Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Uma sessentinha bem enxuta

Operando no Brasil desde 1950, a televisão é o veículo de comunicação com maior penetração no país, chegando a 94% dos lares, segundo a pesquisa Midia Dados 2010. Ela assume um papel de elemento agregador social, oferecendo às pessoas informação, educação e entretenimento (MALCHER, 2009). Entre as emissoras, a de maior destaque é a Rede Globo, que chega a 98,4% dos municípios brasileiros e 99,6% dos domicílios com televisão. Além disso, a emissora desponta como a de maior share do Brasil, atingindo em média 45,2% dos aparelhos de televisão ligados das 7h às 24h. Também é da emissora carioca a inserção comercial mais cara da televisão brasileira: 30 segundos no horário da telenovela das 21 horas custam US$ 218 mil (MIDIA DADOS, 2010).

Percebe-se, assim, que a telenovela é o produto mais valorizado da televisão brasileira. Essa mesma telenovela que comemorou, em 21 de dezembro de 2011, 60 anos de existência. Inicialmente era transmitida ao vivo, a partir de estúdios, com formato aproximado ao das radionovelas: primeiro, repetindo as histórias do rádio e da literatura; depois, com os dramalhões fantásticos em países distantes de Glória Magadan e, desde o final dos anos 1960, já com o uso do videotape, contando histórias mais aproximadas da realidade dos brasileiros (FERNANDES, 1997).

Hoje, define-se telenovela como “uma macronarrativa que se estende ao longo de quatro mil páginas […] desenvolvidos por uma equipe de produção que envolve palavra e imagem e que não deixa de ser um espetáculo intersemiótico de entretenimento” (CALZA, 1997, p.13).

Formação de conceitos e temas de debate

Para o desenvolvimento desta narrativa seriada, o elemento principal é a personagem: sem ela, não há ação (FIELD, 2001). Segundo Candido (1998, p.44), personagens são “seres humanos de contornos definidos e definitivos, em ampla medida transparentes, vivendo situações exemplares de um modo exemplar”. A personagem faz, segundo Pallottini (1989), uma recriação dos traços fundamentais das pessoas, segundo critérios do autor.

Entre as personagens, destaca-se o protagonista, que é a personagem principal e aparece em primeiro plano na narrativa. Ele pode ser um herói, com características e qualificações superiores às outras personagens (BRAIT, 1985), ou ainda um anti-herói, que apesar de ter características inferiores às demais personagens, está em destaque em relação a elas (GANCHO, 2000).

O protagonista é o centro da história; é em função dele que a narrativa existe e se desenvolve (LOPES, REIS, 2002). Por ter este destaque na história, acaba sendo o protagonista aquele que recebe mais identificação por parte do telespectador, que torce pelo desenrolar de sua história e por seu sucesso ao final da narrativa.

São estas personagens, protagonistas ou não, que transformam as dramatizações televisivas em produtos culturais de alcance nacional. Mas engana-se quem pensa que elas são recebidas por um consumidor passivo; ao contrário, colaboram com a formação de conceitos e temas de debate, em âmbitos microssociais (dentro de cada casa) ou macrossociais (nas comunidades), principalmente por ser, como define Mauro Alencar (2010), uma recriação da realidade.

Os protagonistas e os fatos

É por este papel que as dramatizações televisivas tornam-se importante objeto de estudo enquanto produção cultural. Pois como destaca Muniz Sodré (1981), a cultura não é somente um sistema de comportamentos, mas também o sistema da produção material ou do modo de produção econômico. Para o pesquisador, a cultura é um acervo de representações (fenômenos culturais comuns: regras, condutas e valores) produzidos pelas instituições de um agrupamento social.

Relacionar as telenovelas e suas personagens com o contexto histórico em que são produzidas e transmitidas é uma forma de buscar a compreensão da importância das produções da chamada cultura de massa [Simmel (apud WOLF, 1999, p.22) entende massa como um grupo homogêneo de pessoas, “que não se baseia na personalidade dos membros, mas apenas naquelas partes que põem um membro em comum com os outros todos”. Assim, entende-se cultura de massa como a produção cultural deste – e para este – grupo] para a formação do pensamento do público.

Ao compreender o papel da teledramaturgia como parte da produção cultural de um povo e produto de sua realidade, torna-se importante buscar sua relação com a vida cotidiana de quem a consome. É isso que se pretende com esta pesquisa: verificar uma possível estreita ligação entre protagonistas de televisão e os fatos que marcaram a história do Brasil, estando os dois elementos (ficção e real) dentro do mesmo contexto.

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[Poliana Lopes é jornalista (Unisinos/RS), mestre em Processos e Manifestações Culturais e especialista em História, Comunicação e Memória do Brasil Contemporâneo (Universidade Feevale, RS)]