Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Cobertura ainda não aplica todas as lições do Catarina

A chegada ao litoral brasileiro do primeiro furacão no Atlântico Sul foi um susto para moradores, autoridades e mesmo para a imprensa catarinense. As lições deixadas pelo Catarina em março passado deveriam ajudar a Defesa Civil, o cidadão comum e jornalistas mais atentos a fenômenos semelhantes. Ao que parece, ainda não houve tempo suficiente para aprender com o ocorrido. No início de maio, Santa Catarina recebeu a visita de um ciclone extratropical, menor que o Catarina, mas nada inofensivo.Os jornais catarinenses tentaram dar conta do fenômeno, mas os profissionais que cobriram o evento repetiram alguns comportamentos adotados com o fenômeno de março, dando pouca atenção à prestação de serviços como suporte da boa informação.

Frente fria

O Diário Catarinense deu atenção protocolar ao ciclone. A primeira menção foi em 5 de maio, com pequena chamada de capa: ‘Ciclone extratropical deve atingir o Litoral catarinense’. Na abertura da matéria, o esclarecimento: ‘O fenômeno, considerado comum nesta época do ano, não tem nada a ver com o furacão Catarina’. No mais, o jornal limitou-se a expor as principais conseqüências climáticas provenientes do ciclone.

Entretanto, outro fenômeno meteorológico de maior intensidade chamou mais a atenção da cobertura do DC: a chuva intensa no litoral, proveniente de uma frente fria. No dia 6, a chamada de capa intitulada ‘Alagamentos colocam a Defesa Civil em alerta’ chamava o leitor para o assunto. A matéria ‘Desabrigados e prejuízos pelo Estado’ ocupou uma página e relatou os principais danos causados pelo tempo instável, alertando para a previsão de chuva intensa para todo o Litoral. A página trazia também um infográfico retratando o mapa do estado, mostrando detalhadamente as áreas de risco e municípios que já sofrem com os alagamentos e enxurradas. Durante a matéria, uma pequena menção sobre o ciclone, que visivelmente perdeu interesse do Diário Catarinense.

No dia seguinte, 7, a cobertura das chuvas tomou maiores proporções com a manchete ‘Chuva interrompe a BR-101 no Sul’. No interior do jornal, quatro páginas dedicadas ao assunto. Percebe-se que o jornal realmente se engajou na cobertura, apresentando matérias de utilidade pública. Na primeira página sobre as chuvas, um mapa do estado ilustrava o BR-101, e sinalizava os desvios que o motorista deveria seguir, trazendo ainda duas opções de viagem: caso o Rio Araranguá transbordasse e caso mantivesse seu nível. Mais adiante, o Diário Catarinense trouxe box intitulado ‘O que devo saber’, com os pontos mais críticos da 101, cuidados que os motoristas deveriam tomar e como agir em caso de emergência. Outro box relatava minuciosamente os acidentes e dificuldades na BR-101, das 9h45 até as 10h30. Nas páginas seguintes, um relato dos municípios mais atingidos, e os que ainda correm risco com alagamentos e enxurradas.

No dia 8, mais uma chamada de capa, e nas duas páginas dedicadas ao assunto, mais mapas e box. Novamente, o DC trouxe a ilustração da BR-101, veiculada no dia anterior, porém acompanhada de outro mapa do estado que ilustrava as opções de viagem mais seguras nas rodovias do interior. Dois boxes traziam a situação atual de 11 localidades, relatando detalhadamente as conseqüências das chuvas fortes, e números mostrando a quantidade de municípios atingidos, pessoas desabrigadas, envolvidos na operação coordenada em função das chuvas, etc.

Nos dias 9 e 10, inclusive com chamadas e fotos na capa, o Diário Catarinense retratava a rotina de volta para casa dos moradores atingidos, trazendo relatos de famílias que tiveram bens e domicílios atingidos pelas enchentes, e fazendo também um apanhado geral dos estragos nos municípios da região atingida.

De modo geral, o DC trouxe ao leitor uma cobertura atenta, detalhada e principalmente, calcada no interesse público, de modo a prestar um serviço de inquestionável utilidade. Como o ciclone foi logo abandonado para um cuidado maior à frente fria, faltou apenas uma explicação ao leitor sobre que fim teria levado o ciclone. Com a memória ainda fresca do rastro de destruição deixado pelo Catarina, o leitor merecia um pouco mais de atenção neste aspecto.

Cobertura magra

O Jornal de Santa Catarina tentou oferecer um material mais explicativo sobre o fenômeno no dia 5 de maio. Ao lado da matéria ‘Novo ciclone se aproxima da costa catarinense’, veio com o box ‘O que você deve saber’. Para tranqüilizar o leitor, o jornal traz uma linha de apoio à reportagem, reduzindo o poder de impacto do ciclone: ‘Fenômeno mais fraco que o Catarina se desloca em alto-mar’.

A ressaca no litoral catarinense, proveniente de forte frente fria, trouxe alguns prejuízos à região, como é o caso das chuvas que ocasionaram o alagamento de trechos da BR-101 no trecho sul. Na edição do dia 7 de maio, o JSC trouxe a matéria ‘Chuva fecha trânsito no trecho Sul da BR-101’, onde relata pontos de alagamento e acidentes causados pela chuva. Entretanto, a informação parece burocrática, desatenta já que o fato se dá numa zona além da área de cobertura e influência do jornal, que atua mais no Vale do Itajaí.

No dia seguinte, 8, o Santa informa melhor o leitor. Na matéria ‘Chuva torna precário trecho da BR-101 no Sul do Estado’, o JSC informa que ‘O trânsito na BR-101 no Sul do Estado continua precário e sem previsão de voltar à normalidade’. Logo depois, aponta quais as melhores rotas a seguir. Na mesma edição, o jornal traz a foto de um barco pesqueiro que, segundo o jornal, ignorou o alerta da Defesa Civil. ‘Pesqueiros ignoram alerta e zarpam para alto-mar’. Na reportagem, o jornal assemelha o fenômeno extratropical às ressacas que atingiram o litoral. ‘As condições climáticas decorrentes do ciclone extratropical sobre a costa brasileira favorece a formação de ondas gigantes e rajadas de ventos’.

De maneira geral, o leitor do Santa pouco ficou informado sobre o ciclone que atingiu o litoral do estado e pouco leu sobre a frente fria. Mais parecia que os fenômenos aconteciam num outro ponto do país, distante dos interesses locais.

Sem alarme

Em A Notícia, as mudanças meteorológicas no estado aparecem pela primeira vez no dia 4. ‘Previsão de ventos fortes e ressaca no litoral’ traz que ‘uma frente fria que já está atuando sobre o Sul de Santa Catarina deve deixar o tempo instável em todo o litoral’. Apesar de ocupar poucas linhas na parte inferior da página A8, a matéria apresenta informações importantes. Meteorologista explica que o quadro de instabilidade deve permanecer durante toda a semana, ‘mas para quem ainda está sob os efeitos do Catarina, não há motivos para pânico’. Aponta também que ‘os ventos têm, sim, uma formação de ciclone, mas trata-se de um fenômeno comum’. A sub-retranca ‘Alerta em Joinville’ fala da possibilidade de cheias na cidade, citando os bairros que podem ser atingidos. Além disso, esclarece o leitor de que, em caso de emergência, ‘pode ligar para o Corpo de Bombeiros (193) e a Defesa Civil (199)’.

As chuvas começam a ganhar páginas no dia seguinte. ‘Chuva provoca estragos no Sul do Estado’ traz informações das cidades alagadas e depoimentos de famílias desabrigadas. A matéria termina alertando a população de que ‘ainda existe o risco de novos alagamentos por causa da previsão de chuva forte até o final de semana’. Ainda nesta edição, a matéria ‘Navegação deve ser evitada por causa do risco de ressaca em SC’ deve ter deixado o leitor confuso. O texto explica que ‘a atuação de uma massa de ar polar sobre o Atlântico Sul deve provocar ondas de até seis metros até sexta-feira (…)’. Até aí tudo bem. Algumas linhas depois, no entanto, pode-se ler: ‘O Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos também prevê agitação marítima e chuvas fortes na região Sul. Isso ocorrerá devido à presença de um anticiclone (área com pressão atmosférica relativamente alta e ventos girando no sentido anti-horário) na superfície. (…). Simultâneo a esse evento, está se formando um sistema de baixa pressão, conhecido como ciclone extratropical, sobre o Oceano Atlântico’. Massa polar sobre o Atlântico Sul, anticiclone, ciclone extratropical? Antes que alguém resolva fazer as malas e sair do estado, AN esclarece que ‘a mudança de clima na costa catarinense não é motivo de alarme ou pânico’. Há ainda na página 5, um infográfico diferenciando ciclone extratropical e furacão. Não seria melhor informar ao leitor sobre as conseqüências que o anticiclone – até então não citado pelo jornal – trará para Santa Catarina?

No dia 6, o tema aparece em foto e chamada na 1a dobra. Nas páginas internas, o destaque é um alerta aos pescadores. Além de noticiar a discussão para definir medidas para evitar incidentes em alto mar, a matéria ‘Cinco homens vivem drama na ilha das Araras, em Imbituba’ relata o que ocorreu com uma embarcação que enfrentou ondas de até quatro metros. Um infográfico explica desde a saída de Imbituba, o tempo que os pescadores permaneceram na ilha e a ‘volta para casa’. Na mesma página – A4- ‘Aberta a temporada de ciclones no litoral catarinense’ podemos ler que ‘Está aberta a temporada de ciclones extra-tropicais no litoral sul do Brasil. A informação, que circula todos os anos sem nenhum espanto ou alarme entre meteorologistas, passa agora a fazer do cotidiano dos catarinenses’. Mais adiante, explica que ‘o que há de novo (…) é o fato de a população estar se familiarizando com os termos técnicos que envolvem a previsão do tempo’. É interessante apontar que para fazer essa matéria o jornal ouviu três institutos de meteorologia: 8o Distrito do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Impe) e o Centro Integrado de Meteorologia e Recursos Hídricos (Climerh). A edição tem ainda informações sobre a situação dos alagamentos no Estado.

‘Trecho da BR-101 em Maracajá é interditado’, matéria do dia 7, traz box com as cidades, os trechos e os tipos de defeito que a pista apresenta. O jornal publicou ainda mapa mostrando o trajeto que deve ser feito pelos motoristas para desviar a parte interditada da BR. O resto da página A8 é ocupado por matéria típica de enchente: ouvem-se desabrigados, meteorologistas e Defesa Civil.

No dia 8, último analisado, o tempo é manchete: ‘Meteorologia prevê muita chuva no Sul’. A matéria informa que ‘a quantidade de chuva para o trimestre (maio, junho e julho) em todo o litoral da região Sul do país será maior do que a média histórica do período’. Para representar a informação dada no texto, um box intitulado ‘A ira de São Pedro’ é formado por gráficos da Bacia do Rio Negrinho, Tubarão, Araranguá, Mampituba, com as médias da água e o ‘acumulado das últimas 96 horas’. O número de atingidos e de residências danificadas é destacado e o mapa de como desviar o trecho interditado da BR-101 aparece novamente.

A Notícia ofereceu uma cobertura de fôlego, mas que ainda carece de mais atenção à prestação de serviços. O jornal manifestou a intenção de não alarmar, mas na semana do evento trouxe fotos nas capas que traziam intranqüilidade aos leitores. Como equilibrar o noticiário? Trazendo ao leitor o máximo de informação possível, ouvindo as fontes necessárias e orientando as ações em momentos de crise.

18 anos

Paralelamente ao início das fortes chuvas no estado, o Diário Catarinense completava, no dia 5 de maio, 18 anos de existência. Previsivelmente, o jornal não deixou a data passar em branco. Uma reportagem especial de três páginas trazia inúmeros relatos de leitores que participaram de matérias veiculadas ou que simplesmente acompanham o jornal diariamente. Boxes também trouxeram dados relativos ao DC, como o primeiro número do jornal, números de funcionários e matérias realizadas. Nas páginas, o jornal exalta a ajuda, durante os 18 anos, prestados a pessoas e instituições, trazendo casos carregados de dramaticidade de famílias que tiveram, e conforme insiste o DC, suas vidas mudaram por causa do jornal. Visivelmente, modéstia é o que não falta durante a reportagem, que se mostra mais como uma forma de autopromoção do que de comemoração.

Modéstia

Modéstia não parece ser o forte dos jornais catarinenses. A concessão do título de cidadão honorário de Joinville ao diretor-presidente de A Notícia, Moacir Thomazi, ocupou um grande espaço no jornal, como era de se esperar. O tema apareceu pela primeira vez no dia 3. Na pág. A8, os feitos e a história de Thomazi estão na matéria ‘Presidente de AN recebe título de cidadão honorário’. Na coluna ‘Alça de Mira’, Antônio Neves acha que ‘a sessão vai ser concorridíssima’. Em ‘Informal’, o texto ‘Thomazi, cidadão joinvilense’ abre a coluna e está repleto de elogios ao chefe: ‘Hoje é um dia especial para todos nós. Thomazi, com quem convivo quase diariamente a 30 anos, tem todas as qualidades de bom empreendedor. É humano, polido, sensível e extremamente didático na engenhosa tarefa de delegar poderes’. Outro trecho que merece ser transcrito pela intensidade da comoção que transmite: ‘Que felicidade poder testemunhar momento tão sublime – logo eu que sempre acreditei na justiça divina. Hoje quem nos enseja esta graça são os membros do legislativo. Thomazi exerce, na sua plenitude, o verdadeiro sentido da palavra cidadania’. No dia 4, Moacir Pereira traz que ‘é preciso ressaltar, também, suas qualidades como líder de um vitorioso projeto editorial, transformando A Notícia num dos veículos mais respeitados e premiados da imprensa catarinense e brasileira. Ou destacar seus méritos pessoais comandando uma extraordinária equipe de profissionais, na condição de patriarca de uma família que orgulha Santa Catarina’. Na pág. A7, matéria relata como foi a solenidade de homenagem. No dia seguinte, o ‘Canal Aberto’ tem duas notas que tratam do título. ‘AL destaca homenagem a Moacir Thomazi’, na pág. A5, traz declarações de deputados sobre o presidente do jornal. O assunto volta às páginas no dia 9 no artigo intitulado ‘O reconhecimento de Joinville’.

E o foco?

Enquanto o caldeirão fervia por causa da cassação do visto do jornalista Larry Rohter (The New York Times), após a matéria ofensiva ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, colunistas de A Notícia exultavam que a foto que ilustrava a ruidosa reportagem havia sido feita na Oktoberfest de Blumenau. Ufanismo é pouco…