Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Carta aberta em defesa do jornalismo

A atividade jornalística hoje no Brasil é um caos resultado da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que derrubou a exigência do diploma em Jornalismo para o exercício da profissão, desregulamentando completamente esta atividade. Sem querer se estender na análise do mérito da (não vou entrar no mérito e nem discutir a) decisão do STF, basta observar que ela mostrou pouco conhecimento do campo jornalístico. De uma forma bem simples, o Supremo confundiu liberdade de expressão, um direito de cada pessoa, e liberdade de imprensa, aí incluído a profissão de jornalista como atividade profissional, com função pública.

É dentro desse contexto que entram os deputados federais e senadores pernambucanos. A Comissão Especial da Câmara dos Deputados já aprovou o Projeto de Emenda Constitucional que resgata à exigência do diploma. No senado também encontra-se PEC favorável à obrigatoriedade da formação superior específica para o exercício da profissão de jornalista. Trata-se agora da banca pernambucana no Congresso defender a tradição deste Estado em defesa do Jornalismo, uma das instituições centrais da democracia.

Na edição de julho deste ano, a revista Imprensa, de São Paulo, traz dois depoimentos enfáticos do pernambucano e grande jornalista brasileiro Barbosa Lima Sobrinho, também ex-governador do estado, em defesa do diploma. Na verdade, não se trata de defender um ‘canudo de papel’, mas a formação superior de qualidade e a ética na profissão, fundamentais para o Jornalismo. Essa não deve ser só uma preocupação dos jornalistas, mas de toda a sociedade brasileira.

‘A soldo de alguém’

O Jornalismo cumpre hoje a função de interpretar a realidade social e contribuir para que cidadãos e cidadãs tenham acesso ao mundo que os cerca. Com certeza, não somos ingênuos, também contribui para reforçar o status quo. No entanto, não se resume a isso, pois também pode contribuir para o conhecimento, a discussão e o debate nas sociedades democráticas. É nesse Jornalismo que acreditamos.

No entanto, não nos aliamos às vozes das elites que há anos vêm tentando desmontar o Jornalismo sob a alegação de que o mesmo atinge a liberdade de expressão e comunicação. Na verdade, trata-se de uma falácia daqueles que não abrem mão do poder exercido na base do ‘manda quem pode obedece quem tem juízo’, de forma explícita ou disfarçada. O olindense Luiz Beltrão, pioneiro dos estudos da Comunicação e do Jornalismo do Brasil, no seu livro Iniciação à Filosofia do Jornalismo,que está completando 50 anos, denuncia a ação não republicana das classes dominantes.

‘O conceito que as elites fazem do Jornalismo vai, entretanto, ganhando prosélitos nas massas populares, que passam a descrer da sinceridade e da honestidade dos profissionais (…) o jornalista tem de estar a soldo de alguém’. Beltrão vai mais além e lembra da falta de condições do exercício da atividade no Brasil. Tanto pela falta de garantia ao exercício da liberdade como pela falta da oportunidade de uma adequada formação profissional.

Uma legitimidade imprescindível

Quanto à formação do jornalista, lamentamos que os juízes do Supremo não tenham lido o livro. Beltrão é pontual e profético: ‘…improvisam-se jornalistas e técnicos de jornal à base, apenas, de um período de treinamento nas redações ou na reportagem. Qualquer semi-letrado se arvora em profissional, na maioria dos casos, atraído pelo `prestígio´ de que gozará e pelos teóricos privilégios que o Estado lhe confere’.

Considero que não há muito mais a dizer. No entanto, acredito que é importante lutarmos por um Jornalismo de qualidade em que a preocupação ética seja central. Deve haver um rigor no método e nas práticas. As várias faces de um acontecimento devem ser apresentadas. A construção da notícia exige que aspectos da realidade não sejam ocultados nem silenciados. A edição tem que buscar uma objetividade possível, tomando-se cuidado em não alterar textos, planos e sequências. Ao interpretar a realidade social o jornalista deve evitar a ambiguidade na informação.

É dentro desse contexto que reivindicamos o apoio dos deputados federais e senadores pernambucanos em defesa dos PECs que resgatam a dignidade da profissão que se preocupa com a defesa das pessoas que não podem ser usadas como meio, como objeto da informação. Homens e mulheres que devem, sim, ser tratados como seres humanos e não material informativo destinado a alimentar objetivos particulares instrumentais e imediatos, sem preocupação com a legitimidade social imprescindível ao jornalismo de qualidade.

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Jornalistas e professores da UFPE