Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Dois pilares da sociedade democrática

Na sexta-feira (18/9), às 15 horas, o ministro da Educação Fernando Haddad vai receber, em seu gabinete no edifício-sede do MEC, em Brasília, o relatório da comissão nomeada, no dia 19 de fevereiro deste ano, para rever as diretrizes curriculares do curso de jornalismo.

Trata-se de documento emblemático, que mobilizou a categoria dos jornalistas, no último semestre, apresentando sugestões para melhorar a qualificação dos profissionais formados pela universidade para atuar nas organizações jornalísticas.

Sua finalização ocorreu num momento conturbado da vida nacional, quando a decisão polêmica do Supremo Tribunal Federal suprimiu a exigência do diploma universitário para o desempenho do ofício de jornalista. Essa medida suscitou enorme comoção na sociedade, criando, do meu ponto de vista, um precedente perigoso para o aviltamento do jornalismo, ainda que as principais empresas do ramo tenham emitido sinais de que continuarão a contratar os profissionais competentes diplomados pela universidade.

Cresce, portanto, a responsabilidade das instituições de ensino superior que formam jornalistas profissionais, desafiando a comissão de ensino de jornalismo e o próprio Ministério da Educação a dar respostas sensatas, consensuais e alentadoras à sociedade, bem como ao jornalismo, vislumbrando caminhos eficazes para superar o impasse existente.

Pressupostos democráticos

Quando fui surpreendido pelo ministro Haddad, no final do ano passado, confiando-me a espinhosa missão de encabeçar o grupo de especialistas que deveria propor novos rumos ao ensino de jornalismo, seu argumento foi convincente, irrecusável.

A grande preocupação do jovem e ousado ministro, assim como de sua equipe gestora, tem como vetor o fortalecimento da democracia em nosso país.

O diagnóstico feito pelo staff ministerial identifica quatro campos universitários como pilares da sociedade democrática no país: medicina, direito, pedagogia e jornalismo. Por isso mesmo, os cursos respectivos foram declarados prioritários no calendário de atualização das diretrizes norteadoras do nosso ensino superior.

De que modo a universidade pode contribuir para sedimentar as instituições democráticas, formando cidadãos cujo capital cognitivo e cujos valores éticos possam convergir para a tomada de decisões coletivas, capazes de nutrir o espaço público, respaldando o bem comum, a liberdade de pensamento e a diversidade cultural, de forma a fortalecer naturalmente a defesa dos interesses nacionais? Esta a pergunta que desafiou as comissões nomeadas.

Diante de tamanha responsabilidade, propus que a comissão de jornalismo, integrada por Alfredo Vizeu, Carlos Chaparro, Eduardo Meditsch, Luiz Gonzaga Motta, Lucia Araújo, Sergio Mattos e Sonia Virginia Moreira, não limitasse suas estratégias aos indicadores convencionais do claustro acadêmico, fundamentando-as nas aspirações coletivas da sociedade brasileira.

A justificativa para ouvir os representantes dos segmentos sociais organizados foi a circunstância de ali atuarem as forças que configuram a fisionomia do jornalismo brasileiro, das fontes aos usuários, ou seja, da emissão à recepção das notícias e comentários. Desta maneira, evitávamos ficar refém dos interesses corporativos, arrefecendo as pressões dos grandes intelectuais que se consideram os donos da verdade.

Metodologia participativa

Abertas à participação de todos os agentes dos processos jornalísticos, foram realizadas três audiências públicas.

No Rio de Janeiro, a comunidade acadêmica (professores, estudantes, pesquisadores, dirigentes de escolas, cursos, departamentos de ensino e pesquisa) expressou suas aspirações. Em Recife, foi a vez da comunidade profissional, representada pelas organizações sindicais ou corporativas (empresas, setor público e terceiro setor). Finalmente em São Paulo manifestaram-se as lideranças e porta-vozes da sociedade civil organizada (advogados, psicólogos, educadores, religiosos, ecologistas, bem como outros segmentos comunitários).

Da mesma forma, os cidadãos interessados na questão tiveram oportunidade de encaminhar recomendações; isso foi possível através de um fórum de debates instituído, durante vários dias, no portal do MEC na internet.

Finalmente, o presidente e alguns membros da comissão ouviram as propostas específicas de empresários, profissionais renomados, líderes estudantis, docentes e pesquisadores, acolhendo todos os subsídios possíveis. Depois de uma apreciação do itinerário percorrido pela educação dos jornalistas no Brasil, dos currículos mínimos às diretrizes curriculares, a comissão buscou compatibilizar todas as contribuições recebidas.

Ao perfil de idéias, demandas e propostas captadas nas audiências públicas agregou-se a revisão do conhecimento existente sobre o ensino de jornalismo, na literatura nacional e internacional, conteúdos que embasaram substancialmente tanto o diagnóstico do cenário atual quanto os argumentos utilizados para justificar as mudanças recomendadas ao MEC e ao Conselho Nacional de Educação.

Variáveis independentes

Enquanto se processava o trabalho da comissão, alguns fatos novos alteraram o cenário nacional, sobrepondo-se ao rumo da proposta. Por um lado, a já mencionada decisão do Supremo Tribunal Federal, revogando a Lei de Imprensa e a obrigatoriedade do diploma para o exercício profissional. Por outro, a nova regulamentação do mestrado profissional, anunciada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e publicada no Diário Oficial da União.

Tais dispositivos legais, ao balizar o atendimento a demandas específicas, devem ser aplicados no sentido de aperfeiçoar o ensino, valorizar a profissão e qualificar ainda mais os aspirantes ao exercício do jornalismo.

Contribuirá também para esse aperfeiçoamento a restauração do estágio supervisionado, alocado nos últimos anos do curso. Correspondendo a antiga reivindicação dos estudantes, possibilita a interação da universidade com o setor produtivo. Para tanto, será indispensável a assessoria acadêmica de modo a garantir o estágio como forma de observação crítica das rotinas profissionais, bem como a vigilância sindical para evitar a exploração dos estagiários por empresas inidôneas.

A formação de profissionais especializados, pleito histórico das organizações jornalísticas, tem a possibilidade de se estabelecer através de cursos de mestrado profissional, credenciados pela Capes. Neles, os formados em outras áreas do conhecimento poderão preparar-se para colaborar nas editorias especializadas, atuando como comentaristas, consultores ou planejadores de conteúdo.

A especialização de graduados em jornalismo, reciprocamente proposta pelos sindicatos, pode também ser garantida em mestrados profissionais, tutelados pela Capes. Nesses novos espaços de capacitação avançada, os profissionais diplomados em jornalismo terão oportunidades para dominar os conteúdos requeridos pela reportagem nas editorias de economia, política, esportes, cultura e outras editorias da segmentação jornalística, entre as quais as de atendimento a áreas emergentes nos cenários da atualidade.

Da mesma forma, os estudantes de graduação em áreas que se projetam no conteúdo dos jornais podem ter acesso, através de cursos seqüências e congêneres, ao conhecimento essencial da profissão jornalística, adquirindo competência para atuar nas empresas como mídia-educadores e nas instituições de ensino como educomunicadores.

A responsabilidade social do jornalismo qualifica o papel dos jovens profissionais no fortalecimento da democracia, demandando uma educação fundamentada na ética, na competência técnica, no discernimento social e na capacidade crítica, habilidades que só podem ser adquiridas em uma sólida formação superior própria.

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Jornalista, professor e presidente da Comissão de Especialistas em Ensino de Jornalismo do Ministério da Educação