meios de comunicação para discussão e aperfeiçoamento. Além disso, em breve será realizada uma audiência pública com o propósito de aprofundar as discussões e o debate sobre esse PL. Não se vê, portanto, no processo de submissão, discussão e eventual aprovação desse projeto, qualquer vestígio de autoritarismo, mas sim, o de um encaminhamento livre e democrático.

Competência técnica

Quanto a ferir a autonomia universitária, trata-se de outro alarde sem fundamento. Todo e qualquer órgão público é obrigado a prestar contas periodicamente ao Tribunal de Contas da União e nem por isso esses órgãos reclamam qualquer interferência à sua autonomia. É importante ter em mente que uma pesquisa só se conclui com a divulgação ampla e irrestrita de seus resultados. O acesso livre a esses resultados é uma forma democrática, ampla e irrestrita de divulgá-los.

O Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict) identificou, testou e adaptou o software Open Journal Systems para a língua portuguesa, denominando-o de Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas (SEER). O Ibict vem capacitando técnicos, de informática e editores quanto ao uso e desenvolvimento desse software. Hoje, mais de 600 profissionais, editores e técnicos de informática, já foram treinados para a utilização e desenvolvimento do SEER. Atualmente, 230 revistas utilizam esse software. É bem verdade que as revistas que o utilizam têm alguma similaridade em função dos padrões adotados. Mas trata-se de um software compatível com os padrões Open Archives e, portanto, permite a coleta de meta-dados, possibilitando assim a integração das revistas que o utilizam.

Esses padrões permitem a interoperabilidade entre as revistas implementadas nesse software. Além disso, é possível inter-operar essas revistas com os repositórios institucionais que utilizam os mesmos padrões. O Ibict dissemina e transfere à comunidade provedora de informação um conjunto de software compatível com esses padrões. Essa iniciativa possibilitará a criação de um provedor de serviços capaz de inter-operar todos os repositórios digitais e publicações que utilizam essas ferramentas. Isto significa que o Ibict já possui competência técnica e uma plataforma de software capaz de dar suporte ao PL 1120/2007.

Otimização de recursos

O software OJS ou SEER oferece um padrão gráfico que pode ser sofrível para alguns, como pode ser agradável e prático para outros. O belo é relativo, cada um tem o seu conceito. O que é bonito para uns, não o é para outros. O fato é que o software oferece possibilidades de melhoria da qualidade gráfica de sua interface. No entanto, para esse aperfeiçoamento é preciso que os editores possam contar com designers, profissionais ou não.

Normalmente, no Brasil, as publicações científicas são altamente dependentes dos recursos públicos. Infelizmente, as nossas publicações científicas, salvo algumas exceções, não possuem um modelo de negócios sustentável. Em conseqüência, via de regra, as nossas revistas científicas não contam com recursos financeiros e orçamentários abundantes de forma a contratar um bom designer e um bom suporte tecnológico para as suas revistas. O que ficou comprovado, durante esses três anos de distribuição do software SEER e de capacitação de técnicos quanto ao seu uso e desenvolvimento, é que essa iniciativa do Ibict transformou-se em uma solução para a sobrevivência das revistas científicas brasileiras. Caso contrário, elas teriam que depender dos altos custos de gráfica e, portanto, de auxílios de agências de fomento para a sua sobrevivência.

O sucesso dessa iniciativa se deve, principalmente, à otimização de recursos e das facilidades oferecidas pelo SEER aos editores, facilitando-lhes o trabalho de administração do processo de peer-review e de manutenção de suas revistas. Quem vê cara não vê coração! O SEER oferece muito mais do que uma interface aparentemente simplória.

Sem registros de reclamações

O SEER não é a apenas um sistema de editoração – se apenas isso fosse, já seria suficiente para atender às necessidades dos editores científicos brasileiros –, visto que oferece a possibilidade de incluir outros módulos, potencializando os recursos de disseminação da informação científica. Entre eles estão:

1. uma ferramenta de auxílio à pesquisa para todas as áreas do conhecimento, muito usada nas universidades no exterior porque contém centenas de fontes de informação de acesso aberto, em língua inglesa, na internet;

2. uma ferramenta de preservação digital denominada LOCKSS, para ajudar as bibliotecas a armazenar cópias de periódicos eletrônicos;

3. comunicação com o sistema DOI (Digital Object Identifier), um dos mais importantes padrões para identificar permanentemente um documento digital. Essas são algumas das facilidades que o SEER oferece aos editores e aos usuários.

É evidente que os editores poderiam adotar um software comercial para edição de suas revistas e certamente este poderia oferecer uma série de facilidades, além de uma melhor ergonomia na sua manipulação. Porém, para isso, é necessário que se disponibilizem orçamentos capazes de arcar com esses custos, o que as nossas revistas não possuem. Não se pode comparar um fusquinha com uma Ferrari. No entanto, ambos cumprem a função básica, que é a de se locomover.

O mesmo se aplica aos pacotes de software. A relação é praticamente a mesma, uma vez que a solução que o Ibict distribui é livre de custos e fonte aberta, permitindo ao editor customizá-la de acordo com as suas necessidades. Qualquer software comercial tem um custo muito alto, além da dependência de soluções proprietárias e que, normalmente, não oferecem qualquer inter-operabilidade com outros sistemas ou repositórios. O bonito tem o seu preço. Apesar da distância que normalmente existe entre um software livre e o software proprietário, o SEER tem todas as funcionalidades, ou mais, daquelas oferecidas por um software proprietário – sua única deficiência talvez seja a sua interface gráfica mais simples.

Ainda com relação ao design e ergonomia oferecidos pelo SEER, é bom ressaltar que as revistas científicas são diferentes de revistas como Amiga, Playboy, Veja e outras. As revistas científicas costumam guardar uma certa homogeneidade e simplicidade em seu visual, uma vez que o que importa, ao contrário das revistas comuns, é o seu conteúdo, e não o seu visual. Portanto, não se vê essa aparente deficiência do SEER como um problema, pois ele atende perfeitamente às necessidades dos editores e dos usuários, os leitores. Pelo menos, até o presente momento, não houve qualquer registro de reclamação a esse respeito.

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Coordenador-geral de Pesquisa e Manutenção de Produtos Consolidados do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), doutor em Ciências da Informação e da Comunicação, Brasília, DF