Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Efeito bumerangue e prejuízo à sociedade

Ao conseguir o fim do diploma obrigatório para o exercício do jornalismo, empresários de comunicação lançaram um bumerangue. Foi atirado no momento em que apelaram à Justiça contra a exigência de curso superior para jornalistas. Na metade do trajeto, o Supremo Tribunal Federal (STF) lhes concedeu o que queriam: a decisão definitiva pela qual todo cidadão pode se tornar jornalista, sem necessidade de regulamentação.

Mas, quando voltar, esse bumerangue poderá atingir seus arremessadores no meio da testa. A dor tende a ser maior para os jogadores mais fortes — as grandes empresas de informação, que precisam transmitir notícias com velocidade e precisão para sobreviver; para as pequenas, especialmente as que vivem de pequenos expedientes, bajulação e publicidade de prefeituras, bastará baixar a cabeça, algo com que estão habituadas.

E há a plateia, aqui representada pela parcela da sociedade que vê na Constituição Federal o argumento segundo o qual seria uma excrescência depender de um diploma para ser jornalista. Parte dos espectadores está no mesmo campo de visão dos que levaram o bumerangue para os ares e, quando esse objeto fictício retornar de onde tiver vindo, ficará sujeita a ferimentos eventualmente causados pelos cacos.

Debate virou ‘Fla-Flu’

Quem assiste de longe ao espetáculo, pelo noticiário, poderá sentir suas emoções aflorarem. Não importa o lado da torcida onde esteja. As consequências da volta do bumerangue serão percebidas pelos dois lados, nesse Fla-Flu que virou a disputa entre ardorosos e irracionais (nem todos, ainda bem) defensores do diploma e os partidários da livre prática da profissão de jornalista.

Explicando o sentido figurado: empresários de comunicação podem contratar quem quiserem. A manutenção dos direitos básicos dos jornalistas (piso salarial e jornada diferenciada) poderá virar exceção. Mais abundante do que já tem sido, a mão de obra tende a se baratear. E as empresas que tomaram a crise financeira mundial como a desculpa de que não tinham para cortar gastos aproveitarão para economizar ainda mais.

 Como ocorre com qualquer produto que carece de boa qualidade, os meios de comunicação das grandes empresas de mídia que descuidarem do conteúdo e da precisão daquilo que noticiam deverão vender menos. É o que já fazem: em vez de aproveitar as crises para se aprimorar e continuar vendendo, apertam o cinto e, ao se tornarem indispensáveis para cada vez menos gente, encolhem.

Antes que alguém repita afirmações surradas, como as de que ‘muitos dos nossos grandes jornalistas não cursaram faculdade’ e ‘o interesse particular pelo conhecimento pode levar à formação de grandes profissionais’, não podemos esperar isso, hoje, de onde vem a maioria dos futuros trabalhadores em qualquer setor: as escolas públicas, cujos alunos, em parte, têm de buscar nas ruas o pão que seus pais não lhes podem dar.

E alguém estenderá o braço, em sinal de socorro — às empresas de comunicação. Será o governo. Sempre ele, de qualquer matiz ideológica, disposto a colaborar na salvação de quem o defende ou não o ataca com tanta veemência. O bumerangue bateu? Machucou? Por que não um bilionário Gelol para a mídia, sob a conveniente alegação de que é preciso manter empregos e a livre disseminação de notícias na sociedade?

Sociedade (aquela que, na figura de linguagem do bumerangue, vê o espetáculo a distância) que pagará a conta dessa provável necessidade de aporte de verba pública, a fim de se preservarem grandes empresas de comunicação. Bem, algumas poderão não ser contempladas. Irão tarde. Mas já vimos cenas parecidas em ocasiões anteriores, nas quais os personagens eram empresas de outros segmentos. Alguém pagou a conta.

 O que você espera ganhar com tudo isso?

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Repórter do jornal A Tribuna, de Santos (SP) e editor do blog Reexame