Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Os alunos que temos e a missão que assumimos

Diversos são os debates sobre os cursos de Jornalismo no Brasil. As questões abrangem uma ampla gama temática e desaguam num imbróglio jurídico-social: a necessidade da formação superior para o exercício do jornalismo. O diploma é ponta do iceberg, sem dúvida muito importante para a consolidação profissional, mas não deve anular outros debates igualmente relevantes para traçar os rumos da formação do jornalista nas universidades brasileiras.

Um tema que merece atenção é relação dos estudantes que ingressam no curso com a língua portuguesa. Como professor de Jornalismo, escuto frequentes queixas de colegas docentes em relação à baixa qualidade dos textos dos alunos. Observo, sim, erros grosseiros na produção textual. Muitos não sabem as regras gerais de pontuação, cometem equívocos básicos de ortografia e sequer sabem a função da crase. Afinal, perguntam os professores, como ensinar crase a alunos que não sabem distinguir artigo de preposição? Mais do que questões gramaticais, parte considerável dos estudantes apresenta deficiência para construir textos coesos e coerentes.

É importante destacar a existência de especificidades. Algumas universidades públicas chegam a registrar a relação de 20 candidatos por vaga no vestibular. Outras instituições, particulares em sua maioria, não conseguem sequer preencher todas as vagas destinadas ao curso. A seleção ajuda, sem dúvida, a nivelar os estudantes segundo os conhecimentos acumulados. No entanto, em diferentes graus, todas as instituições de ensino superior apresentam estudantes com deficiência na escrita.

Postura ética

As críticas se concentram na formação falha nos ensinos fundamental e médio. Atribui-se a deficiência, portanto, ao passado educacional dos estudantes que chegam agora aos bancos das universidades, como o passivo de um sistema educacional com claras deficiências. O cenário está visível para todos. Os professores de Jornalismo têm um problema (alunos com deficiência na formação), as consequências são explícitas (estudantes que não conseguem redigir textos de forma satisfatória) e as causas são conhecidas (baixa qualidade da educação no país). Se o cenário está claro, fica a pergunta: o que os professores de jornalismo devem fazer?

Não basta reclamar. No 14o Encontro Nacional de Professores de Jornalismo, realizado em Uberlândia, o professor Tomás Barreiros, da Facinter, fez uma analogia instigante. Um hospital não escolhe seus pacientes, mas assume o dever de fazer o possível para curá-los. Imagine se os médicos apenas reclamassem dos pacientes em estado grave que recebem, sem interceder para buscar a solução das enfermidades. Os professores de Jornalismo também não escolhem seus alunos e não podem, igualmente, fechar os olhos para a realidade. A comparação é forte, como deve ser forte a ação para mudar o quadro atual.

A baixa qualidade dos textos é um reflexo do passado, mas é também um problema presente e poderá refletir em graves dilemas no futuro. É função do ensino superior prover conhecimentos básicos? A resposta é não, mas dar as costas ao problema não é uma atitude ética. Portanto, os professores de Jornalismo têm o dever de ensinar a língua portuguesa, zelar pela melhoria da qualidade dos textos e incentivar a leitura e a produção escrita.

Algumas propostas

Algumas atitudes simples e diretas podem ajudar a combater as deficiências dos alunos diante da língua portuguesa. Em primeiro lugar, os docentes devem não apenas incentivar a leitura de obras diversas. Literatura em geral, jornais, revistas, tudo deve ser levado para o cotidiano dos estudantes, que muitas vezes mostram um distanciamento perigoso do hábito de ler. A constatação é óbvia: quem não lê não escreve.

É também essencial tornar a escrita algo permanente. Escrever é um ofício do jornalista, mesmo daqueles que trabalham em meios audiovisuais, já que a oralidade é apenas um suporte diferente para a comunicação, com regras e funções bem definidas. Portanto, os professores devem incluir no plano de ensino das disciplinas atividades que garantam uma carga elevada de trabalhos que envolvam a produção de textos. Aqui ainda cabe destacar a necessidade de formular provas com questões dissertativas. As frequentes avaliações de múltipla-escolha impedem que o professor tome contato com as deficiências do aluno diante da língua portuguesa. Outras ações, como o diálogo com escritores e visitas planejadas a eventos literários também ampliam o contato dos alunos de jornalismo com a forma culta do idioma.

O problema é nosso, dos professores de Jornalismo, que não podemos jamais fechar os olhos diante de um desafio do mesmo tamanho da responsabilidade dos futuros jornalistas que formamos.

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[Ivan Satuf Rezende é mestre em Comunicação Social e professor de Jornalismo em Belo Horizonte]