Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Banido por mau comportamento

‘A censura é uma forma eficaz e profunda de violência e a violência se tornou em nosso tempo horizonte e limite. Não afundemos demais no lugar-comum, mas registremos o fato de que neste fim de século a sua penetração e a sua explosão fazem realmente pensar. Sobretudo porque, ao contrário do que ocorreu noutras épocas e noutras civilizações, ninguém gosta de assumi-la francamente; os seus próprios autores e executantes não apenas a renegam ostensivamente, como a condenam.’

Assim escreveu Antonio Candido em seu ensaio Censura-Violência, Palavra Livre: Jornal da Comissão Permanente de Luta pela Liberdade de Expressão, ano I, no 1, São Paulo, abril de 1979.

Para os jovens, estas palavras podem não ter sentido, pois parecem vindas de um passado tão remoto que parece totalmente afastado. Para os que presenciaram essa época, como eu, sempre sentimos uma pontada no coração quando vemos o controle da opinião pública exercido diretamente por milionárias verbas publicitárias governamentais, ou despejadas por estatais e fundações que vivem à sombra do poder. Mais assustadores ainda são os planos de formação de um Conselho Federal dos Jornalistas e a ampliação da mídia estatal, nos moldes de uma verdadeira Stasi brasileira.

Jamais contrariar a ‘verdade oficial’

Uma das vítimas deste controle de opinião patrocinado pelo dinheiro público tem sido a internet – ver, por exemplo, ‘O jornalismo-diário-oficial‘ e ‘Internet & Literatura‘–, até então um território da livre expressão, sofrendo hoje uma verdadeira invasão estatal, onde bancos e empresas governamentais patrocinam portais representados por jornalistas conhecidos com o intuito de fomentar propaganda oficial. Estes portais parecem defender a ética na política e a democracia com pluralidade de opiniões, mas no fundo estão apenas servindo aos interesses dos patrocinadores e enganando os incautos, já que são territórios de opinião-única.

Tudo isto é garantido pelos chamados ‘zumbis’ da internet, na verdade escritórios ligados a políticos, com assessores pagos com recursos públicos (‘aspones’ de políticos, funcionários públicos fantasmas etc.) e apresentando-se com nomes de ‘fantasia’. Deploráveis ‘personagens’ criados para fazer campanha partidária, em geral de péssimo gosto. Montam um escritório, escolhem um nome fictício atrativo, como ‘Anarquista Revolucionário’, outros preferem ‘Lombroso’, para não falar nos ‘Fiscais da Palavra’. E saem por aí fingindo defender ideias. Mas só poluem o universo informativo. Como esta turma não gosta de trabalho, cada dia um fica responsável pelas mensagens, como podemos perceber nas variações estilísticas (se é que podemos assim chamar esse palavrório). Agem tal aqueles que escrevem impropérios nos banheiros públicos aproveitando o anonimato das cloacas.

Os que insistirem em contrariar a ‘verdade oficial’ são agredidos com toda sorte de xingamentos e palavras chulas e classificados como um Troll (sic). No fundo, são como aqueles terroristas que nos anos 70 incendiavam bancas de jornal para constranger a liberdade de opinião.

‘A luta real pela democracia’

Se todas as técnicas de pressão não funcionarem, entra o mediador do portal e, em nome dos milhares de associados – que nunca se manifestaram –, bem como do alto de suas credenciais – ‘jornalista premiado nisto ou naquilo’ – decreta: ‘Você foi banido da comunidade por mau comportamento.’ Afinal de contas, a firmeza do portal na defesa dos interesses dos patrocinadores não pode ser abalada.

O que nos assusta, a par desta violência, é a banalização de termos policialescos como ‘banido’, típico da repressão política dos anos 70 e o eufemismo usado para a palavra ‘censura’: ‘mau comportamento’. Podemos também falar agora, com propriedade, de um verdadeiro PIG (Partido da Internet Golpista), parodiando o Partido da Imprensa Golpista, tão do agrado destes portalões.

E aqui, voltamos tristemente ao ensaio de Antonio Candido:

‘Não há dúvida de que a censura funciona como retificação, como dolorosa ortopedia feita para lembrar aos incautos a obrigação de não passar da demagogia à luta real pela democracia.’

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Físico e escritor, Rio de Janeiro, RJ