Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Democracia pressupõe diálogo sem gritos

A partir de leitura de artigo ‘A quem interessa um país sem jornalistas?‘, publicado neste Observatório, constatei que naquela oportunidade o autor manifestava críticas à recente decisão do Supremo Tribunal Federal, que concedeu efeito suspensivo ao recurso extraordinário interposto contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça, que havia concluído acerca da legalidade e necessidade do diploma de Jornalismo para desempenho de atividades assim concebidas.


Particularmente, entendo, também, que a decisão do Superior Tribunal de Justiça é coerente e, acima de tudo, preserva o bom desempenho da profissão que, é verdade, demanda conhecimentos técnicos sobre a ciência da comunicação, além de outros conhecimentos que podem ser transmitidos por meio de freqüência à universidade.


No entanto, para legitimação desta idéia que se tem como acertada, qual seja, necessidade de diploma de Jornalismo para desempenho da profissão, não se deve partir para o questionamento da existência das instituições, só porque uma revoga entendimento de outra, só porque uma é contrária aos interesses de determinada parte. Se há intenção de debater a estrutura e o funcionamento do Poder Judiciário, ótimo. Mas que o debate seja orientado e não suscitado apenas porque foi proferida decisão judicial contrária ao que determinada parte entendia como correto.


A previsão de recurso ao Supremo Tribunal Federal não foi criada apenas agora, para revogar decisão de tribunal de hierarquia inferior. É a própria Constituição Federal, citada para validar ou tornar justa e legítima decisão que é benéfica aos jornalistas diplomados, que definiu que das decisões do Superior Tribunal de Justiça que envolverem matéria constitucional será cabível recurso ao Supremo Tribunal Federal.


Crítica desmedida


Não há nenhuma ilicitude nisto, o contrário é que seria. Se exigiremos, a partir de agora, diploma de jornalista ao profissional da área, com fiscalização e sanção para descumprimento, é preciso que essa exigência seja afirmada com democracia e respeito às leis e instituições em vigor no país.


Não há como negar, abstraído qualquer interesse pessoal, que a decisão do Superior Tribunal de Justiça, que nesse momento ainda pode ser modificada, traz prejuízo a pessoas indeterminadas ou indetermináveis. Na outra ponta desta discussão, existem pessoas, via de regra sérias e comprometidas com o desempenho ético e responsável da profissão de jornalista, que por sua vez sustentam famílias e que, assim, precisam de certeza das instituições de Justiça em funcionamento no Estado de Direito brasileiro. Claro que não se deve olhar apenas para os interesses de uma das partes envolvidas numa relação processual. Há nitidamente interesses contrapostos, e só por isso há necessidade de cautela e prudência. O que o Supremo Tribunal Federal decidiu, neste momento, foi apenas suspender a eficácia da decisão do Superior Tribunal de Justiça, até que o tema seja definitivamente julgado. É, portanto, decisão que preserva ambos os interesses contrapostos e dá segurança jurídica ao setor e à coletividade em geral.


Se os argumentos que foram aceitos ou expressos pelo Superior Tribunal de Justiça são coerentes ou mais convincentes, segundo a categoria dos jornalistas diplomados, a crítica desmedida ao funcionamento previamente definido dos tribunais se revela totalmente desnecessária, porque, por serem coerentes e mais convincentes, é crível supor que o Supremo Tribunal Federal apenas confirmará o que fora decidido anteriormente. Ademais, nenhuma sociedade verdadeiramente democrática pode aceitar modificação de questões de interesse coletivo sem que tal transformação não ocorra conforme as leis em vigor na sociedade política.


Em descompasso


Não há razão para se supor que a decisão seria corporativa ou destinada a atender interesses não legítimos, porque é da essência da justiça brasileira revisão de matérias jurídicas por outro tribunal de hierarquia superior.


Decididamente, não é na base do ‘quem grita mais alto’ que se decidirá, com segurança e justiça, questão relevante à nação brasileira, só porque é mais interessante para estes que foram beneficiados por decisão do Superior Tribunal de Justiça, em detrimento daqueles que foram beneficiados por decisão do Supremo Tribunal Federal (que detêm última palavra sobre o tema), que neste momento apenas deferiu providência acautelatória e indicativa de que a questão, que transcende ao âmbito restrito do direito, será suficientemente analisada e debatida, para que ao final se consiga bem solucionar o problema.


Desacreditar instituições apenas porque divergem daquilo que se entende mais adequado colide com a própria exigência dos jornalistas diplomados, pois há, aqui, evidente manifestação de idéia em descompasso com princípios que deveriam nortear o exercício da profissão de jornalista, seja ela diplomada ou não. Aliás, a experiência tem demonstrado que os excessos praticados pela impressa, por assim dizer, são provenientes justamente do exercício diplomado da imprensa.


Perigo para todos


Atacar decisão de tribunal para fazer valer os interesses que determinada categoria entende serem os mais adequados não é e não será o melhor caminho para legitimar eventual necessidade de diploma para desempenho da profissão. Se a decisão do Superior Tribunal de Justiça tivesse dispensado exigência de diploma de Jornalismo e no Supremo Tribunal Federal, tal como ocorreu agora, houvesse modificação dessa primeira decisão, com certeza haveria elogios à decisão do Supremo Tribunal Federal. Isso revelaria imaturidade democrática ou, ao contrário, oportunismo democrático! A crítica é sempre salutar, mas o destempero verbal e/ou o questionamento às instituições apenas porque foram contrárias aos interesses de alguns não são atitudes positivas à sociedade. Há quem interessam instituições jurídicas frágeis? Talvez às mesmas pessoas que hoje querem jornalistas frágeis, se é que ausência de diploma significa jornalismo frágil!


De qualquer sorte, e para além dos ‘achismos’, acredito que precisamos é de mais reflexão e debate do que legitimação pelo discurso, em detrimento do que hoje é a ordem jurídica democrática, que prevê recurso para confirmação de decisão proferida em Tribunal de hierarquia inferior.


A negação desta norma constitucional (previsão de recurso) para prevalência de outra considerando apenas eventual satisfação de interesses (exigência de diploma) da parte envolvida é que me parece equivocada e, acima de tudo, perigosa a todos e à própria democracia.

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Advogado em Direito Público, Florianópolis