Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Amizades de presidente geram temor de autocensura

Lançado há pouco mais de um mês, o sítio Rue89 tornou-se um refúgio online para artigos críticos à política francesa e para leitores que suspeitam das relações próximas do presidente da França, Nicolas Sarkozy, com os barões de mídia do país. Após a publicação de um artigo revelando que a mulher de Sarkozy, Cecília, deixou de votar no segundo turno das eleições presidenciais, o sítio chegou a sair do ar devido ao tráfego intenso – foram mais de 600 mil visitantes. ‘Nos tornamos um tipo de Anistia Internacional para jornalistas censurados’, afirma Pierre Haski, co-fundador do sítio e ex-correspondente internacional do Libération.


Na França, nenhum dos grandes jornais circula aos domingos, exceto o semanal Journal du Dimanche, que poderia ter dado o furo – mas não o fez. Na berlinda, o editor Jacques Espérandieu insistiu que não foi pressionado a não publicar a abstenção da esposa de Sarkozy; decidiu fazê-lo por considerar o voto uma ‘questão pessoal’. A revista Paris Match também optou pelo silêncio. Há quase um ano, Alain Genestar, então editor-chefe, foi demitido após publicar na capa uma foto de Cecília com o amante, num período em que ela estava separada do atual presidente francês.


Rede privilegiada


Muitos leitores já expressaram, em comentários no Rue89, sua preocupação com a possível autocensura na mídia francesa por causa da atual administração. O tema é antigo em um país em que política, imprensa e grandes negócios estão há muito tempo interligados. O governo fornece subsídios diretos à mídia impressa – apenas este ano, o total foi de US$ 368 milhões. Algumas destas empresas de mídia são controladas por conglomerados que podem se beneficiar de contratos de segurança ou construção oferecidos pelo governo. Mas, no momento, a questão da autocensura esquentou na França por causa da combinação da queda de circulação dos jornais impressos e a concentração da mídia na mão de aliados de Sarkozy.


Dentre eles, estão Arnaud Lagardère, Martin Bouygues,Vincent Bolloré e Bernard Arnault. Lagardère, que chama Sarkozy de ‘irmão’, é proprietário de uma companhia fabricante de armas, do Journal du Dimanche, da revista Paris Match e da rádio Europe 1. Bouygues, padrinho do filho de Sarkozy, tem uma empreiteira e controla a TF1, emissora comercial de maior audiência na França. Bolloré, que emprestou ao presidente seu jato e iate para férias após as eleições, tem uma empresa que controla o canal digital Direct 8, além de ser dono do Matin Plus, jornal de distribuição gratuita, em parceria com o Le Monde. O bilionário Arnault, padrinho de casamento de Sarkozy, preside o conselho do conglomerado de artigos de luxo LVHM Moët Hennessy Louis Vuitton e é proprietário do jornal econômico La Tribune. Atualmente, ele está de olho no jornal Les Echos, da Pearson.


A equipe do Les Echos entrou em greve por dois dias, na semana passada, em protesto ao anúncio de venda do diário. ‘Achamos incompreensível vendê-lo a um grupo industrial sobre o qual escrevemos todo dia’, afirmou o sindicato do jornal à executiva-chefe da Pearson, Marjorie Scardino.


Piadinha


A revista L´Express chegou a criticar as ligações de Sarkozy com figuras de peso da mídia francesa. Mas o chefe de comunicações do presidente, Franck Louvrier, refuta as acusações de mistura entre amizade, negócios e política. ‘Nunca houve nenhuma interferência. Os jornais podem escrever o que quiserem’, diz. O jornalista Phillipe Ridet, que cobriu a campanha presidencial do candidato da direita para o Le Monde, confirma que nunca sofreu nenhuma pressão direta, mas lembra que, depois de um de seus primeiros comícios, Sarkozy teria dito a um pequeno grupo de repórteres: ‘Engraçado, conheço todos os seus chefes’. Informações de Doreen Carvajal e Katrin Bennhold [International Herald Tribune, 24/6/07].