Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Degeneração e amnésia

A proposta apresentada pelo novo ministro da Educação, Tarso Genro, na última semana, para ampliar o número de vagas ‘públicas’ nas escolas privadas de ensino superior, é mesmo de arrepiar o mais conservador educador e de deixar sem fôlego milhares de militantes do PT, partido do ministro, que durante anos debateram e elaboraram inúmeras propostas do partido para a educação.

Em vez de investir pesado na ampliação de vagas nas universidades públicas, prioridade histórica do partido e da sociedade brasileira, o ministro pretende ‘comprar’ vagas nas escolas particulares, ou seja, transferir recursos públicos para a atividade privada da educação.

Mais do que isso, a proposta visa não apenas assegurar vagas nas escolas particulares em troca da isenção de impostos, mas, também, liberar o lucro para as universidades que operam atualmente sem fins lucrativos, como as fundações, as comunitárias e as confessionais.

Levada ao pé da letra, a proposta simplesmente fortalece e coloca como referência nacional da educação superior as escolas mercantis, de proprietários privados geralmente sem escrúpulos, que montaram verdadeiras fábricas de diplomas e que jamais se preocuparam com a qualidade do ensino, com a pesquisa, com o projeto de desenvolvimento do País e com a condição social do aluno e do povo brasileiro.

Nada de sério

Se quisesse uma alternativa mais decente, o ministro Tarso Genro poderia ter considerado a ‘compra’ de vagas apenas e tão somente nas instituições sem fins lucrativos, e desde que se colocasse para elas a obediência a determinadas regras para assegurar a qualidade do ensino, a transparência de todas as contas, a participação democrática da comunidade e o respeito aos direitos dos trabalhadores administrativos e docentes.

Mas não, o ministro petista não apenas quer promover o que há de pior no meio educacional, que são as grandes redes de supermercados do ensino (Unip, Unibam etc), como tenta arrastar para o mesmo esgoto as instituições filantrópicas, que são particulares, são sustentadas pelas mensalidades, mas não podem ter lucro (nem donos para se apropriarem desse lucro) com a atividade educacional.

Durante décadas, pelo menos, milhares de educadores brasileiros, muitos deles companheiros do ministro Tarso Genro, defenderam nas várias trincheiras da luta política a universidade pública e gratuita, que é a única que possibilita o acesso de todos, independentemente da classe social e da condição econômica. Essa sempre foi a prioridade número um.

Por isso mesmo causa perplexidade geral no país que o governo Lula, depois de um ano sem formular nada de sério na área da educação, faça essa inversão de valores contida na proposta de Tarso Genro. Ou o ministro é vítima dessa amnésia epidêmica que costuma ocorrer em Brasília ou entrou mesmo nesse terrível processo de degeneração que toma conta de boa parte do PT, por coincidência a parte que assentou praça no Palácio do Planalto e na Esplanada dos Ministérios.

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Jornalista, chefe do Departamento de Jornalismo da PUC-SP