Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Ainda a democratização da comunicação

Entre os dias 17 e 23 de outubro, comunicadores, ativistas de mídia, estudantes, entidades e movimentos sociais realizaram, em todo o país, debates, seminários, oficinas, exposições, apresentações culturais, manifestações em praça pública e audiências em Câmaras de vereadores. Foi a III Semana Nacional pela Democratização da Comunicação, que teve por objetivo chamar a atenção da população sobre a enorme importância da mídia em nosso país. E também para o direito de todos a uma mídia onde estejam representados a pluralidade e a diversidade de opiniões e interesses existentes na sociedade.

Considerando que a grande mídia – com seu inigualável poder de agenda – raramente discute a si mesma ou se reconhece como ator fundamental da vida do país, certamente a III Semana Nacional pela Democratização da Comunicação passou despercebida da imensa maioria da população brasileira.

É verdade que a crise política que se arrasta desde maio passado, de alguma forma, colocou a mídia na agenda pública de discussão. Na tentativa de se entender quais são os principais atores e interesses em jogo é quase impossível que não se questione o papel fundamental que a mídia tem exercido. Exemplo disso são as repercussões das análises e comentários feitos por ‘pessoas que não são do ramo’ – como o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, a professora Marilena Chauí ou o economista Luiz Gonzaga Beluzzo, entre outros. Além disso, começam a se tornar públicas divergências internas importantes com relação às distorções e contradições da cobertura em alguns veículos.

De qualquer forma, entra ano e sai ano, realiza-se pela terceira vez a Semana Nacional pela Democratização da Comunicação e os problemas básicos que enfrentamos nesse campo insistem em não encontrar solução no Brasil.

Um exemplo que nunca é demais comentar é a questão da regulação de nossa radiodifusão. O fracasso na tentativa de criação da Ancinav levou o governo federal a anunciar – em janeiro – a criação de um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) para produzir uma proposta de Lei Geral de Comunicação Eletrônica de Massa (LGCEM) que, aliás, vem sendo anunciada desde o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso.

Em abril, o GTI foi instituído por decreto. Registre-se que sua competência ficou restrita à regulamentação dos artigos 221 e 222 da Constituição Federal, deixando de fora o importante artigo 223. Faltava, no entanto, a indicação dos nomes que comporiam o GTI e, depois disso, a sua instalação. Uma portaria da Casa Civil designando os membros do GTI foi finalmente publicada em setembro, seis meses depois do decreto. A primeira reunião foi marcada para o dia 29 de setembro, mas não aconteceu. Foi adiada indeterminadamente.

O que está acontecendo?

Não seria simplismo afirmar que está acontecendo o mesmo de sempre. Aquilo que tem impedido praticamente qualquer avanço na regulação da radiodifusão brasileira desde o Código Brasileiro de Telecomunicações, principal diploma legal do setor, promulgado em 1962.

Nem o Executivo nem o Legislativo – ontem e hoje – têm forças para confrontar os grupos privados dominantes de mídia, eles próprios poderosos atores econômicos e políticos. Ao contrário, deles dependem e se vêem na contingência de com eles negociar não só as propostas de políticas públicas de comunicações, mas, inclusive, propostas em outras áreas (economia, educação, esportes, cultura etc., etc.). Não se consegue avançar quando se trata dos interesses dos radiodifusores.

Desenrola-se hoje uma intensa disputa de bastidores entre a Casa Civil e o Ministério das Comunicações. O ministro das Comunicações – representante direto dos interesses dos radiodifusores – não aceita que um assunto dessa importância saia de sua esfera de controle. Nesse sentido, veio ao conhecimento público que o adiamento da instalação do GTI foi precedido de uma reunião do presidente da República com os ministros da Casa Civil, da Secretaria Geral (SECOM), das Comunicações e da Cultura, quando se decidiu alterar a instância final que tomará a decisão sobre a forma e o conteúdo do projeto de LGCEM que deverá ser – um dia – encaminhado ao Congresso Nacional.

Pelo decreto de abril essa instância seria o Comitê de Desenvolvimento Econômico do governo. Fala-se agora de um Comitê de Ministros, ainda a ser criado, composto pelos ministros das pastas que hoje compõem o GTI, acrescidos do ministro do Planejamento e do Grupo de Gestão Estratégica. Na prática, essa decisão esvazia o trabalho do GTI.

Caminho longo

Resumo da história: quase um ano depois do ‘arquivamento’ do projeto da Ancinav – e a praticamente um ano do final deste governo – nem mesmo o GTI da LGCEM conseguiu começar a funcionar.

A LGCEM é apenas uma das muitas iniciativas possíveis que teria impacto imediato na democratização das comunicações. Por meio dela problemas históricos como a propriedade cruzada e o equilíbrio entre os sistemas privado, público e estatal poderiam ser encaminhados.

Atividades como a Semana Nacional pela Democratização da Comunicação são fundamentais pela discussão da questão, para a mobilização da sociedade civil na luta pelo seu direito à comunicação e, sobretudo, pela busca de alternativas concretas à grande mídia. A democratização das comunicações no Brasil tem, certamente, um longo caminho a percorrer.

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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, de Mídia: Teoria e Política (Editora Fundação Perseu Abramo, 2ª ed., 2004)