Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Cinegrafista sem diploma não pode ser jornalista

Recente decisão da 2ª Vara do Trabalho de Aracaju, proferida pelo juiz Luiz Manoel Meneses, enquadra cinegrafista e repórter cinematográfico como jornalistas.

Muito boa decisão se não fosse por um detalhe, o diploma, que muitos, como eu, levaram quatro anos no banco de uma universidade para conseguir; mas não é necessário para aquela categoria, basta apenas uma câmera na mão para um registro profissional.

A estranheza me vem por perceber que muitos sindicatos chamados de ‘jornalistas’, viram essa notícia como uma vitória. Agora, resta saber, vitória de quem? Da esculhambação, eu acho, pois a maior luta do jornalismo, depois da luta por uma imprensa livre, é para manter o diploma que garante benefícios não apenas ao profissional, mas também à sociedade.

Nada contra cinegrafistas ou repórteres cinematográficos; eles podem, sim, ser jornalistas, desde que diplomados. A questão não é o canudo ou o status da faculdade, até porque jornalista não tem status, mas para que todos que se enquadrem como jornalistas tenham a mesma responsabilidade com a profissão e com a sociedade que aqueles que buscaram isso no meio acadêmico. É preciso conhecer os princípios éticos da profissão, adquirir conhecimento humanista e teórico sobre a profissão para dirigir a informação à população.

Honrar a profissão

Artigo divulgado pelo Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo – regional de Santos – afirma: ‘A faculdade, qualquer que seja, não ‘fabrica’ bacharéis, simplesmente. Ela prepara, dá o arcabouço técnico/humanístico e enseja o profissional que a sociedade espera. Se há desvios de caráter, bem, isso não é ‘privilégio’ de uma categoria. Jornalistas erram, advogados idem, médicos idem, dentistas idem. Mas, acertam, também, e isto é absolutamente normal no processo produtivo. Outro detalhe, que interessa às grandes corporações, diz respeito ao aviltamento profissional. Como? Por meio da extinção da regulamentação da profissão: uma pessoa de outra área, alçada à condição de ‘jornalista’, sem diploma, poderá se submeter ao ‘trabalho’ sem qualquer tipo de regra, sem piso da categoria e sem direitos pelo ato laborativo (férias, 13º salário, recolhimento de INSS e outros). Resumindo, os precários, que estão se valendo de uma decisão judicial contra o diploma, serão os fantoches que alimentarão os caixas (já muito gordos) de quem quer seguir contando cifrões sem a devida contrapartida que as relações sociais e trabalhistas, numa sociedade civilizada, justamente impõem.’

Reconheço o valor desses profissionais, mas sobretudo reconheço a luta que a categoria de jornalistas de fato, com diploma, tem enfrentado. Por que não enquadrá-los como profissionais de comunicação de nível técnico, apenas? Jornalista, para mim, é o que passa quatro anos dentro de uma faculdade aprendendo sobre ética profissional, se preparando mesmo. Conheço muita gente que é jornalista há séculos, porém mesmo tendo um reconhecimento na carreira fez faculdade para ser jornalista de fato. Para honrar o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, que diz no Capítulo II – Da conduta profissional do Jornalista Art. 6° inciso v –, é dever do jornalista valorizar, honrar e dignificar a profissão.

Compromisso é coisa do passado

Essa decisão fere em cheio esse artigo do nosso Código de Ética, uma vez que desvaloriza o diploma, desonra aqueles que buscaram se qualificar em uma universidade para exercer com direito à profissão e não dignifica a classe, pois quem vai querer passar quatro anos em uma faculdade aprendendo sobre ética, direito de imagem, compromisso com a informação, e não com o corporativismo que permeia o universo da comunicação, se você pode fazer um curso para cinegrafista, trabalhar por um mês ou mais e tirar seu registro de jornalista? Sem dúvida, tal decisão abre precedentes para que a profissão de jornalista se torne a cada dia mais sucateada.

Na verdade, é uma chacota descarada aqueles que lutam pelo diploma de jornalismo, que buscam por melhores condições de trabalho, pois como vão fiscalizar o exercício da profissão? Um cinegrafista ou repórter cinematográfico podem ser responsáveis por um house organ de associação, empresa etc. Sem a mínima preocupação com o conteúdo, ele está jornalista para colocar seu registro lá, assumindo uma função que muitos lutaram para valorizar, mas que agora parece não ser nada.

Adeus, jornalistas de verdade, agora com qualquer curso básico, de uma semana ou um mês, no máximo, de operadores de câmera e cinegrafistas é possível se tornar jornalista, pois o que importa é ter carteira de jornalista, ética; compromisso com a profissão é coisa de quem leva muito a sério a profissão, ou melhor, é coisa do passado.

Não permitam essa farsa

Essa atitude aviltante desmerece o jornalista e precariza o empenho de muitos em qualificar e educar nossos profissionais em todas as áreas. Sendo assim, profissionais formados em Letras podem ser jornalistas, pois dominam a língua portuguesa. Uma pessoa boa de conversa, pode ser psicólogo, desde que saiba ouvir.

Percebo que daqui a alguns anos não vai existir faculdade de Jornalismo, como vem ocorrendo com o curso de Economia, que vê suas funções serem agregadas por profissionais de Administração, Contabilidade etc. A exigência do diploma de jornalismo deve seguir exemplo de outras profissões. Tome-se como exemplo as professoras de jardim de infância que, com segundo grau lecionavam. No entanto, hoje a rede pública de ensino exige o curso Normal Superior para esses profissionais. Outro bom exemplo: para ser advogado não basta um diploma de faculdade, é necessário ser aprovado nas duas etapas do exame da OAB para realmente exercer a função.

Minha esperança é que aqueles que realmente amam e lutam pela profissão de jornalista não permitam que essa farsa destrua nossa categoria. Cinegrafista jornalista, só se for com diploma.

******

Jornalista, Belo Horizonte, MG