Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Calendário ainda rende pautas

As datas comemorativas foram, por muito tempo, uma saída para os jornais em períodos de pautas escassas. O que este Monitor de Mídia identificou nos jornais catarinenses é que essa realidade está mudando. Análise realizada entre os dias 1º de outubro e 30 de novembro mostrou que poucas foram as matérias relativas a datas e efemérides. Isso poderia indicar maior criatividade na elaboração das pautas, mas levou-os também a ignorar algumas datas importantes.

Idosos e crianças em destaque

Entre 1º e 12 de outubro, o assunto em evidência foi a política. O período que cercou o pleito ocupou de maneira significativa as páginas do Diário Catarinense, Jornal de Santa Catarina e A Notícia. No entanto, este cenário não baniu totalmente as datas comemorativas dos jornais. Algumas alcançaram um peso maior, outras nem tanto, mas preenchiam as páginas de comportamento e meio ambiente.

O Dia das Crianças, assim como o Dia de Nossa Senhora Aparecida, comemorados em 12 de outubro, foram os assuntos mais significativos no período analisado. Diário Catarinense e Jornal de Santa Catarina privilegiaram a data destinada às crianças. O enfoque do DC foi econômico. A capa tem a seguinte manchete: ‘Em busca do menor preço’. Na p.16, na editoria de economia, o depoimento das mães sobre como controlar a ansiedade das crianças e os gastos neste período próximo ao Natal. O jornal trouxe ainda foto das mães com as crianças em box, ilustrando matéria com previsão de aumento de 10% nas vendas do comércio.

O Santa mostra outro enfoque para o Dia das Crianças já na chamada de capa: ‘Crianças dizem como se divertir no dia delas’. Nas páginas 12 e 13, coloridas, foto e comentário de algumas crianças. O que mais gostam de fazer aparece nas declarações, mas as crianças não contam apenas aquilo que querem fazer no dia delas. Na editoria de comportamento, os sonhos para o futuro são revelados. Tem quem queira ser cientista, jogador de futebol. Todos respondem o que querem ser quando crescer e quais são os seus ídolos. O Dia das Crianças também foi pauta da editoria de economia. O aumento das vendas em decorrência da data era o foco da matéria ‘Lojas cheias na véspera do dia das crianças’.

O 12 de outubro é também o Dia de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil. As festas em homenagem à santa foram destaque em A Notícia. Percorrer as principais cidades do Estado que têm uma forte ligação com a padroeira e contar aspectos de Aparecida, em São Paulo, que tem uma basílica de 18 mil metros quadrados em homenagem à santa era a característica principal da matéria ‘Dia de render graças à padroeira’. O assunto era destrinchado em pequenas notas que ocupavam a página por inteiro.

Outro assunto de destaque é o Dia do Idoso. Em especial, o Santa dedicou duas páginas inteiras ao assunto. A matéria colorida, bem produzida, só falha por um aspecto. O Dia Internacional da Terceira Idade é comemorado no dia 1º de outubro e não no dia 4. Embora a abertura comece da seguinte forma: ‘O Brasil comemora hoje o dia Nacional do Idoso. Ainda que seja impossível escapar da ação do tempo, a crescente longevidade humana…’, não há registros do Dia Nacional do Idoso em 4 de outubro e sim em 1º de outubro. Mas ao mesmo tempo há um conflito em relação à data. Na pesquisa realizada no Google, quando digitado ‘dia do idoso’ são registradas 60 mil ocorrências. Alguns sites, como Portal da Família, revelam que o Dia do Idoso é em 27 de setembro. Já no site Nutrição em Pauta, a data acontece em 1º de outubro. Uma confusão em torno da data…

A República esquecida

Ainda em relação às datas comemorativas de maior relevância, o Dia da Natureza tomou as páginas do AN. No dia 4 de outubro, praticamente toda a página B8 foi destinada ao meio ambiente. ‘Escolas defendem o equilíbrio ecológico’ trata dos impactos ambientais e a forma encontrada pelos alunos da Escola Básica Monsenhor Francisvo Gioberte, de Armazém, no Sul do Estado, para conscientizar sobre a prevenção do meio ambiente. Uma pesquisa no Ribeirão Clara em Pomerode também virou notícia em comemoração ao Dia da Natureza.

Em 15 de outubro, Dia do Professor, o material noticioso relativo ao assunto tratava, na sua maior parte, do abono salarial desses profissionais. Apesar disso, as capas de AN, DC e Santa apresentavam fotos de professores e alunos dando um tom de comemoração pela data. Nas páginas internas, esse tom continua nas matérias que tratam da dedicação de professores em criar novos meios de ensinar.

O Dia do Livro – 29/10 – aparece apenas no Santa, com chamada de capa e matéria ocupando toda a primeira página do caderno de Lazer. O texto ‘O valor da leitura’ traz, como aponta a linha de apoio, ‘um garimpo profissional por sebos de Blumenau’.

Quatro dias depois, o Dia de Finados tem maior destaque. No DC, o assunto ocupa toda a página 18 em duas matérias: ‘Dia de homenagear os que partiram’ e ‘Guardiã dos túmulos abandonados’. No dia seguinte, duas páginas são destinadas à movimentação nos cemitérios do Estado. No Santa, as páginas 14 e 15 são ocupadas por material sobre o Dia de Finados no dia 2 e 3. Em AN, o tema aparece já no dia 1º. Sob o título ‘Chuva diminui movimento nos cemitérios’, o diário de Joinville relata a visita a túmulos nas principais cidades do Estado. No dia 2, o assunto ocupa a página A8 e grande parte da A9. No dia seguinte, apesar da chamada de capa apontar duas páginas destinadas ao tema, o Dia de Finados aparece apenas na p. A7.

A Proclamação da República apareceu apenas no Jornal de Santa Catarina em artigo de Natal Marchi, servidor público. O jornal não produziu matéria ou notas a respeito, deixando para colaboradores exteriores a missão de falar sobre esta data. No ‘Almanaque do Vale’, coluna de Jaime Avendano, há um espaço destinado às datas comemorativas. Em todos os dias de análise, havia menções de fatos históricos, como por exemplo, o dia da morte do escritor Guimarães Rosa em 19/11, e nessa mesma edição o Dia da Árvore. Datas como o Dia Mundial do Urbanismo, ou Dia Nacional da Alfabetização foram esquecidos pelos três jornais.

Lutas políticas pouco lembradas

O AN, no dia 20 de novembro, publicou um artigo de Ideraldo Luiz Marcos sobre o Dia Nacional da Consciência Negra. Em seu discurso inflamado, o professor de Educação Física, exaltou a presença do negro na sociedade brasileira, agradeceu aos que ‘possibilitam a liberdade dos escravos no Brasil’ e, sem grande inovação, terminou reverenciando Zumbi dos Palmares.

‘Incentivo para a doação de sangue’, publicada no caderno geral de 23 de novembro no DC, a reportagem de Patrícia Rodrigues tratou da importância das doações de sangue, devido ao crescimento da violência e de acidentes de trânsito. A campanha sobre a Semana Nacional dos Doadores começou no início da semana em função do dia 25 ser o Dia Mundial do Doador de Sangue.

Oposto ao Diário Catarinense, que nada citou a respeito, o AN apresentou no dia 25 de novembro uma breve nota intitulada: ‘Hoje é dia de Santa Catarina’. Atribui-se que o estado de Santa Catarina tenha recebido este nome em homenagem à princesa Catarina de Alexandria que teria sido morta no dia 25. Segundo consta no jornal, uma escola em Joinville promoveu o desenvolvimento de trabalhos e comemorações junto aos alunos. De acordo com o historiador Apolinário Ternes, o dia 25 de novembro não é comemorado como deveria: ‘Isso depende de maior atuação do poder público (…) e maior repercussão da história do Estado pela imprensa’.

Em 30 de novembro de 1979, aconteceu a Novembrada que em 2004 comemorou 25 anos. Sendo a mais importante manifestação pública contra o militarismo em Santa Catarina, a Novembrada é lembrada com orgulho por ter feito com que o então presidente, João Baptista Figueiredo, ‘perdesse as estribeiras’ e entrasse em confronto direto com a população. O ‘alvoroço’ todo aconteceu devido à placa fixada em praça pública com a qual o então presidente Figueiredo homenageava Floriano Peixoto, que segundo todos sabem, foi um dos responsáveis pelo massacre dos federalistas na Ilha do Anhatomirim.

A placa permaneceu guardada em segredo por Nilo, um senhor que era major na época. Roberto Alves relatou em artigo especial no DC como foi tenso aquele dia na redação: ‘Na condição de gerente de jornalismo da TV Cultura vivi momentos de grande preocupação e tensão emocional’. Sob a mira dos federais, Roberto Alves foi impedido de divulgar ou passar adiante as imagens do confronto que mais ninguém possuía e ele completou: ‘O filme? Desapareceu junto com a tensão vivida pela redação. Inesquecível’.

Hermes Lorenzon, em reportagem para o Diário, escreveu que a população já não agüentava mais o militarismo e que os estudantes já estavam se organizando para uma pequena manifestação e aponta que a ‘placa serviu como estopim’. A indignação foi geral e o que teria sido ‘meia dúzia de estudantes berrando’ tornou-se um episódio histórico. Em AN, o assunto aparece no artigo ‘Proclamação da novembrada’, escrito por Nelson Pedrini. O autor defende que ‘A novembrada foi o começo do fim do regime militar que empalmou o poder em março de 1964’.

Também no dia 30 comemora-se o Dia do Síndico. Jéferson Bertolini, jornalista do Diário, disse ser o dia do ‘resolve-problema, o descasca-abacaxi, o xerife do condomínio’. A matéria falou de como devem ser eleitos os síndicos, como devem agir e como são facilmente requisitados pelos moradores, inclusive durante a madrugada.

Algumas datas tiveram destaque antecipado como o Dia da Luta Contra a AIDS que, apesar de ser em 1° de dezembro, recebeu menções durante toda a semana.

O chamado Jornalismo de Calendário ainda sobrevive nos veículos locais. Em 60 dias de análise deste Monitor de Mídia, 69 efemérides foram pesquisadas nas páginas dos jornais; algumas foram encontradas; a maioria delas, não. Mas o aspecto que mais chamou a atenção da equipe foi o total esquecimento de datas importantes historicamente – como é o caso do 15 de novembro – e a exploração de marcos mais cotidianos, como o Dia do Síndico, por exemplo. É verdade que a agenda pode auxiliar jornalistas a buscar assuntos para matérias, mas as redações não podem apenas se apoiar em datas para decidir o que o leitor verá no dia seguinte. Há muita coisa acontecendo nas ruas, que importam ao cidadão comum. E esses fatos não podem ficar fora dos jornais, principalmente se for para dar espaço a matérias burocráticas e rememorativas.