Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Daniel Piza

‘Sapo de fora chia – para quem quiser ouvir. Acompanhei em TVs, sites e jornais a cobertura do São Paulo Fashion Week e, afora a histeria em torno de celebridades e os excessos ‘performáticos’ cada vez mais freqüentes, para não falar também da bagunça instalada no Pavilhão da Bienal, cabe perguntar se esse processo da moda brasileira nos últimos anos vem avançando o tanto que dizem ter avançado. Há coisas muito bonitas (para meu gosto, a Cori por Alexandre Herchcovitch, a Forum feminina e, como sempre, algumas peças de Reinaldo Lourenço, Glória Coelho e Fause Haten), mas há também um excesso de infantilidades e derivações – tudo é ‘inspirado em’, tudo são referências – e, apesar dos motivos econômicos, uma carência de sofisticação internacional. Ou o Brasil não quer ser muito mais que o país da moda praia e das belas modelos? E acho que, com exceções, o jornalismo é parte dessa insuficiência, ao deixar de lado recortes mais críticos, seletivos, e até informações que mostrem que nem tudo que parece original vale quanto posa.’

 

PIXAR vs. DISNEY

John Markoff

‘O homem que esnobou a Disney’, copyright Folha de S. Paulo / The New York Times, 9/02/04

‘A decisão de Steven P. Jobs, presidente da Pixar Animation Studios, de desmanchar sua parceria com Michael D. Eisner e a Walt Disney Company é o indicativo mais claro de que Jobs está se tornando a personificação do magnata da mídia digital.

O fracasso, na quinta-feira passada, das negociações entre a Disney e a Pixar para um novo acordo de distribuição parece ter sido fruto de um choque de egos e de interesses das duas empresas. Mas foi também sinal da mudança no equilíbrio de poder entre as gigantes da mídia convencional e os empreendedores que dominam tecnologias digitais que estão transformando rapidamente a maneira como o conteúdo da mídia é feito e distribuído.

Comparado com as visões de longo alcance, mas freqüentemente pouco claras dos executivos do boom das ponto.coms, como a estratégia, em grande medida falha, responsável pela fusão da AOL e da Time Warner, Jobs é suficientemente versado em tecnologia digital para poder enxergar não apenas as capacidades dela, mas também suas limitações.

Assim, no caso do aparelho de som portátil iPod e da loja de música online iTunes da Apple Computer, de Jobs, um computador de mão, de uso fácil, e um banco de dados de rede acessível estão transformando não apenas a própria música, mas a maneira como ela é distribuída.

Apesar de vir falando em revolução há anos, Jobs abordou a mídia de uma maneira evolutiva e disciplinada que vem tendo sucesso notável: a Apple é a líder no mercado de downloads musicais e ‘Procurando Nemo’, da Pixar, é uma das animações de maior sucesso financeiro da história.

‘Na medida em que mexe com música, cinema e computadores, está claro que Jobs já pode considerar-se em pé de igualdade com outros magnatas’, disse Danny Hillis, ex-cientista da computação na divisão de Imagem da Disney e atual executivo tecnológico chefe da Applied Minds, uma empresa californiana de tecnologia.

Steve Jobs recusou-se a ser entrevistado para este artigo.

É claro que a Disney e a Pixar podem retomar suas negociações contratuais. E, mesmo que Jobs de fato feche um acordo de distribuição com algum outro grande estúdio, a Pixar pode ter dificuldade em conseguir termos melhores do que os que tinha com a Disney, que fica com 12,5% da bilheteria e 50% dos lucros dos filmes da Pixar. Mas o fato de Jobs estar disposto a abrir mão da poderosa máquina de marketing da Disney indica que ele acha que a Pixar já se tornou uma potência de mídia, ela própria.

A carreira de Steve Jobs foi construída sobre sua capacidade de prever inovações técnicas que o público vai desejar. Foi o que aconteceu em 1976, quando tinha 19 anos e percebeu que um computador pessoal podia ser mais do que um hobby para seus usuários.

Apesar disso, ele já sofreu revezes importantes, como sua saída da Apple, em 1985, após uma disputa de poder, e a falência da empresa de computadores que abriu em seguida, a Next. Jobs acabou retornando à Apple em 1997. No caso da Pixar, porém, Jobs tem demonstrado muita perspicácia e visão de futuro, aliados a sorte pura e simples. Quando ele comprou a Pixar, em 1986, por US$ 10 milhões, ela era a divisão de imagens computadorizadas da Lucasfilms.

Em 1989, com a companhia perdendo dinheiro, um grupo de tecnólogos da Pixar reuniu-se com executivos da Apple que tentavam convencer a empresa a comprar a Pixar de Steve Jobs por US$ 20 milhões. Steve Perlman, o co-fundador da WebTV, que na época era engenheiro da Apple, lembra que esta optou por não comprar a Pixar, em parte porque não estava interessada em ajudar Jobs. Seria preciso esperar seis anos para que o primeiro longa-metragem animado da Pixar, ‘Toy Story’, criasse condições para a Pixar abrir seu capital, transformando Jobs em bilionário.

Para Perlman, o mais notável no sucesso da Pixar talvez seja que, apesar da origem da empresa na produção de ferramentas especializadas de animação e hardware personalizado, seu sucesso se deve em boa parte à qualidade das histórias que conta, mais do que a qualquer dianteira tecnológica.

‘A Pixar foi se tornando cada vez menos uma companhia tecnológica’, disse Perlman, observando que hoje em dia a empresa freqüentemente faz seus filmes com hardwares já prontos e ferramentas de software padronizadas. Na verdade, um dos pontos estratégicos fortes de Jobs pode ser justamente o fato de ele compreender os limites da tecnologia.

Na Feira de Eletrônica ao Consumidor deste ano, Bill Gates, o rival de longa data de Jobs, expôs um tocador de mídia portátil que ele prevê que vá superar o iPod da Apple, na medida em que o aparelho da Microsoft toca não apenas música, mas também vídeos.

Alguns dias antes da feira, entretanto, numa entrevista concedida após ter apresentado uma versão ainda menor do iPod, Jobs disse que duvida que exista um mercado de massa para um tocador de vídeo portátil pequeno.

‘Com um par de fones de ouvidos de baixo preço, você tem algo que se aproxima de um sistema de caixas de som de US$ 10 mil’, disse ele. ‘Mas não existe alternativa de vídeo portátil à tela de HDTV de plasma de 50 polegadas.’

Jobs reconheceu que a Apple já faz experiências com vídeos portáteis, mas observou que já existem dois produtos portáteis ótimos para assistir a filmes: DVD players portáteis e notebooks dotados de drives para DVDs.

Jobs observa que Hollywood vem agindo com mais sofisticação do que o setor das gravadoras quando se trata de ampliar sua estratégia de distribuição. Já é possível, por exemplo, assistir a filmes de uma série de maneiras diferentes, entre elas a locação de vídeos e o ‘pay-per-view’.

Alguns executivos se perguntam se o fato de Jobs ter posto fim às negociações com a Disney foi em parte o prelúdio de um esforço para chegar ao cargo principal em uma empresa de Hollywood -talvez até mesmo para abocanhar o cargo de Eisner.

Outros, porém, observam que Steve Jobs sempre se deu melhor quando trabalhou com tecnologia. E prevêem que esse magnata da nova mídia não terá necessidade alguma de ir a Hollywood.

 

O Estado de S. Paulo / The New York Times

‘Mídia digital já tem o seu magnata’, copyright O Estado de S. Paulo / The New York Times, 3/02/04

‘A decisão de Steven P. Jobs, principal executivo da Pixar Animation Studios, de romper a parceria com Michael D. Eisner e a Walt Disney, na quinta-feira, é a mais clara indicação de que Jobs está se tornando o magnata da mídia digital.

Embora o fracasso das negociações entre a Disney e a Pixar acerca de um novo acordo de distribuição pareça ter sido um choque de egos e de interesses comerciais, foi também um sinal da mudança no equilíbrio de poder entre os gigantes da mídia convencional e os empreendedores das tecnologias digitais, que rapidamente estão alterando o modo como o conteúdo da mídia é feito e distribuído.

Ao contrário dos executivos da Nova Mídia durante o ‘boom’ pontocom, cujas visões eram ambiciosas mas às vezes dispersivas – como a errônea estratégia por trás da fusão da AOL com a Time Warner -, Jobs está suficientemente familiarizado com a tecnologia digital não só para reconhecer seu potencial, como para reconhecer suas limitações.

No caso do ‘music player’ portátil iPod e do armazenador de música online iTunes, da Apple Computer – empresa pertencente a Jobs -, um computador de bolso fácil de usar e uma rede de dados acessível estão transformando não apenas a música, mas o modo como ela é distribuída.

O sucesso do estúdio digital de Jobs não decorreu do fato de a Pixar dominar a distribuição dos filmes, mas de usar os computadores como uma poderosa ferramenta de criação para os desenhistas envolvidos na tradicional arte de contar histórias. Em toda a sua carreira, Jobs teve uma atitude disciplinada e progressista em relação à indústria da mídia, que se mostrou notavelmente bem-sucedida: a Apple é a líder do mercado de baixar músicas pela internet, e ‘Procurando Nemo’, da Pixar, é um dos desenhos animados mais bem-sucedidos financeiramente.

Jobs não quis fazer comentários para este artigo. É claro que a Disney e a Pixar poderão reiniciar negociações. E mesmo que Jobs faça um acordo de distribuição com algum outro grande estúdio, a Pixar poderia não ter tantas vantagens como tinha com a Disney, que ficava com 12,5% do dinheiro da bilheteria e 50% dos lucros de cada filme da Pixar. Mas o fato de Jobs ter condições de sair da poderosa máquina de marketing da Disney pode indicar que ele acredita que a Pixar se tornou uma força de mídia com vida própria.

A carreira de Jobs fundamentou-se na capacidade de antecipar o apetite do público pela inovação tecnológica. Aos 19 anos, em 1976, ele foi um dos fundadores da Apple Computer, e percebeu que um computador poderia ser algo mais do que um brinquedo de lobistas. Lançou o Macintosh em 1984 e popularizou o mouse, criado pela Xerox. Em 1986 ele adquiriu, por US$ 10 milhões, a Pixar, que era a divisão de computação gráfica da Lucasfilms, do diretor George Lucas. Em 1989, com a empresa perdendo dinheiro, um grupo de técnicos da Pixar reuniu-se com executivos da Apple tentando convencê-los a comprar a empresa de Jobs por US$ 20 milhões, mas o negócio não saiu. Seis anos depois, a Pixar lançou seu primeiro grande sucesso, ‘Toy Story’. Jobs pôde então abrir o capital da empresa e tornou-se bilionário.’

 

INTERNET EM CUBA

Antonio Sepulveda

‘Internet versus socialismo’, copyright Jornal do Brasil, 4/02/04

‘Cuba nos dá mais um exemplo da incompatibilidade do regime socialista com a liberdade de expressão. Em 28 de janeiro, houve um protesto contra o recrudescimento das restrições impostas por Fidel Castro ao já adstrito uso da internet pelos cubanos: o site da estatal do petróleo, cuja sigla é Cupet, foi invadido por hackers que puseram o emblema da empresa de cabeça para baixo e deixaram uma mensagem para os responsáveis pela repressão, clamando por democracia e liberdade.

Em Cuba, o comissariado das comunicações restringe a utilização da internet – sempre supervisionada – a instituições de ensino, órgãos estatais e à alta nomenclatura do partido. Aqueles que, movidos pela curiosidade, se arriscam a buscas mais ousadas, o fazem, quase sempre, de forma clandestina, expondo-se ao encarceramento sumário, marca registrada do totalitarismo fidelista. A nova legislação, contudo, torna quase impossíveis essas artimanhas de internautas interessados em saber o que acontece no mundo exterior, onde as pessoas são livres. Mas Fidel Castro não brinca em serviço; proibiu expressamente o acesso à internet, por meio do serviço telefônico estatal – precário, mas de baixo custo – que atende à população e é cobrado em moeda local. Doravante, em Cuba, só se poderá navegar na Web por meio de um serviço telefônico mais caro, pago em dólares norte-americanos, cuja posse, naturalmente, é vedada ao cidadão comum. Somente gozam desse privilégio os turistas estrangeiros hospedados em hotéis exclusivos, que podem pagar cinco dólares por hora de conexão, ou seja, 130 pesos. Cabe lembrar que o salário médio de um cubano é de 200 pesos e que os altos comissários do partido, é claro, têm acesso gratuito não só à internet, mas a outras regalias inerentes ao universo capitalista, de cujas benesses o povo cubano sequer desconfia. E tudo isso sem a inconveniência de uma oposição política que pudesse denunciar essas falcatruas.

Fidel Castro defende a medida, alegando ser indispensável bloquear os ‘ataques cibernéticos dos agentes da CIA’, assim como de opositores do regime, jornalistas independentes e, sobretudo, de indiscretos exilados cubanos. Seja qual for o motivo, não se pode negar que a nova restrição aprofunda o isolamento cultural de Cuba e expõe o desespero do ditador ante o aumento da dissidência dentro de casa. A mobilização da sociedade civil tem assustado a privilegiada cúpula castrista, que se preocupa com essa busca perigosa da liberdade de informação. O socialismo, por uma questão de sobrevivência, precisa comandar a mente das pessoas; deixar o povo pensar é um risco inaceitável. Para tanto, é necessário o controle rígido do sistema de comunicações, da estrutura educacional e da atividade social, de modo a obstruir eficazmente qualquer fonte exógena de conhecimento. Para se ter uma idéia dessa paranóia repressiva, além da censura permanente a jornais, revistas, rádio e televisão, o governo cubano tornou ilegal a comercialização de rádios de ondas curtas e de antenas parabólicas. Segundo dezenas de relatos coincidentes de cubanos que tiveram a felicidade de se evadir da ilha-cárcere, até mesmo as chamadas telefônicas são aleatoriamente grampeadas pela patrulha ideológica.

A informação é um fator de força poderosíssimo. Não precisamos de uma pitonisa para saber que, diante da ingente capacidade de penetração da internet, Cuba está cada vez mais próxima de sua carta de alforria.’