Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Ainda há lugar para a crítica de cinema?

A profissão de crítico de cinema é bastante controversa. Muitos a julgam desnecessária e afirmam que ela só serve como fonte para as frases, geralmente vazias de conteúdo, que estampam as capas dos filmes. Se eu disser que na parede da minha sala há o pôster de um filme com as frases ‘Um dos maiores e melhores filmes do ano’ e ‘Um filme poderoso’, é praticamente impossível vocês adivinharem que se trata de Frost/Nixon, não?

Porém, são poucos os cinéfilos que passam indiferentes pelos comentários que surgem neste ou naquele meio de comunicação sobre o filme do momento. Lêem, nem que seja para discordar.

Mas qual é, afinal, o papel do crítico de cinema? Alguns acreditam que a principal tarefa seria informar o público sobre os filmes, passar um conhecimento que se pressupõe que os leitores não tenham e tratá-los como consumidores de cultura, logo, indicar-lhes se vale a pena gastar tempo e dinheiro para assistir a este ou àquele filme. Mas pode-se ir muito além disso! A crítica tem a capacidade de situar a obra em contexto histórico, servir de registro do desenvolvimento da sétima arte e apontar novos rumos para a produção cinematográfica. Uma boa crítica pode analisar o conteúdo e a forma do filme, enquadrá-lo na obra geral de determinado autor/diretor e estudá-lo baseado em diversas ciências, como Política, História, Psicologia, Sociologia… Enfim, a crítica deve ser mais analítica, teórica e reflexiva.

Seria o fim da análise?

Tuio Becker, grande crítico gaúcho, deu sua opinião sobre sua profissão em uma entrevista publicada no livro Sublime Obsessão, uma coletânea de sua obra:

‘… A parte do crítico é, principalmente, informar. A segunda é dar alguns elementos para o espectador poder entrar melhor dentro do filme. O crítico deve ter um conhecimento abrangente do mundo do cinema. O filme não é uma geração espontânea. Ele está dentro da obra de alguém. Ninguém faz um filme distanciado do resto que realizou. Quanto ao conceito de filme, isso é o de menos. Agora, uma coisa tem que se definir. O que se faz aqui [Porto Alegre, em 1988] não é crítica de cinema. O que se faz é comentário.’

Com o espaço cada vez menor para a crítica, acabam ganhando espaços os ‘comentários’ apontados por Tuio Becker, ou também conhecidos como ‘crítica-ligeira’ ou ‘resenha crítica’.

Seria o fim da boa análise cinematográfica? Antes de nos questionarmos a respeito disso, vale a pena conhecer um pouco da história da crítica cinematográfica.

Uma breve história

Pode-se dizer que o papel de crítico de artes surgiu no século 18, com a revista inglesa The Spectator, que pretendia tirar as discussões artísticas do meio estritamente acadêmico e levá-las para debate em clubes e cafés do público burguês. No Brasil, revistas do tipo só surgiram no século 19, no reinado de Dom Pedro II, grande incentivador da imprensa e da cultura. Os intelectuais da época, porém, não gostavam da aproximação entre a arte e o público que os críticos procuravam e ainda havia o medo de que estes últimos maculassem carreiras de artistas já estabelecidos.

No início do século 20, o cinema como forma narrativa finalmente surge, a partir das inovações de D. W. Griffith, e deixa de ser mera curiosidade científica. Alguns anos depois, o cinema já seria visto a partir de seu potencial artístico. A sétima arte começava a se estabelecer.

Surgem na França as primeiras publicações de relevância voltadas para o cinema, como a Phono-Ciné-Gazette, de Benoît-Levy, responsável pela fundação do primeiro cine-clube do mundo, em 1906. Na década de 10 o cinema mudo chega ao seu auge, com experimentações sendo feitas na Europa e grandes sucessos em Hollywood, baseados nos carismas de seus astros. Então, em 1920, é lançado o Journal du Ciné-Club, um periódico que trazia críticas sobre as películas e uma agenda de todos os mais de 60 cinemas de Paris, estratégia que chamou ainda mais o público.

No início da década de 10, aparecem revistas especializadas também no Brasil. As primeiras, Palcos e Telas e Cinema (impressa na França) não prezavam pela crítica, e sim, pela informação e publicidade.

Era da depressão

Mas em 1926 surgiria a Revista Cinearte, de Adhemar Gonzaga, que duraria até 1942. Adhemar, ao mesmo tempo em que discorria sobre o cinema hollywoodiano em sua revista, era defensor de uma cinematografia nacional, o que o levaria, em 1930, a criar a Cinédia, produtora das chanchadas que viriam a fazer muito sucesso. Em 1928 surge a revista Fan, a primeira brasileira a considerar o cinema como obra de arte, e não como mera forma de entretenimento.

O auge da crítica de cinema no Brasil viria na década de 50, a partir da renovação do jornalismo trazida pelo Caderno B do Jornal do Brasil e pela Última Hora. Era uma época de efervescência no meio cinematográfico mundial, com o lançamento da Cahiers du Cinéma (por André Bazin e Jacques Doniol-Valcrose, que levaria à criação da política de autoria no cinema); o cineclubismo em alta; o neo-realismo italiano; a Idade de Ouro de Hollywood.

Passados esses anos áureos, a crítica de cinema foi sendo, pouco a pouco, deixada de lado e teve que aprender a disputar espaço com as outras artes e com diversidades de todos os tipos. Mas não só a crítica estava em baixa no Brasil, a produção e o consumo de cinema também: o cineclubismo perdeu espaço para a exibição de filmes na televisão, o número de cinemas diminuiu, o com ele a diversidade de películas (embora a produção internacional de filmes não tenha parado de crescer) e com o fim das chanchadas e pornochanchadas o Brasil caiu em uma depressão cinematográfica, chegando a produzir apenas dois filmes por ano para o circuito comercial, algo que só acabaria com a retomada nos anos 90.

Uma janela digital

Como já foi dito, o espaço da crítica nos jornais está cada vez menor. A maioria das revistas ainda tem um espaço de duas ou três páginas para ‘falar’ sobre cinema, mas quase sempre de maneira pouco aprofundada. Algumas revistas especializadas parecem ser a salvação, mas mesmo nessas muitas vezes o debate não sai do lugar-comum.

Alguns relacionam isso à própria decadência do jornalismo impresso, enquanto outros, mais extremos, afirmam que a profissão está morrendo. Algumas notícias vindas dos States, sobre dezenas de demissões de críticos de cinema por lá, dão mais fundamentação para esses. Inclusive um grupo de críticos estadunidenses criou um site para contar quantos desses profissionais ainda estão empregados e atuantes e sua ‘cotação’ de aceitação do público.

É o fim, então?

Não, claro que não. Talvez tudo não passe de um deslocamento do profissional que, cansado da falta de espaço e atenção para seu trabalho, resolveu investir no meio mais promissor (e controverso) da atualidade, a internet. Não são poucos os bons sites que publicam críticas interessantes, bem fundamentadas e instrutivas. Bons exemplos são a revista Cinética, o Críticos.com.br, o Contracampo e o Filmes Polvo.

Um dos grandes problemas da crítica no jornalismo impresso era a dúvida que persistia nos críticos a respeito de para qual público ele se dirigia. Eram pessoas que estavam apenas folheando o jornal, sem conhecimentos prévios a respeito de cinema (para quem o texto poderia parecer difícil) ou para um conhecedor do assunto (para quem poderia parecer raso). Agora se pode escrever para o público interessado que irá procurar aquele material.

A internet também proporciona aos cinéfilos a chance de ser um crítico amador e expressar suas opiniões para todos. É o que acontece, por exemplo, com os membros da rede social Filmow, um ‘Orkut para cinéfilos’, lugar digital para debate e apreciação da sétima arte.

Então, parece que a solução para os apreciadores de cinema é assistir ao filme, ler a crítica ligeira de um jornal qualquer e depois procurar uma revista especializada ou um site com críticas realmente construtivas…

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Estudante de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS