Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

‘Agenda setting’ e as discussões do novo Código Florestal

A literatura básica que organizam este trabalho é a dos autores vinculados à chamada hipótese da agenda setting que se filia à tradição dos estudos sobre os efeitos cognitivos da comunicação em longo prazo. A ideia básica da agenda setting sustenta a existência de uma correlação direta e causal entre a agenda da mídia e a agenda do público na medida em que, numa sociedade de massa, a percepção pública dos temas relevantes é construída tendo por base as informações veiculadas pela mídia. Deste modo, como lembra Shaw (1979:96), em função do que se publica ou veicula na mídia o público “sabe ou ignora, presta atenção ou descura, realça ou negligencia elementos específicos dos cenários públicos”. Por sua vez, McCombs e Shaw (1972:177) chamam a atenção para o fato de que se os meios de comunicação de massa têm uma fraca influência sobre a tendência ou intensidade das atitudes das pessoas, em contrapartida são capazes de fixar a agenda nas campanhas políticas, influenciando o aparecimento das atitudes perante os diferentes temas políticos. Assim, e à medida que as questões em debate se tornam mais importantes do que a identidade partidária ou as linhas ideológicas, a arena política se transforma num “palco central (de) uma luta simbólica em torno da construção dos acontecimentos e das questões” (TRAQUINA, 1995:109).

A motivação inicial que orientou esse trabalho nasceu do reconhecimento das dificuldades apontadas acima e assumiu o desafio de operar teórica e metodologicamente na interseção das fronteiras acadêmicas da política, sociologia, da comunicação e do meio ambiente.

Material e métodos

O material para observação incluiu (1) as manchetes de primeira página dos jornais, as chamadas iniciais e o título das matérias nas seções “Brasil” e “Economia e Negócios” da revista Veja, Época e IstoÉ; (2) os editorais dos jornais Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo e (3) colunas previamente selecionadas na Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo e revista Veja. O período de observação foi estruturado sob a forma de amostragem, com exceção das revistas Época e IstoÉ, abrangendo as edições diárias dos jornais durante o período de fevereiro de 2011 a novembro de 2011, mês que provavelmente estaria ocorrendo a votação definitiva do novo Código Florestal, pelo fato de ter sido estendida as discussões, votações e vetos até meados do ano de 2012, também ampliamos nossa amostragem. Com o objetivo de reduzir os problemas de validação típicos da análise de conteúdo e relacionados ao grau de confiabilidade no processo de codificação foram definidos alguns procedimentos padrões. A unidade de registro (o que se conta) escolhida foi o tema (análise temática), considerado pela literatura pertinente às técnicas de análise de conteúdo como o mais adequado para registrar opiniões, atitudes, valores, crenças e tendências. Quanto à unidade de contexto (onde se conta) foram adotados dois critérios: (1) em relação às manchetes e aos títulos das matérias das revistas tomou-se como referência à frase (no caso, as próprias manchetes, chamadas e títulos) e (2) em relação aos editoriais e às colunas, o parágrafo. Nesse caso, se convencionou que um tema estaria configurado se presente em pelo menos 25% do total de parágrafos do texto.

Resultados e discussão

Em primeiro lugar, as categorias temáticas das manchetes de primeira página dos jornais pesquisados e os títulos das matérias da revista Veja nas seções “Brasil” e “Economia e Negócio”. Excluindo-se a categoria “todas as outras” os temas e subtemas econômicos predominaram nas manchetes de ambos os jornais, sendo secundados na Folha de S.Paulo pelas notícias políticas e, no Estado de S. Paulo, pelas discussões sobre economia. O predomínio da categoria econômica nos dois jornais está obviamente relacionado à cobertura da crise financeira a partir de meados de agosto enquanto que, no caso da Folha de S.Paulo, as manchetes políticas são resultados da prioridade concedida por aquele jornal à cobertura das negociações para campanha eleitoral de 2012. Quanto à revista Veja, o equilíbrio entre as duas categorias deve ser explicado basicamente pelo fato de que a seleção dos títulos ter se restringido, como já se chamou a atenção, às duas seções específicas daquela publicação.

Em segundo lugar, a distribuição dos editoriais por categoria temática revela que os temas políticos, repetindo o padrão encontrado nas manchetes de primeira página, foram mais frequentes na Folha de S.Paulo do que no O Estado de S. Paulo, com ambos os veículos dedicando praticamente a mesma atenção aos tópicos econômicos e a reforma do Código Florestal. Em compensação, no Estadão, o percentual de matérias publicadas na categoria “todas as outras” (que reúne os assuntos internacionais e os tópicos não incluídos na lista de temas e subtemas previamente organizada para a pesquisa) foi, como nas manchetes de primeira página, comparativamente muito maior do que a da Folha de S.Paulo. De qualquer maneira, como ocorreram com as manchetes de primeira página, os assuntos econômicos predominaram nos editorais dos dois veículos.

Em terceiro lugar, o padrão de distribuição das categorias temáticas nos editoriais repete-se quando consideramos as colunas publicadas nos dois jornais e na revista Veja, como se pode olhar no próximo gráfico. Os temas econômicos predominam em todos os veículos, sendo seguido, no caso da Folha de S.Paulo e da revista Veja pelos assuntos políticos e, no caso do O Estado de S. Paulo, pelos temas sociais. A dispersão temática mais uma vez é forte no Estadão (23,2%) e evidenciada também na revista semanal, onde a categoria “todas as outras” (26,0%) apresenta praticamente o mesmo percentual alcançado pelos temas políticos, enquanto que na Folha de S.Paulo ela se limita a 13,1%.

Conclusões

Repassando os temas e excluindo-se a campanha eleitoral, é fácil perceber que o Executivo e a presidenta dominaram boa parte do espaço jornalístico. Não por acaso os temas crise financeira e governo federal (e o subtema presidenta), pois, como já se chamou a atenção em outra parte do trabalho, os dois temas se entrecruzaram pela própria dinâmica crise/reação do governo. É óbvio que nos quadros de um presidencialismo forte e num contexto que metaforicamente se poderia qualificar de “guerra” (a nação contra a crise internacional). Paradoxalmente, portanto, as reportagens sejam nos jornais ou na revista, sobre o Código Florestal, apenas esteve em evidência com os debates entre os representantes no legislativo nacional dos “Ambientalistas” e dos “Ruralistas”, ou seja, no jogo de convencimento de quem estaria correto, se assim podemos dizer. Porém, os debates sobre o Código em si, suas consequências a curto, médio e longo prazo, não ocorreram, durante todo o período pesquisado, até porque as discussões não eram constantes, apenas surgindo quando de uma possibilidade de ocorrerem as votações em plenário. O momento em que a mídia se envolveu de forma enfática somente ocorreu com o movimento “Veta Dilma” no início de mês de fevereiro de 2012, que ganhou adeptos entre os artistas “globais”, esse foi o único período em que a mídia mostrou a sua influência e relevância ao tema. Dos temas restantes, pode-se dizer que claramente dois deles (ajuste fiscal e privatização) pertenciam à agenda do governo e dois outros (Pobreza/Fome e Violência/Segurança) à oposição, enquanto que os três outros restantes (saúde pública, sistema bancário e educação) poderiam ser divididos entre o governo e oposição dependendo da questão específica em jogo. Em resumo, e num balanço sumário, a agenda da mídia durante o período aqui considerado não fomentou as discussões necessárias e fundamentais sobre a Reforma e Votação, mas destacou as manifestações sobre o veto governamental do Código Florestal.

Referências

BERELSON, B. Content Analysis in Communication Research, New York: Hafner Publ. Co., 1971.

FORMIGA, Fabíola de Oliveira Nobre. A evolução da hipótese da agenda-setting, Dissertação de mestrado defendida UNB, dezembro de 2006 (mimeografado).

LASSWELL, H. A Linguagem da Política, Brasília: Ed UNB, 1982.

McCOMBS, M. E. e Shaw, D. L. “The Agenda-Setting Function of Mass Media”, Public Opinion Quarterly, vol. 36, 1972.

SHAW, E. “Agenda-Setting and Mass Communication Theory”, Gazette (International Journal for Masss Communication Studies), vol. XXV, nº 2, 1979.

TRAQUINA, N. “O paradigma do Agenda-Setting. Redescoberta do Poder do Jornalismo”. Revista de Comunicação e Linguagens, nº 21-22, pp. 235-262, 1995.

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Davys Sleman de Negreiros é professor no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia; André Silva dos Santos e Bruno dos Santos Peres participaram da pesquisa como bolsistas