Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Dormi sem profissão e acordei advogado

Insatisfeito com a grande dificuldade do reconhecimento da profissão de jornalista, acordei, um ano atrás, com vontade de exercer a profissão de advogado. O mercado de trabalho parecia mais acessível que o do jornalismo, já que este está impregnado não somente por interesses das grandes corporações de mídia, mas também pela picuinha de profissionais experientes com espaço na mídia, que utilizam seus veículos como manobra de convencimento de seus leitores cativos.

Minha primeira decisão foi fazer a matrícula na biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Consultei alguns amigos sobre a listagem de livros oferecida pelos professores e dediquei-me um ano ao estudo voraz da Constituição e seus temas mais espinhentos. Parecia possível aprender as dificuldades da profissão e assim utilizar a minha formação pessoal na defesa dos mais pobres, freqüentemente desprovidos de justiça neste país (o interesse do país é costumeiramente levantado nas oposições a regras). Abri um escritório cobrando preços modestos para assim atender à clientela. Já estava me sentindo um advogado quando descobri que necessitava estar de acordo com as normas da OAB para exercer a minha nova profissão, o que incluía um curso superior numas das instituições aprovadas pelo MEC – me parece uma afronta à liberdade de defesa do cidadão ser necessário o ensino superior…

A história acima serve apenas para ilustrar o verdadeiro questionamento deste artigo: a necessidade de diploma para exercer carreiras tradicionais no país. Mesmo sendo um estudante de Jornalismo, acredito que a obrigatoriedade do diploma para a carreira apenas beneficia as faculdades que transformaram o ensino superior em mercadoria, já que cria uma reserva de mercado para profissionais com formação, tanto no setor público – no qual muitos concursos exigem o diploma – quanto no privado. Assim sendo, a faculdade não necessita qualificar o seu curso, a simples graduação do aluno passa a ser um diferencial no mercado de trabalho.

Varridos da profissão

Por que então uma breve narração sobre o direito? Pelo fato de que o jornalista que hoje tem curso superior (com a premissa de que todos são iguais perante a lei) deve ter a mesma reserva de mercado de um profissional que cursa Direito, Engenharia ou até mesmo Medicina. Ou então que o diploma deixe de ser obrigatório para todas as carreiras, e, principalmente, para concursos públicos. Seria uma forma de as universidades obrigatoriamente qualificarem seus cursos, e não somente tornarem-se fábricas de diplomas. Com certeza teríamos indivíduos sendo aprovados no concurso para a Procuradoria sem o diploma de uma universidade, mas com maior conhecimento de legislação que muitos ‘advogados’ provenientes de faculdades picaretas.

A idéia de superioridade intelectual dos indivíduos com formação ‘superior’ tem suas raízes no iluminismo e no positivismo do século 18, no qual meios de transmissão de informações como internet e televisão sequer eram considerados, afinal, não existiam. Em pleno século 21, podemos avaliar que, com o acesso facilitado a qualquer tipo de saber, o autodidatismo é tão possível como em Roma, onde os juristas, logicamente, não necessitavam de curso superior. Parece lógico que, se o mercado de trabalho é tão competente ao empregar jornalistas sem diploma, poderia fazê-lo no caso de advogados sem diploma ou médicos sem diploma.

A evocação da ditadura sempre que os direitos individuais são feridos – em referência ao texto de Haroldo Mendes [ver remissão abaixo], que defende os direitos próprios mais do que uma causa – é uma manobra de convencimento do público pequena e sem fundamentação, já que a legislação serve justamente para regular as relações entre cidadãos e, impreterivelmente, imporá restrições às atitudes individuais. A necessidade do diploma para exercer o jornalismo é uma questão maior, como afirmou o autor no último parágrafo, não sendo necessário o sensacionalismo da evocação da ditadura para convencer o leitor sobre um ou outro ponto de vista.

Se não posso acordar amanhã advogado, parece justo que o vice-versa seja impedido por lei. Se hoje ainda existem profissionais trabalhando em jornalismo sem diploma, a obrigatoriedade deste varrerá da profissão, dentro de poucas décadas, aqueles sem a qualificação universitária. Sem a necessidade de nenhuma ditadura, mas sim por um processo histórico antes visto nas demais carreiras de ensino superior. Assim, ficamos com uma solução: ou se troca todo o sistema ou que seja permitido que o jornalismo nele se insira.

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Estudante de Jornalismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e gerente de marketing, Porto Alegre